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Pureza – Grande, bem construído e problemático

Junte segredos, vida contemporânea, internet, passados conturbados e família. É à partir destes elementos que Jonathan Franzen, considerado um dos maiores romancistas de nosso tempo, escreve, em 615 páginas, Pureza (Companhia das Letras, 2016) e faz dele um livro denso e extremamente rico em suas cenas e diálogos, repleto de coincidências e vidas paralelas que …

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Junte segredos, vida contemporânea, internet, passados conturbados e família. É à partir destes elementos que Jonathan Franzen, considerado um dos maiores romancistas de nosso tempo, escreve, em 615 páginas, Pureza (Companhia das Letras, 2016) e faz dele um livro denso e extremamente rico em suas cenas e diálogos, repleto de coincidências e vidas paralelas que se cruzam com inteligência, nos fazendo indagar: até onde iríamos para proteger um segredo? E até que ponto iríamos para descobrir um?

Deslocando a narrativa em tempo e espaço sem muita precisão, indo e voltando em períodos históricos vários e continentes diversos, Pureza nos apresenta, no cerne do romance, as vidas problemáticas e profundas de seus três personagens principais, Pip Tyler, Andreas Wolf e Tom Aberant.

Purity Tyler, apelidada Pip, é uma garota recém-graduada, endividada com empréstimos estudantis, e que, vivendo com anarquistas em uma casa compartilhada na Califórnia, tenta equilibrar uma péssima vida amorosa, um trabalho horroroso, uma relação de intensa proximidade com a mãe excêntrica e neurótica e uma busca pela identidade do pai. Andreas Wolf, nascido na Alemanha Oriental em pleno regime comunista, teve uma juventude privilegiada e, com a queda do muro de Berlim, se tornou um dissidente político que alcançou a fama como vazador de informações, montando, nas montanhas da Bolívia, o projeto Luz do Sol. Tom, por fim, é um jornalista reconhecido, dono e editor de uma revista online sem fins lucrativos de jornalismo investigativo, a Denver Independent.

Dividido em sete longas partes, Franzen apresenta, logo no início, a primeira de uma série de personagens difíceis de se gostar: uma Pip irritante, afogada em autopiedade, que conhece, na casa onde mora, Annagret, moça que divide uma história com Andreas e convida Pip para participar de um estágio remunerado no Projeto Luz do Sol. À partir de então, cada parte vai se focar em um personagem e vai explorar os passados obscuros e as intersecções nas vidas retratadas, usando para isso alguns plot twists, e passando pela juventude de Andreas na República Democrática Alemã, pela experiência de Pip na Bolívia, pela investigação do sumiço de uma ogiva nuclear no Texas e pelo drama conjugal que marcou o passado de Tom, entre outros acontecimentos.

Um revés, porém, é o modo esteriotipado como Franzen retrata as mulheres do livro. Eu poderia fazer uma descrição, mas creio que a resenha do jornal britânico The Guardian falará melhor: “mães loucas, mulheres de meia idade atormentadas sobre ter ou não ter filhos, namoradas ou esposas que preferem infinitamente discutir seus sentimentos e o estado de seus relacionamentos do que transar”, é isso o que aparece nas páginas de Pureza. É irritante, frustrante e tedioso. Além disso, mais de uma vez, a culpa por situações errôneas nas vidas dos personagens masculinos recaí sobre ou está atada de alguma maneira às mulheres de suas vidas, sejam elas mães, namoradas ou esposas. Por fim, cabe ainda levantar alguns casos de mansplaining – Franzen tende a querer explicar o feminismo e a caracterizar feministas do alto de seu privilégio de homem branco de classe média.

É impossível negar que Jonathan é um escritor incrível. As cenas de Pureza são extremamente bem construídas, inteligentes e intensas, e nelas pipocam bons diálogos. Ele sabe explorar muito bem o jeito que as pessoas pensam, construindo personagens profundos, complicados e com vários lados, e o modo como faz as histórias aparentemente distantes de cada personagem se encontrarem e se entrelaçarem aos poucos expressa uma história com momentos de suspense – sem ser um livro do gênero. Porém, o problema da representação feminina e dos casos de mansplaining me incomodaram.

Não posso dizer se este é o caso apenas de Pureza, ou se seus outros quatro livros anteriores (dois deles – “As Correções” e “Liberdade” – muito aclamados pela crítica) trazem essas características anteriormente mencionadas. O ponto é: o livro tem, realmente, uma história muito interessante, mas suas nuances problemáticas me fazem não gostar dele tanto quanto eu poderia, se eu considerasse apenas a escrita de Franzen e os personagens que ele criou.

Por Victória Martins
victoria.rmartins19@gmail.com

 

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