A morte, inevitável e repentina, não escolhe ou prepara aqueles ao redor de quem será abarcado por ela. Por isso, lidar com os dolorosos sentimentos deixados para trás não é tarefa fácil. Em seu mais novo livro, Notas sobre o luto (Companhia das Letras, 2021), Chimamanda Adichie relata seus sentimentos após a morte de seu pai em uma narrativa realista e emocionante.
Chimamanda é um dos maiores expoentes do feminismo contemporâneo: suas obras, como Sejamos Todos Feministas (Companhia das Letras, 2015), já foram traduzidas para mais de trinta línguas e seus TEDtalks engajam como alguns dos mais assistidos do mundo. Neles, a autora aborda sua posição como mulher negra e nigeriana em uma sociedade que a coloca na base da cadeia social, sofrendo não apenas com o machismo, mas também com o racismo e a xenofobia, que se complementam em uma violenta atmosfera de vida feita para minar sua existência mesmo antes que ela se concretizasse.
Do particular para o universal, as vivências compartilhadas pela autora tocam os leitores na medida em que se parecem com histórias contadas por uma amiga, sem o peso de categorizá-las como teóricas. Contudo, basta um posicionamento ativo em relação às suas falas para a compreensão de que tipo de amiga a autora busca ser: aquele que, sutil e descontraidamente, muda seu ponto de vista com relação ao mundo e às outras pessoas ao seu redor.
Em Notas sobre o luto, lançado em maio, Chimamanda faz o caminho contrário ao restante de suas abordagens: partindo do universal, a pandemia de Covid-19, a quarentena que forçou milhões de famílias a se afastarem fisicamente e, mais amplamente, a vivência de um luto, ela aborda de maneira pessoal e intensa o falecimento de seu pai, em junho de 2020, e sua relação com ele.
Seu processo de luto é acompanhado pelo leitor através dos trinta capítulos curtos que compõem a obra, permeados por memórias de quem foi seu pai, e que transmitem a sensação de que ele continua vivo, continua presente, palpável, se não fisicamente, na memória de seus familiares. Beira o impossível não se emocionar com os relatos do homem bondoso e forte que James Adichie se mostrava para seus filhos, companheiros e comunidade.
“A dor era a celebração do amor,
aqueles que sentiam dor verdadeira tinham sorte de ter amado”
Chimamanda Adichie, Notas sobre o luto
Também são narrados os problemas enfrentados por ela para comparecer ao enterro de seu ente querido, uma vez que ela mora nos Estados Unidos e os aeroportos nigerianos estavam todos fechados em decorrência da pandemia, o que agrava ainda mais a negação e a raiva em relação ao ocorrido. As palavras parecem vazias nas páginas, incapazes de relatar com precisão seus sentimentos, e talvez o intuito de Chimamanda tenha sido justamente esse — expressar o vazio que jamais será inteiramente preenchido, deixado pela ausência.
A impressão que fica em quem entra em contato com o livro é a exata denotação de seu título: que a autora escreveu notas, sem preocupação com o cronológico, como se as lembranças que chegassem a sua mente — e parecessem dolorosas demais para serem guardadas apenas em seu coração — transbordassem para o papel numa coesão universal e extremamente particular ao mesmo tempo.
As 144 páginas que formam o livro são, apesar de seu grande peso emocional, fluidas e simples, num paradoxo que assola o leitor. O número não parece suficiente para expressar a dor poderosa e inestimável de perder um pai, mas nem todas as páginas do mundo seriam capazes de o ser.
*Imagem de capa: Duda Ventura/Jornalismo Júnior