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Martírio: uma alegoria do Estado brasileiro na resistência guarani-kaiowá

Após uma trajetória de sucesso em festivais no Brasil e no exterior, Martírio (2017), de Vincent Carelli em co-direção com Ernesto de Carvalho e Tita, foi lançado nos cinemas no dia 13 de abril. Um verdadeiro arquivo com documentos históricos, entrevistas com indígenas, fazendeiros e autoridades, o filme apresenta a história dos guarani-kaiowá desde a …

Martírio: uma alegoria do Estado brasileiro na resistência guarani-kaiowá Leia mais »

Após uma trajetória de sucesso em festivais no Brasil e no exterior, Martírio (2017), de Vincent Carelli em co-direção com Ernesto de Carvalho e Tita, foi lançado nos cinemas no dia 13 de abril. Um verdadeiro arquivo com documentos históricos, entrevistas com indígenas, fazendeiros e autoridades, o filme apresenta a história dos guarani-kaiowá desde a guerra do Paraguai, no século XIX, passando pela política de tutela de Rondon, a Era Vargas, a ditadura militar, a constituinte, o conflito com o agronegócio e a PEC 215. Ao longo de quase três horas de filme, Martírio é um infatigável exercício de reconstituição da trajetória guarani-kaiowá e uma metáfora para a oposição, cada vez mais profunda no Estado brasileiro, entre direito e legalidade.

O dia do índio, instituído por Getúlio Vargas, é celebrado em quase todas as escolas brasileiras. Podem-se ver painéis com fotos de crianças indígenas, povos do Xingu com vestimenta típica, cocares, pinturas corporais, imagens de cestaria, cerâmica… Em sala de aula se discute a herança indígena do Brasil, algum vocábulo de origem tupi, a relação do indígena com a natureza, a floresta amazônica… Quando se vai longe, discute-se que o Brasil é multicultural, que nem todo brasileiro fala português, que os indígenas possuem uma relação viva com o sagrado… Infelizmente quase todo o conhecimento que grande parte da população tem a respeito dos povos indígenas não passa muito disso: algo vago, superficial, deslocado das problemáticas atuais. Desde o século XIX, quando o indígena se torna um assunto tratado pela imprensa, ele é sempre investido em uma fantasia romântica em que ora é parte integrante da natureza potente, indomável, ora é assunto histórico, pois só nos séculos passados os índios eram índios, agora não o são. Essa polarização no modo de compreender o indígena é absolutamente problemática, pois nada mais é do que uma maneira de negar a sua existência no tempo presente, e assim negar-se a legitimidade das suas lutas na atualidade.

Longe de idealismos e romantismos, existem povos indígenas no Brasil hoje. E como se pode ver em Martírio, a sua realidade nada tem a ver com a serenidade do bom selvagem integrado em natureza exuberante. Pelo contrário, bala de canhão na guerra do Paraguai, mão de obra escrava nas plantações de mate do começo do século XX, perseguidos por pistoleiros contratados pelo agronegócio no século XXI, a história dos guarani-kaiowá é uma história de genocídio, resistência, nos termos de Carelli, uma “insurgência pacífica e obstinada”.

Quando era procurador da república, Aristides Junqueira visitou alguns acampamentos guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, como se pode ver em Martírio, ele afirma que “uma vaca nelore vale mais do que vinte crianças, cem homens”, tal era a situação de conflito e extermínio em que se encontravam e ainda se encontram os guarani-kaiowá. O ex-procurador diz que era preciso que os juízes fossem à região e conhecessem a realidade que julgam. Por meio de uma densa malha de documentos históricos, arquivos de televisão, falas e pareceres oficiais, entrevistas com indígenas e não-indígenas, o filme nos conduz aos territórios guarani-kaiowá do Mato Grosso do Sul. Com uma argumentação ferrenha e amplamente documentada, além de registros ímpares recolhidos desde a década de 1980, Martírio é uma obra fundamental a todos aqueles que desejam conhecer as questões indígenas contemporâneas com um pouco mais de profundidade.

 

Mas esses homens de calça e camisa podem ser índios?

Já em Corumbiara (2006), Vincent Carelli aponta um problema fundamental no trato com os indígenas:

Se um indígena usa saia, calça, camisa, moto, bicicleta, computador, ele pode ser índio? Boa parte da opinião pública vai dizer que não, pois se fosse índio estava na floresta, andando pelado, dormindo na rede. Esses homens se dizem índio só para ter regalias do governo, terra demarcada, bolsa família, receber cesta-básica… Se é índio mesmo, não pode usar celular: quer ter as regalias de branco e as regalias de índio? Com poucas alterações, esse discurso é extremamente comum, mesmo em meios intelectualizados. Aliás, tão comum quanto caduco: a ideia de que índio é vagabundo é tão antiga quanto a colonização do Brasil, quando o tráfico negreiro era justificado pela indolência indígena. Esse conflito, que já aparecia em Corumbiara é um dos conflitos centrais de Martírio.

Talvez seja possível afirmar que esse tipo de raciocínio tenha origem no hábito de compreender o indígena sempre associado a um passado idílico, como se, mesmo em 2017, o indígena pudesse permanecer intocado, sem realizar nenhuma troca cultural. Grande parte dos povos indígenas brasileiros vive hoje uma realidade de biculturalismo ou multiculturalismo. Os guarani-kaiowá, por exemplo, desde a guerra do Paraguai conviveram com o intenso processo de migração, ocupação e capitalização de suas terras. Assim como mostra um vídeo do Quebrando Tabu, que viralizou semanas atrás, exigir que os indígenas mantivessem uma cultura originária depois de tantos anos de trocas econômicas e culturais seria tão ingênuo quanto exigir dos brasileiros de ascendência europeia que não tomassem banhos todos os dias, não comessem farinha de mandioca ou não dormissem em redes.

Divulgado pelo Quebrando Tabu, o vídeo possui mais de 14 mil acessos e de 1.800 comentários. Os comentários ilustram como a opinião pública pouco entende o multiculturalismo entre indígenas.

O argumento de que uma vez que não se vive nu e isolado não se é mais índio sempre foi fundamental para a exploração da mão de obra indígena em regime escravo ou semi-escravo. Em Martírio, Vincent Carelli entrevista um fazendeiro de aproximadamente 70 anos e lhe pergunta se em sua juventude já havia índios na região. Ele afirma que não, que os índios só chegaram recentemente requerendo a terra porque ali havia seus cemitérios, era seu território. De acordo com o fazendeiro, deveriam estar mentindo, pois tempos atrás não havia índio algum na região, somente alguns paraguaios que trabalhavam na lavoura do mate. Assim, os guarani-kaiowá que atualmente reclamam suas terras no Mato Grosso do Sul não seriam nem índios nem brasileiros, talvez descendentes desses paraguaios que trabalharam na lavoura do mate.

A fala do fazendeiro permite alguns desdobramentos que são tratados no filme de Carelli. O primeiro é que os povos guarani-kaiowá vivem em trânsito na fronteira entre Brasil e Paraguai, não permanecem fixados indefinidamente no mesmo território. Além disso, o fato de falarem guarani, língua oficial do Paraguai, não faz deles paraguaios, pois antes de haver fronteira entre Brasil e Paraguai o território – que hoje é de fronteira – já era território guarani-kaiowá. Por fim, o fato de negar-se ao índio sua identidade, no caso dizendo que são paraguaios, remete ao caráter jurídico de “índio aculturado” que foi amplamente discutido durante a aprovação da constituinte de 1988. Como o filme discute, negar ao índio a sua identidade é uma arma antiga do Estado para retirar-lhe o direito à terra, rentabilizar seus territórios e integrar o indígena ao agronegócio como trabalhador pobre e explorado. Assim, o argumento de que se usa roupa e celular não se pode ser mais índio nada mais é do que uma grande arma de opressão e genocídio que Martírio leva a entender em toda sua complexidade.

Divulgado no artigo de Marcos Mondardo, o mapa as terras ocupadas pelos guarani-kaiowá dividindo-as a partir dos conflitos ocorridos entre 2014 e 2015. Para ler o artigo na íntegra, acesse: https://espacepolitique.revues.org/4212

 

Dois mundos e um território

Uma questão fundamental discutida em Martírio refere-se à relação com o território. Povos extremamente religiosos, os guarani-kaiowá acreditam que os seus ancestrais vivem na terra onde seus corpos foram enterrados. Esses territórios sagrados são chamados de tekohá. Diferentemente da cultura ocidental, para a qual, como memória, os mortos são uma ausência presente, para os guarani-kaiowá, eles são uma presença ausente, pois mesmo que seus corpos estejam ausentes, o antepassado se faz presente material e espiritualmente na terra em que foi sepultado, no seu tekohá. Por isso, apesar dos pistoleiros, apesar dos conflitos de demarcação, apesar das imposições do Estado para que os kaiowá abandonem suas terras, isso não é possível, pois abandonar o tekohá é o mesmo que abandonar os seus antepassados, e estar junto a eles é significar a vida, é viver nhanderekó: viver de acordo com o modo de vida guarani-kaiowá.

Para a política de demarcação de terras no Brasil, a relação dos indígenas com seus tekohá não é relevante. Quando o Serviço de Proteção ao Índio chegou à região do Mato Grosso do Sul, criou reservas indígenas para abrigar todos os povos guarani-kaiowá. Essas reservas, que possuem aproximadamente 0,5% da área que os guarani-kaiowá ocupavam originalmente, não podem ser consideradas um tekohá, pois não é nessas terras que os seus antepassados vivem. Assim, concentrar os indígenas nesses territórios é privar-lhes de viver nhanderekó. Além disso, devido à área restrita e ao agronegócio crescente, a população desses territórios inchou exponencialmente ao longo dos anos, tornando as terras demarcadas ainda mais insuficientes. Os guarani-kaiowá surgem na mídia devido às condições de trabalho a que estavam sendo expostos no campo e ao alto número de suicídios nas reservas.

Mostrando a complexidade da questão territorial, Martírio apresenta o quanto a política de demarcação de terras indígenas no Brasil é mais uma frente de atuação do extermínio dos guarani-kaiowá. Retirando os indígenas de seus tekohá e espremendo-os nas pequenas áreas demarcadas cria-se um genocídio lento, gradual, em que o assassino sai de mãos limpas.

Legenda: Trecho de entrevista presente em Martírio. Nela, os povos do território Pyelito Kue falam sobre sua relação com os seus tekohá e os conflitos com os fazendeiros.

 

Imagens da resistência

Além do martírio do povo guarani-kaiowá como um todo, o filme apresenta a história de alguns mártires emblemáticos para a luta indígena nacional. A relação de Vincent Carelli com os guarani-kaiowá remonta à década de 1980, quando fez uma série de filmagens de seus rituais religiosos. O que o leva a voltar ao Mato Grosso do Sul foi a hedionda morte de Nísio Gomes, do território Guaiviry. Conforme matéria da Record, reproduzida no documentário, e relato dos seus parentes da terra Guaiviry, Nísio foi morto em um ataque de pistoleiros e seu corpo não foi encontrado. O caso se deu em 2011 quando, apesar de resolução da justiça em demarcar o território Guaiviry nas terras das fazendas de Chimarrão e Querência, pistoleiros invadiram as terras, feriram alguns dos parentes de Nísio, e o mataram. É aberto um processo contra os “justiceiros”. Foram indiciados fazendeiros, um servidor da Funai, e o presidente da Gaspem, empresa de segurança privada que prestava serviços aos fazendeiros. A Gaspem é obrigada a fechar. Em um episódio de audácia jornalística, a equipe de Martírio grava a fachada da empresa. Um trabalhador da empresa de segurança pergunta o que estão fazendo, por que estão filmando, e o cinegrafista responde que estão fazendo uma matéria sobre os comércios da cidade. Perguntam se a Gaspem voltará a abrir, e o trabalhador lhes responde que deverá abrir sim, mas sabe como é que é, não poderá ser no mesmo local, nem com o mesmo nome. Mas é só mudar a razão social, o lugar, e pronto. Afinal, a Gaspem já tem toda uma equipe formada, profissionais treinados, não dá para parar… A aparência de legalidade se mantém. O genocídio, continua.

Legenda: Reportagem do jornal da Record do Mato Grosso do Sul sobre o caso Nísio Gomes.

 

https://www.youtube.com/watch?v=8KI66s4cQHo

Legenda: Entrevista do advogado da Gaspen à RIT, de Dourados. Na reportagem, os indígenas não são convidados a dar sua versão dos conflitos ocorridos em Dourados.

 

Em uma cena absolutamente antológica, daquelas que na primeira vez em que se vê se tem a certeza de que será assunto para os próximos 30 anos, um agente da polícia federal chega a um grupo guarani-kaiowá para comunicar a determinação legal de reintegração de posse. O agente tem uma fala mansa, respeitosa, trata todo mundo por senhor, senhora, dizendo precisar que a liderança do grupo assine o informativo de integração de posse. Uma senhora, que fala em nome do grupo, diz que ali as mulheres são lideranças, as crianças são lideranças, os homens são lideranças, e que se um tiver de ir preso, todos deverão ser presos. O agente não entende, mas diz que a mulher é sábia, e sábia que é determinará ao seu grupo que saia da região, isso é o melhor a se fazer. A determinação está tomada, foi tomada pelo Estado Democrático de Direito, e ele não gosta de falar de mortes, mas essa é uma decisão que será tomada. Caso eles não saiam, será necessário acionar o Estado, a polícia militar. Quantos policiais serão necessários? Cinco mil homens? Dez mil homens? Ele não sabe. Talvez as Forças Armadas por ser uma região de fronteira? Talvez. Ele não sabe. Tudo isso dito com voz mansa, palavras escolhidas, respeito senhor e senhora. Os guarani-kaiowá conseguem assinar o termo de responsabilidade conjuntamente. Sabiam que a aparência de legalidade e de simpatia servem apenas para dissimular o extermínio das lideranças da luta guarani-kaiowá. Tinham muitos exemplos de casos em que, uma vez que alguém se declara como liderança, é exterminado em pouco tempo. É o que aconteceu na década de 1980 com Marçal de Souza que, com seu estilo eloquente, teve grande visibilidade chegando inclusive a discursar ao papa João Paulo II a respeito do genocídio sofrido pelos guarani-kaiowá. Três anos depois do discurso histórico, foi assassinado com seis tiros. O primeiro deles, na boca.

https://www.youtube.com/watch?v=FzKbHD4Kqrc

Legenda: Em 1980 Marçal de Souza, o Tupã’i, discursou ao papa João Paulo II sobre a situação dos indígenas do Brasil. Vítima de uma emboscada, foi assassinado em novembro de 1983. Ninguém foi punido.

 

O circo da legalidade

Martírio reúne uma série de registros de reuniões do legislativo, desde a constituinte até a polêmica da PEC 215, que retira da FUNAI e transfere ao legislativo o poder de demarcação das terras indígenas. Nas palavras do próprio Vincent Carelli, a discussão do legislativo a respeito da demarcação de terras e dos direitos dos índios é um circo.

Na já antológica ocupação do congresso pelos indígenas durante a reunião de aprovação da PEC 215, enquanto o congresso é ocupado um deputado vocifera ao microfone que isso é uma violência, e que se a moda pega será um perigo. Assim como no caso do policial federal no episódio de reintegração de posse, desde que utilizando terminologia adequada e respeitosa, respeitando “os ritos democráticos”, atos que ferem profundamente direitos fundamentais podem ser considerados legais. Entretanto, as ações que ferem protocolos ou usam discursos mais agressivos, mesmo que estejam ao lado do direito, estão consideradas no campo da ilegalidade, devem ser punidas, repreendidas. Nesse sentido, Martírio é uma verdadeira metáfora do Brasil contemporâneo: em tempos de Lava Jato, em que crimes hediondos contra a população brasileira são cometidos sob uma aparência de legalidade, o criminoso é aquele que reclama os seus direitos, se colocando contra as ordens do Estado. A legalidade no Brasil deixou de ser uma questão de ética e direito, tornando-se um exercício do poder por meio da opressão, tudo dito com postura e aparência terno-e-gravata. 

https://www.youtube.com/watch?v=3B5hPZhdhm8

Legenda: Reportagem do programa Câmara Hoje sobre a ocupação do plenário Ulisses Guimarães no dia 16 de abril de 2013, quando era votada a PEC 215.

 

O circo continua no Leilão da resistência. Criado originalmente para arrecadar fundos ao financiamento de segurança privada dos fazendeiros, o leilão foi embargado pela justiça por caracterizar formação de milícias. Então passou a ter como objetivo angariar fundos para os fazendeiros tocarem os processos referentes à posse de terras. Durante o leilão, uma das autoridades que discursa afirma que não se sabe quando chegará um antropólogo que, tomando o santo daime, terá um sonho de que ali onde está moraram índios. Então, elaborará um laudo para a Funai exigindo a demarcação. De acordo com essa e outras autoridades que aparecem em Martírio, os antropólogos não podem ser senão lunáticos que, por meio de sonhos ou alucinações, resolvem arbitrariamente que determinada terra é indígena. É como se o seu trabalho não tivesse nenhum método, fosse meramente questão de intuição ou alucinação. Não é de espantar que, por meio da CPI da Funai, aprovada no começo de maio deste ano, o legislativo tenha indiciado diversos antropólogos e indígenas propondo aquilo que chamam de reestruturação da Funai, embora muitos considerem uma proposta de desmonte.

Com esse nome paradoxal, Leilão da resistência – visto que a ideia de resistência está sempre vinculada a um povo oprimido, e no caso era um evento de fazendeiros –,  o leilão contou com a presença de Kátia Abreu, então futura ministra da agricultura. Em um discurso inflamado, próprio de seu estilo, Kátia Abreu afirma que o MST já foi vencido, o código florestal já foi vencido, e agora era a vez da questão indígena, não haveria nada mais importante do que a aprovação da PEC 215 no senado. Colocada no contexto do filme, a trajetória de resistência e genocídio que acompanha os povos guarani-kaiowá, a fala ganha em complexidade e problemática. Apesar de a política ser representativa e partes da sociedade terem anseios contrastantes, o Estado poderia se colocar integralmente ao lado de uma parcela da sociedade, mesmo que isso signifique o extermínio de outra parcela? Quando o Estado atua de modo a defender apenas uma das partes da sociedade, ele ainda pode ser considerado um Estado democrático? A capitalização do campo deve ocorrer mesmo que às custas do extermínio de um povo e uma cultura?

Em uma de suas entrevistas, Carelli é interpelado por um grupo guarani-kaiowá a respeito de como agir frente às constantes investidas do Estado contra eles. Ele responde que não sabe, não pode fazer nada, é gente do povo, gente que não resolve, não tem o poder de legislar, executar nada. Mas pode registrar, e é importante que a questão dos guarani-kaiowá seja registrada, levada às cidades, que as pessoas possam conhecer o seu drama. Isso sensibiliza, comunica, e leva toda essa gente a pressionar o governo. Por esse motivo, Martírio é um filme essencial, profundamente contemporâneo, que nos leva a compreender a complexidade da questão indígena hoje e a problematizar o quanto, sob uma roupagem de legalidade e democracia, o autoritarismo e a truculência se tornaram práticas comuns do Estado brasileiro. Aliás, nas palavras de Vincent Carelli, “é no trato com os índios que o Estado brasileiro se revela”. Se a premissa está certa, Martírio é um filme fundamental a todos aqueles que desejam compreender o Estado brasileiro contemporâneo com mais profundidade.

 

Trailer: 

por Rodrigo Brucoli
rodrigobrucoli@gmail.com

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