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Ombudsman: Às turras com a notícia

Ainda em tempo para um novo projeto em 2020, a Jornalismo Júnior apresenta a primeira coluna do seu mais novo crítico de conteúdo, Guilherme Caetano. Meu amigo Gustavo largou o cigarro em março, após nove anos de tentativa. Naquele mês, abatia sobre o Brasil a pandemia que ainda vivemos, e já se sabia que fumantes …

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Ainda em tempo para um novo projeto em 2020, a Jornalismo Júnior apresenta a primeira coluna do seu mais novo crítico de conteúdo, Guilherme Caetano.

Meu amigo Gustavo largou o cigarro em março, após nove anos de tentativa. Naquele mês, abatia sobre o Brasil a pandemia que ainda vivemos, e já se sabia que fumantes estavam no grupo de risco da covid-19. “A pandemia me causou o medo da morte que as embalagens de cigarro jamais me fizeram”, ele me disse um dia desses.

Gustavo não é um caso isolado. Uma reportagem da BBC de julho mostrou que a pandemia levou a um número recorde de fumantes largando o cigarro no Reino Unido — mais de um milhão de pessoas até aquele momento.

Considerando que no Brasil o alastramento do coronavírus deve ter causado efeitos semelhantes no tabagismo, dá para supor que milhares de personagens para matérias sobre vício em drogas abundam por aí. A matéria “Como surgem os vícios?”, publicada no Laboratório em 25 de novembro, poderia ter incluído um deles.

A escolha da autora por ouvir apenas uma psiquiatra e uma psicóloga tornou o texto burocrático, similar àqueles disponíveis em sites de institutos de saúde ou blogs especializados, a que recorremos quando ficamos doentes antes de procurar por especialistas. Entretanto, as informações são boas e significativas para quem quer entender a patologia.

Não ter um relato curioso nem gancho factual recente deixa o texto atemporal demais — num sentido negativo — e faz com que perca a noticiabilidade (perdoem-me o jargão). Isto é, o valor de notícia: elementos como ineditismo, improbabilidade, apelo, novidade.

Já que não seria possível trazer uma grande novidade na matéria (afinal, trata-se de explicação científica de uma doença), ouvir personagens que viveram dramas por conta do vício daria mais sabor ao texto. Poderia, claro, ter sido outro tipo de dependência. Existem por aí muitos viciados em chocolate, sexo, álcool ou TikTok, por exemplo.

Matérias sem personagens costumam ser tediosas. Nós amamos histórias, ainda que sejam sobre anônimos — o sucesso de Humans of New York e Modern Love, por exemplo, está aí para provar. A revista piauí tem uma seção (Esquinas) dedicada a essas histórias, aparentemente despretensiosas, mas inusitadas e muito bem contadas.

Outro aspecto se estende de uma forma geral aos textos da Jornalismo Júnior: às vezes falta uma grande novidade. As matérias até trazem problemas atuais e pertinentes, como “Maiorias inviabilizadas em São Paulo“, de 4 de dezembro. A escolha do tema revela uma sensibilidade importante, mas o novo acaba sendo soterrado por 3,7 mil toques de nariz-de-cera. O lide está no sexto parágrafo.

Talvez pela predileção da Jota com o formato de revista é que seu jornalismo viva às turras com a notícia. O esforço da empresa em dar espaço ao hard news, como o Observatório, é muito positivo, mas pode ser que ainda não tenha surtido efeito. “A crise energética no Amapá: sem água e sem energia no meio de uma pandemia“, publicada naquela seção em 30 de novembro, não tem propriamente uma notícia. Parece que a Jota vive um apego demais ao jornalismo explicativo do Nexo Jornal. O esforço do texto, de qualquer forma, é bem válido: vivemos uma enxurrada de informação e às vezes é preciso parar para esclarecer os acontecimentos.

O texto “No ringue da luta livre com seis saias: conheça a história das Cholitas Luchadoras bolivianas“, publicado no Arquibancada em 5 de dezembro, traz uma história muito interessante, e ficaria ainda melhor se houvesse algum relato que nos colocasse temporalmente mais próximos à realidade das cholitas. A única informação que indica ser um texto recente é uma fonte contando ter prestigiado as cholitas em 2019.

Senti falta de ouvir o que mais tem a dizer Nathalia Pepita, a grande personagem da matéria que acabou abafada pelo academicismo de antropólogas e sociólogas. Pepita está treinando durante a pandemia? Os ringues de luta livre foram fechados ao público? Como as cholitas têm sido afetadas pela queda no turismo durante a crise sanitária? Qualquer uma dessas respostas daria uma bela introdução à matéria, e uma esquentada na matéria. Ainda que boa, pauta fria vai para a gaveta.

Quando estiver tentando bolar uma pauta, pergunte-se: por que alguém leria isso aqui hoje? E, aqui, o “hoje” é importante. Textos geralmente precisam ter algum gancho na atualidade. Mais perto do “hoje” possível.

Se você não tiver uma novidade, conte uma história. Se não tiver uma história, conte uma novidade. De preferência, conte as duas coisas numa só. Se não tiver nenhuma delas, talvez valha apurar mais um pouco.

Histórias como as de Gustavo e Nathalia Pepita estão aí para serem contadas.

 

 

*Guilherme Caetano é repórter de política do jornal O Globo e da revista Época. Também passou pela Folha de S.Paulo, onde foi trainee e redator. Presidiu a Jornalismo Júnior em 2015.

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