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Mrs. Dalloway: o íntimo e o banal em questão

Literatura atômica. É assim que o escritor Alan Pauls descreve o conjunto da obra de Virginia Woolf no prefácio de Mrs. Dalloway (Penguin Companhia, 2017). Mas por quê? Woolf, escritora símbolo do modernismo britânico, trabalha suas personagens como átomos, partes de um todo. São alegorias para o conjunto ao mesmo tempo que contêm em si …

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Literatura atômica. É assim que o escritor Alan Pauls descreve o conjunto da obra de Virginia Woolf no prefácio de Mrs. Dalloway (Penguin Companhia, 2017). Mas por quê? Woolf, escritora símbolo do modernismo britânico, trabalha suas personagens como átomos, partes de um todo. São alegorias para o conjunto ao mesmo tempo que contêm em si um universo próprio. No romance Mrs. Dalloway essa característica é marcante. O leitor é levado a Londres dos anos 20 entendendo a metrópole, as classes e a sociedade como um organismo. A premissa é simples: acompanhamos um dia na vida de Clarissa Dalloway, uma mulher em seus cinquenta anos, dama da sociedade inglesa e casada com Richard, importante membro do governo britânico. Repleto de banalidades, Virginia Woolf consegue como ninguém transformar esse enredo em um significativo ensaio psicológico, existencial e filosófico.

Inteiramente narrado em terceira pessoa, com a mistura do discurso indireto e o indireto livre, o livro dá um panorama da sociedade inglesa da época através dos olhos de Clarissa e as pessoas que cruzam seu caminho. Naquela usual quarta-feira de 1923, os Dalloway estão organizando uma festa e Clarissa, como uma ótima anfitriã, quer garantir que todos os detalhes estarão perfeitos. Logo de manhã, decide comprar as flores por conta própria e sai pelas icônicas ruas de Londres sozinha. É nesse contexto que temos acesso a sua consciência e, consequentemente, a suas reflexões, angústias e questionamentos. À primeira vista, vemos a futilidade que permeia sua vida: uma pessoa ordinária, sem nada de especial, esnobe e preocupada com as aparências. A festa, na realidade, é uma forma de manter sua alta posição social.

Mas com um olhar mais atento e aprofundado, percebemos que essa mulher é complexa. Tem questões universais dentro de si: questiona decisões que tomou na vida e seus arrependimentos. O “e se” é constante em sua mente. “E se não casasse com Richard? E se não me afastasse das pessoas que amo? E se tivesse feito tudo diferente, seria mais feliz?”. A passagem do tempo foi crucial no desenvolvimento de seu ser: antes uma pessoa despreocupada e espontânea, hoje precisa manter uma pose perante à sociedade.

Além de termos contato com o fluxo de consciência de Mrs. Dalloway, o narrador “pula” para a cabeça de pessoas de seu círculo social ou que dividem o mesmo espaço físico que ela no momento. Essa troca acontece sem nenhum aviso prévio ou introdução do indivíduo, deixando para o leitor entender por conta própria quando ela ocorre – quase sempre de maneira confusa. O mais importante dessas personagens é Septimus Warren, ex-soldado traumatizado pela guerra. Septimus é visto por sua esposa e pelos médicos como louco. Ele alega ver gente morta, saber o segredo da vida e tem um desejo constante: se suicidar. Com a intenção de ajudá-lo, sua mulher marca naquela quarta uma consulta com um especialista.

É nesse contexto que a vida de Clarissa e desse veterano se tocam. Eles nunca chegam a se conhecer, mas compartilham as ruas e os parques da cidade e suas histórias passam a desenvolver-se paralelamente. Os dois são opostos um do outro: enquanto Clarissa é toda racional e centrada, Septimus é levado por suas emoções e perde a capacidade de controle. Ela é de uma classe social alta, ele é proletariado. Essa dupla funciona como um espelho e é a forma da autora criticar a sociedade moderna da época, uma classe de futilidades e aparências. E assim segue Mrs. Dalloway. Não é uma história de fatos, mas de indagações. Aquela quarta-feira de junho é mais um dia normal, o de sempre. A simplicidade e o banal permeiam a obra inteira. E, nessa reprodução fiel do cotidiano, Woolf consegue transmitir o íntimo humano e traz à discussão a universalidade do ser.

Ao fugir do habitual, Mrs Dalloway não agrada a todos. A princípio, a leitura é difícil e demora até que nos acostumemos com o estilo da autora. Pela falta de ação, não é incomum que a leitura empaque e muitos desistam de ler. Claro, o fluxo de consciência pode ser confuso e demanda paciência. Não estamos habituados com essas personagens e leva tempo para conhecê-las e termos empatia. Mas, no geral, Virginia Woolf consegue captar e entender lindamente o íntimo humano e suas particularidades. Cada pessoa dentro do livro tem sua personalidade, angústias profundas, traumas e perspectivas de mundo.

Com uma linguagem tocante e poética, Woolf constrói e analisa um emaranhado de relações interpessoais e desenvolve muito bem questões existenciais e filosóficas. Uma única leitura não é suficiente para captar toda sua genialidade, tanto nos detalhes mais complexos quanto nas características mais banais. A cada revisita, percebe-se pormenores que tornam a leitura mais rica e cheia de camadas. É nessa relação de amor ou ódio que Mrs. Dalloway marca a literatura modernista, com experimentalismos linguísticos, a exploração do inconsciente humano e o retrato das transformações sociais na Inglaterra pós Primeira Guerra Mundial. 

Por Giovanna Simonetti
g_simonetti@usp.br

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