Jornalismo Júnior

logo da Jornalismo Júnior
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Preconceito, Representatividade e Cultura Asiática

Whitewashing, um termo muito utilizado atualmente relacionado a cultura e representatividade, é definido como a escalação de atores brancos em papéis de personagens pertencentes a outras etnias, ou a colocação da personagem branca como protagonista, mesmo em histórias que se passam em cenários onde predominam outras culturas e etnias. Pode ser definido, também, como o …

Preconceito, Representatividade e Cultura Asiática Leia mais »

Whitewashing, um termo muito utilizado atualmente relacionado a cultura e representatividade, é definido como a escalação de atores brancos em papéis de personagens pertencentes a outras etnias, ou a colocação da personagem branca como protagonista, mesmo em histórias que se passam em cenários onde predominam outras culturas e etnias. Pode ser definido, também, como o “esbranquiçamento”, quando as características étnicas são apagadas para que figuras sejam interpretadas por atores brancos, ou quando estereótipos aplicados a personagens não-brancas em filmes, séries de TV, livros, ou em qualquer plataforma cultural são reforçados.

Essa questão recebeu maior atenção após esforços do movimento negro que evidenciou o esbranquiçamento da mídia na campanha #OscarsSoWhite, que criticou a falta de produções de artistas negros entre as indicações ao prêmio. No entanto, o whitewashing atinge minorias étnicas além da população negra, entre elas, a asiática.

Nos Estados Unidos, onde a produção cultural tem, ainda, influência imensurável ao redor do mundo, a imigração asiática é relativamente recente, o que é tido como motivo, até certo ponto, para a falta de atores e atrizes dessa etnia em Hollywood nos anos 50 e 60, mas não justifica sua representação caricata e preconceituosa.

Um exemplo marcante disso é o personagem Sr. Yunioshi, no popular Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, 1961). O senhorio da personagem de Audrey Hepburn é vivido pelo ator branco Mickey Rooney, em uma desconfortante yellowface (termo que define o uso de maquiagem ou próteses em pessoas não-asiáticas para simular traços de etnias asiáticas). Além disso, o ator simula tropeçar pelo cenário, como se não enxergasse direito, e pronuncia palavras com erros propositadamente cômicos, utilizando-se de um humor extremamente debochado e até racista.

O personagem Sr. Yunioshi, interpretado por Mickey Rooney em Bonequinha de Luxo. Imagem: Reprodução

Atualmente, entretanto, mesmo com um aumento da onda migratória de países asiáticos para os Estados Unidos, ainda é possível identificar casos de whitewashing em produções cinematográficas e televisivas.

Recentemente, dois casos receberam bastante atenção: um deles é o filme A Vigilante do Amanhã (Ghost in the Shell, 2017), baseado no mangá O Fantasma do Futuro, no qual Scarlett Johansson vive Motoko Kusanagi, que, para que fosse adaptada à atriz caucasiana, ganhou o nome Mira Killian. Johansson, produtores e o diretor do longa receberam diversas críticas pela escalação da atriz. Embora o filme seja baseado em uma produção japonesa, atores de mesma ascendência são secundários aos atores brancos, que ganham o papel principal – como se este não pudesse ser exercido por mais ninguém.

O segundo trata-se do trailer da adaptação Netflix do mangá japonês Death Note, que estreia em 25 de agosto. A história retrata um livro e uma maldição: quando o nome de alguém é escrito no livro, essa pessoa morre. O protagonista, Light Yagami, teve seu nome distorcido (Light Turner) para ser interpretado por Nat Wolff, norte-americano, loiro. No trailer em questão, não foram identificados atores de origem asiática e, além disso, a história não se passará em Tóquio, como no mangá, mas em Seattle.

No Brasil, por mais que a imigração asiática tenha ocorrido há mais tempo, as marcas da desigualdade permanecem profundas e explícitas. Não totalmente integrados na sociedade brasileira, a comunidade asiática é colocada, ainda, em posição de estrangeira, vítima constante de piadas e estereótipos.

Recentemente, isso foi visto com clareza na novela Sol Nascente, da Rede Globo. Na trama, duas famílias de imigrantes tornaram-se muito próximas ao longo do tempo devido ao laço de amizade entre os patriarcas de cada uma, um italiano, interpretado por Francisco Cuoco, de descendência real italiana, e um japonês, interpretado por Luís Melo, brasileiro, sem descendência japonesa alguma. Além disso, a novela teve, como protagonista, Alice, uma das filhas da família japonesa, interpretada por Giovanna Antonelli, também brasileira. A emissora, ao ser contestada pelas escolhas de elenco, alegou que a personagem de Melo tinha também ascendência norte-americana, e que a de Antonelli era adotada. Disse, ainda, que havia grande dificuldade em encontrar bons atores japoneses, reforçando a aparente concepção da mídia de que asiáticos, por alguma razão, têm habilidades artísticas inferiores.

Luís Melo e Giovanna Antonelli em cena da novela Sol Nascente. Imagem: Reprodução

Este caso serviu para expor ao público geral a falta ou a má representação asiática nas mídias, embora esse grupo seja uma parte expressiva da população. Na época, artistas e jovens reuniram-se na campanha #BoicoteAmarelo para expor e debater o problema. 

De volta aos EUA, além dos casos já citados, verificamos a falta de representatividade em outros meios culturais, como na literatura e nas séries de TV.

Em The Big Bang Theory, um programa sobre nerds, Kunal Nayyar vive Rajesh, um personagem de ascendência indiana constantemente utilizado para compor o humor da série – como se Raj não pudesse ser reconhecido por nada além de sua origem e dos padrões a ela inferidos.

No livro Eleanor & Park, apesar de compartilhar o título, Park é apresentado como secundário em relação à personagem Eleanor, com quem constrói uma relação romântica. Park é um personagem que representa a típica imagem que grande parte dos estadunidenses caucasianos, como a autora Rainbow Rowell, tem de jovens asiáticos: é introspectivo, muito inteligente, pratica taekwondo e é completamente submisso a sua namorada Eleanor. A autora não parece importar-se o bastante para ao menos conceder a Park um nome, seja estadunidense ou coreano, contentando-se em nomeá-lo com um sobrenome

Na série de livros de sucesso global, da britânica J. K. Rolling, Harry Potter, a personagem Cho Chang apresenta, também, sinais de whitewashing. É fortemente estereotipada: é uma menina boa, doce e muito inteligente (obviamente, pertencente à casa Corvinal, onde estão os melhores alunos de Hogwarts); e é, além disso, deixada de lado, assim como sua origem: seu nome é, na verdade, de origem coreana, e é uma personagem secundária, sem complexidades que envolvem sua participação no enredo.

Apesar disso, existem, sim, exemplos bons de uma representatividade asiática que vem crescendo e ganhando espaço. “Sense8”, uma produção Netflix, foi muito bem criticada por retratar minorias diversas. Com duas personagens asiáticas entre as oito principais — Kala, de Mumbai, e Sun, de Seul —,  a série surpreende pela trama, que envolve pessoas mentalmente conectadas, e pelo fato de que essas duas personagens quebram padrões preconceituosos: Kala trabalha em uma grande empresa farmacêutica e, ao mesmo tempo, mantém muito de sua cultura sem que haja submissão feminina de qualquer forma, e Sun trabalha na empresa de seu pai em um cargo alto, é lutadora, corajosa e uma mulher forte.

Cenas das personagens Kala, interpretada por Tina Desai, e Sun, por Doona Bae, na série Sense8. Imagem: Reprodução

Comparando-se as produções mais antigas com as atuais, é possível perceber que houve um avanço quanto à representatividade da população asiática, mas muito pequeno. A importância de produções que de fato mostrem as originalidades sem padronização é irrefutável e também necessária para que haja uma integração mais eficiente, uma convivência mais harmônica e uma comunicação realista entre pessoas de etnias variadas.

Essa não é uma questão apenas de “preencher cotas” de diversidade nas produções midiáticas. É sobre tornar o universo ficcional tão heterogêneo quanto é o real. Tanto em São Paulo quanto em Hollywood, os rostos que vemos não são apenas brancos, e não há por que ser diferente no meio cultural. E, por fim, é sobre fazer com que cada espectador veja a si mesmo: tanto sua personalidade quanto seus traços, sua cultura, sua singularidade – e nós também os vejamos e entendamos que todos merecem compartilhar os mesmos espaços.

Por Júlia Mancilha e Juliana Santos 
juliabman@gmail.com e jusantosgoncalves@gmail.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima