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Pop Don’t Preach: quem disse que feminismo e cultura pop não combinam?
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18 ago 2016 | Por Jornalismo Júnior

Há muitos problemas a respeito de representação da mulher e das minorias no universo pop, seja em filmes que objetificam personagens femininas, músicas com letras de teor misógino e racista, ocorrências de gaslighting e mansplaining em entrevistas, ou fetichização de LGBTs em seriados. “Três ávidas consumidoras de cultura pop”, como definiu a própria Nana Soares, perceberam que havia muito espaço e necessidade de falar sobre feminismo e representatividade dentro desse universo, que por vezes é tão problemático. Surge, então, o Pop Don’t Preach, um podcast criado por Marina Burini, Nana Soares e Teca Perosa com a intenção de abordar justamente tais assuntos. Cada episódio, produzido quinzenalmente, trata de um tema específico, como séries de alta repercussão na mídia, novelas, divas do pop, mulheres na premiação do Oscar e Beyoncé – espécie de padroeira do podcast, referida por elas como “Beysus” (junção dos nomes Beyoncé e Jesus).

Com os podcasts são postados também mediums (plataforma para blogs que permite a publicação de textos, vídeos, imagens e gifs), nos quais há links e mídias que aprofundam os assuntos discutidos, além das referências citadas por elas e das seções “não está sendo fácil da quinzena”, que traz aqueles fatos tão ruins que se tornam até difíceis de acreditar, como comentários machistas de pessoas públicas, e “rapidjeenhas”, que compartilha informações rápidas sobre o que está acontecendo no mundo pop.

Logo pelo título dos episódios, repletos de trocadilhos e memes, já é possível perceber qual é o tom do Pop Don’t Preach, que hoje está em sua segunda temporada. Mesmo quando tratam de assuntos mais sérios, como racismo e representatividade LGBT, a abordagem é leve. Os ouvintes são “migas”; a linguagem é parecida com a das redes sociais mais descontraídas: repleta de memes; há momentos fangirl e momentos de problematização; as idealizadoras são claramente “gente como a gente”. Ouvir um episódio do PDP é como participar de uma conversa entre boas amigas – e inevitavelmente querer fazer parte desta amizade.

Conversamos com Nana Soares sobre o Pop Don’t Preach, processos e dificuldades de realização de podcasts e o universo pop. Nana e Teca Perosa, além de produtoras do podcast, são jornalistas e estarão presentes na 3ª Semana da Jornalismo Júnior, no dia 23  – em um debate sobre “ A  mulher no jornalismo” junto com Nana e 26 de agosto – discutindo os “Novos formatos do jornalismo” – , respectivamente.

Nana Soares, uma das criadoras do Pop Don’t Prech. Foto: Acervo Pessoal

O que surgiu primeiro: a ideia de produzir conteúdo sobre feminismo e cultura pop ou o interesse em fazer um podcast?

Conteúdo sobre feminismo e cultura pop. O formato [podcast] a gente chegou depois. O que aconteceu, na verdade, é que a gente usa o Twitter e as três têm muito interesse nesses temas, uma mais em cultura pop, outra mais em feminismo, mas enfim, três ávidas consumidoras de cultura pop. Quando tinha premiação de música, Oscar, ou coisa do tipo, a gente sempra fazia comentários levando já mais pra esse lado [do feminismo]. E foi isso. Eu acho que fui eu que joguei na roda: “Meu, a gente tinha que se juntar e fazer alguma coisa, porque a gente precisa falar de feminismo. Tem muita coisa pra falar de feminismo na cultura pop”. A nossa ideia inicial era fazer uma coisa mais teórica. Falar o que diz o feminismo da primeira onda, por exemplo,  omo isso está representado na cultura pop, ou pegar referências teóricas mesmo. Então, primeiro surgiu a ideia de fazer algo sobre feminismo e cultura pop. a gente parou para pensar qual seria o melhor formato e achamos que podcast tinha tudo a ver, porque é uma conversa, e a gente sempre quis essa ideia de uma coisa que dê pra ouvir em todo lugar. E podcast é um formato que tem muito a ver com a cultura pop. Agora ele está ficando um pouco mais popular para outras coisas também, mas geralmente ele é bem comum entre os consumidores de cultura pop, principalmente fora do Brasil. A gente não falou: “vamos fazer um podcast”, mas entre as opções, a gente achou que caberia melhor, que dá para a gente organizar, que dá para colocar trilha [sonora], e é relativamente fácil de gravar.

Você já tinha alguma experiência prévia com podcasts?

Só de ouvir. A Marina Burini ouve muitos podcasts, ela é a que tem mais background em cultura pop e sempre traz muitas referências disso para gente. Eu comecei a ouvir mais depois do Pop Don’t Preach. Na verdade, eu não tinha muita referência, não é o formato que eu estou mais familiarizada. É sempre um desafio, tornar o nosso [podcast] mais atrativo, sendo que não é  meu formato preferido. Por ser jornalista, eu já trabalhei algumas vezes com rádio, mas podcast é uma experiência diferente. Eu já gravei programa ao vivo também, como convidada e como jornalista, e acho que é a experiência que mais se aproxima, mas ainda assim é diferente. Nós três não tinhamos experiência em fazer podcast, então a gente está aprendendo. Nós vamos aprendendo enquanto fazemos. A gente ainda erra muito, e além de errar, a gente é muito limitada em várias coisas, principalmente em recursos. Então vamos aprendendo e se virando com o que a gente tem, e tenta fazer o melhor possível com isso.

Houve inspiração em algum podcast já existente para produzir o Pop Don’t Preach?

No começo, a gente se inspirou no Um Milkshake Chamado Wanda, do Papel Pop, mas eles têm uma estrutura bem maior pra gravar o podcast deles, e o fazem semanalmente sem muito compromisso de tema. A gente não tinha muita referência de podcast nacional. O Um Milkshake Chamado Wanda foi uma referência porque toca muitos temas afins aos nossos, mas não iguais, porque a nossa proposta é falar das coisas com um viés feminista, não é tanto uma conversa tão desinteressada assim. A [Marina] Burini ouve vários e comenta muito sobre o Gilmore Guys, que é gringo. Eu ouço muito um que se chama Stuff Mom Never Told you, que é feminista também. Eles já fizeram [um episódio] da Beyoncé, então ele é parecido com o nosso. A gente fez um episódio da Beyoncé nessa temporada, e eu ouvi o episódio deles há alguns vários meses antes e fui ouvir de novo pra me preparar pra esse nosso episódio e eu fiquei até bolada,  “será que eu vou ter coisa nova pra falar?”, porque eu já ouvi tanta coisa legal nesse podcast. Quando um podcast feminista fala de algum tema de cultura pop acaba ficando bem afim com o que a gente faz mesmo. Mas é claro que a gente tem muita coisa a acrescentar, até porque são pessoas diferentes gravando podcast, e porque a gente está no Brasil, em outra cultura, outro contexto. A gente tenta trazer tudo para o contexto brasileiro, mas querendo ou não, cultura pop é um tema muito americanizado. A gente consome uma cultura muito gringa, muito americana, então isso é sempre um desafio. Às vezes fica um pouco afastado da nossa realidade brasileira, porque a gente fala de coisas que não são brasileiras, que são internacionais. Mas, ao mesmo tempo, mesmo que seja para falar de uma coisa gringa, eu acho que esse olhar de alguém que não está ali, um olhar brasileiro, da realidade brasileira sobre uma cultura americana que a gente consome, é muito legal também e acrescenta várias coisas para o que a gente está falando.

Qual é o processo de produção de um episódio?

Nós fomos descobrindo o processo com o tempo. No começo, a gente sempre coloca uma meta de tempo, para o podcast durar de 30 a 40 minutos, mas nem sempre dá. A gente chega a fazer episódio de uma hora e meia. Na verdade, [a duração] é normal para podcasts. A maioria dos podcasts dura por volta de uma hora mesmo. O Mamilos, que é nacional e muito bom também, tem episódios muito longos. Eu acho que é do formato produzir coisas longas, mas a gente se incomoda um pouco com isso e sempre tenta falar o mínimo, mas não dá, então a gente falha bastante nisso. No mundo ideal, a gente faria episódios de 40 minutos mas isso é complicado, porque a gente tem alguns quadros, então às vezes a gente acaba se perdendo no tempo. Sobre os assuntos, no começo deste ano a gente se juntou e fez uma lista de todos os temas que a gente queria falar. Algumas coisas mudaram, teve tema que a gente não falou porque achamos que passou o tempo, e outros temas que não estavam programados surgiram. Antes de começar a segunda temporada nós programamos todos os temas, quais iriam ser os quadros, o uso do medium, esse tipo de coisa. A gente já sabe então quando qual vai ser o tema de cada episódio, e na gravaçao anterior a gente define a data de gravação do próximo. Nas duas semanas que os separam, fazemos uma curadoria de conteúdo, mas como todo mundo tem vida e trabalhos, não é toda semana que a gente consegue fazer isso, não é em todo episódio que a gente consegue ter um volume de leitura suficiente, mas a gente sempre tenta. A pegada do nosso podcast é ter menos referências de textos e mais nossa opinião, nosso sentimento em relação àquelas produções culturais, mas eventualmente temos alguns temas nos quais trazemos dados, como o episódio de violência contra a mulher, o de LGBTs, o de negros na cultura pop. Nos episódios em que gente fala muito sobre representatividades específicas, tentamos trazer dados e curadorias especiais. Enfim, fazemos uma pauta, decidimos quais serão os principais pontos abordados, produções culturais, o que vai ter nos nossos quadros, que são as “rapidinhas da semana” e o “não está sendo fácil” da quinzena. Isso é um roteiro, então não é uma coisa que é seguida a risca. Depois de cada episódio, divulgamos no medium uma curadoria de textos de referência que a gente usa e as fontes das notícias que lemos.

Hoje, todas vocês têm outros trabalhos além do Pop Don’t Preach (Nana, por exemplo, escreve para o Estadão e Huffington Post Brasil). Você teriam interesse em trabalhar 100% no podcast?

Eu adoraria trabalhar 100% com o podcast, mas não é nem a proposta dele. Se desse para trabalhar só com isso, poxa, quem não quer? Eu me reúno com duas amigas queridíssimas para conversar sobre feminismo e cultura pop, então adoraria que fosse essa minha atividade profissional, mas a pegada inicial do podcast nunca foi essa. Ele sempre foi um projeto paralelo em nossas vidas, sempre foi uma coisa que a gente toca porque a gente gosta, por amor mesmo, e não por interesse profissional. A gente tem outros trabalhos além do Pop Don’t Preach, então, às vezes a gente não consegue gravar a cada 15 dias, às vezes o medium demora para sair, a gente não consegue postar tanto nas redes sociais porque a gente tem algumas várias dificuldades com artes…

Você acha que seria possível trabalhar apenas com podcast no Brasil?

Eu não conheço. O Um Milkshake Chamado Wanda é do Papel Pop, que é uma coisa maior do que isso. O Mamilos até é um podcast, mas ele faz parte também de uma coisa maior, ele tem uma estrutura da B9, que é maior. As pessoas que o fazem não fazem só o podcast, elas têm uma estrutura, que é a B9. Então, eu não sei se isso é possível. O que eu sinto, nesses dois anos fazendo podcast, é que a aceitação [de podcasts] cresceu muito. Hoje eu vejo muito mais gente ouvindo podcast, fazendo parte desse mundo e tendo mais referências. Eu acho que cresceu, a adesão aumentou, e que tem muito potencial para aumentar ainda mais, mas acho que há mais dificuldade no Brasil do que em outros países justamente porque aqui não temos tanto essa cultura de podcast. Eu começo a ver isso florescendo agora, mas não sei se dá para viver só de podcast ainda. Com certeza alguém ainda vai descobrir como fazer isso, mas não será o Pop Don’t Preach, simplesmente porque a gente teria que parar todo o resto que a gente faz para fazer isso. Eu acho que ele [o podcast] está crescendo, mas o formato de podcast é isso, ele não é um formato muito popular mesmo. Acho que nem fora, nem dentro do Brasil. Mas no país é menos popular ainda, porque podcast é uma coisa muito longa, é uma coisa que dura, que você tem que dedicar muito tempo da sua vida para ouvir o que outras pessoas estão dizendo. É muito diferente de um video de 3 minutos no YouTube, que pode passar uma mensagem super poderosa, que tem um apelo visual para te segurar ali. Um podcast tem duraçao de um filme. Ele pode ser só áudio, mas requer muita atenção.Não é todo mundo que ouve até o fim, então é complicado mesmo.

Nos episódios, vocês frequentemente tratam de assuntos mais leves da cultura pop (como séries e novelas), mas sempre abordam questões de representatividade e feminismo dentro desses temas. Como vocês escolhem as pautas e definem a abordagem? É algo roteirizado ou mais orgânico?

É um misto dos dois. Está ficando mais roteirizado, como uma estratégia para controlar o tempo, mas a gente não quer perder de jeito nenhum o tom orgânico da coisa, porque é isso que faz sentido para nós. Nossos episodios mais robotizados foram os mais chatos, e quanto mais orgânico acaba rolando, melhor, mais engraçado. Para definir a pauta fazemos uma reunião no começo do ano, mas a ordem dos assuntos vamos sentindo ao longo da temporada. Por exemplo, fizemos dois episódios LGBT depois do massacre na boate Pulse, nos EUA, porque sentimos que era a hora de falar de representaçao LGBT. Na primeira temporada falamos sobre  negros na cultura pop, depois da briga da Nicki Minaj com a Taylor Swift. A gente sempre tenta pegar um gancho atual. Tem algumas coisas que a gente sente que precisam de gancho, e por isso não falou ainda, porque eu acho que isso influencia na abordagem também. Se a gente está falando sobre LGBT depois do massacre da boate Pulse, a razão de ser desse episodio é entender que como a cultura pop representa ou não os LGBTs influencia e faz acontecer um massacre desses ao longo do tempo, que isso faz parte da construção do massacre da boate Pulse, que aquilo não vem do dia pra noite, tem a ver também com a representação na mídia e é por isso que a gente tá falando disso, é por isso que a gente vai problematizar.

Há diferença entre falar sobre feminismo no Pop Don’t Preach e em outras mídias, como no blog do Estadão?

Muitíssima! Eu acho que os ouvintes do Pop Don’t Preach já estão muito mais sensibilizados para o tema. No Estadão eu escrevo para o público em geral, então eu tenho que ser o mais didática possível. No podcast é um publico que já é o contrario, já é absolutamente sensibilizado para o tema, porque senão não teria interesse de ouvir uma coisa de cultura pop, que fala majoritariamente de cultura que não é brasileira, e feminismo. Você tem que ter algum interesse minimo ou em cultura pop ou em feminismo para ouvir o nosso podcast, mas a gente acha que ele é mais para quem tem interesse em cultura pop e a gente vem trazer essa visão feminista das coisas. Outa diferença é a linguagem. No Estadão, escrevo textos, então é mais sério, mais sisudo. Eu estou no Estadão, eu não estou fazendo piada. No Pop Don’t Preach é o contrario, a gente fala através do humor, a gente faz a piada, a gente xinga usando piada. Há linguagens e linguagens, há lugares e lugares. Se eu falasse no meu blog do Estadão do jeito que eu falo no podcast eu não seria levada a sério porque quem está ali não está esperando uma linguagem cheia de memes. Portanto, a diferença é muito grande. Um é um formato muito mais tradicional, é um texto no Estadão, embora seja um blog, e o outro é um podcast independente que a gente faz e está penando nas plataformas. No Pop Don’t Preach a gente chama o nosso público de miga, a gente pode falar varias coisas em inglês, partimos do princípio de que o nosso publico é sensibilizado com questões LGBT, com feminismo, que o nosso publico não é preconceituoso. No podcast a gente fala para dentro da bolha da internet, mas que também é importante. Eu acho que o nosso público é alguém que consome cultura pop e nós trazemos uma visão importante, problematizando como é a representação das mulheres e de outras minorias dentro dessa cultura que eles já consomem, para ter um consumo mais consciente.

Nos episódios, vocês costumam trazer algum convidado para falar sobre o tema discutido com vocês. Se você pudesse convidar qualquer pessoa ou personagem do universo pop, quem você convidaria e qual seria a pauta?

Eu acho que a resposta unânime desse podcast seria Beyoncé. Quem ouve o nosso podcast só éouve de Beyoncé. Nós conversamos bastante com Beyoncé, porque eu acho que ela é a rainha, musa suprema deste podcast mesmo, inspiração. É um ponto em comum que as três gostam, e são poucos temas que as três amam assim. Mas a gente nem sabe se ela é uma pessoa ou se é Deus. A gente a chama de deusa, né, Beysus, Jesus versão Beyoncé. Particularmente, se eu pudesse chamar qualquer pessoa do universo, para mim, Emma Watson vem em primeiro lugar, porque eu a amo. Ela é a Hermione, é minha personagem preferida da história da literatura e ver a Hermione na telona foi sempre muito legal. Ela virou a feminista que ela é hoje, e que eu admiro demais. Admiro porque ela é uma das atrizes mais famosas do mundo e que usa muito a fama e a imagem que ela tem para coisas boas, coisas do bem, especialmente para o feminismo e igualdade de gênero, para promover os direitos das mulheres, especialmente desde que ela foi nomeada embaixadora da ONU Mulheres. Eu admiro muito como ela está disposta a aprender, como ela está a cada dia mais consciente a respeito da indústria em que ela está e de como isso é com as mulheres. Você percebe que ela tem um brilho no olho quando ela está falando de feminismo, que ela tem orgulho das coisas que encabeça. Eu adoraria entrevistá-la, porque ela está dentro da indústria, para saber a visão dela. Ela consome muita cultura pop também, tem muita referência.

Por Mariana Rudzinski
marianarudzinski71@gmail.com

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