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Resenha: “Dias de Despedida” – Jeff Zentner

“Um professor de ciências uma vez perguntou para a gente: ‘o que pesa mais, um quilo de penas ou um quilo de chumbo?’. Todo mundo respondeu chumbo. Mas algumas dezenas de quilos de melhor amigo em um caixão não pesam o mesmo que algumas dezenas de quilos de chumbo ou de penas. Pesam muito mais”. …

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“Um professor de ciências uma vez perguntou para a gente: ‘o que pesa mais, um quilo de penas ou um quilo de chumbo?’. Todo mundo respondeu chumbo. Mas algumas dezenas de quilos de melhor amigo em um caixão não pesam o mesmo que algumas dezenas de quilos de chumbo ou de penas. Pesam muito mais”.

Culpa. Perda. Luto. Dor. Pânico. Essas são as sensações que Carver Briggs tem que lidar logo no início do seu último ano escolar. Após perder seus três melhores amigos em um acidente de carro, o jovem é obrigado a enfrentar uma série de desafios: o juiz Edwards, pai de seu amigo Mars, quer processá-lo por ter mandado uma mensagem para o filho, que estava dirigindo; a irmã gêmea de seu amigo Eli quer destruí-lo e, em meio a tudo isso, Carver precisa lidar com o fato de que a sua querida Trupe do Molho agora tem apenas um de seus quatro membros.

Em Dias de Despedida (Seguinte, 2018), Jeff Zentner cria uma narrativa poderosa. Falando sobre temas que geralmente não permeiam a literatura jovem adulto, o autor é corajoso o suficiente para criar uma história que começa com a morte de três jovens. Em seu bate-papo na FLIPOP 2018, o escritor disse que teme muito a perda de seus entes queridos e por isso, precisa escrever para combater esse sentimento. “Quando eu tenho medo de algo, eu tenho que confrontar diretamente”, diz.

Esse confronto é feito de forma muito sensível e responsável. O autor escreve em tom envolvente, que nos transporta para aquele microuniverso de Nashville (EUA), no qual os quatros amigos tinham habilidades artísticas e estudavam na Academia de Artes, escola fictícia prestigiada e concorrida. Através do contato com essa atmosfera, conseguimos sentir a dor de Carver, que se culpa pela morte dos amigos. Em uma de suas reflexões, ele diz: “A cruel ironia para mim, como escritor, é a seguinte: eu escrevi a morte deles. Cadê vocês? Me respondam.

Isso leva o leitor a um aprofundamento mais crítico sobre um tema muito em voga atualmente: o infame “text and drive” (mandar mensagens e dirigir, simultaneamente). Esse ato descuidado é cada vez mais comum, uma vez que as pessoas, principalmente os jovens, parecem não ser capazes de se desligar do mundo online – mesmo que isso signifique arriscar a própria vida. O próprio Carver reflete sobre isso: “Mandar mensagem para os meus amigos. O equivalente humano a uma mosca esfregar as patas traseiras. É apenas algo que fazemos. Sem a intenção de matar seus três melhores amigos”. Novamente, Jeff acerta em trazer temas relevantes para a literatura jovem adulto, dosando com maestria a abordagem – o remetente da mensagem não é um assassino, assim como o destinatário não é um inconsequente.

Apesar do desespero, do luto e da saudade, o protagonista se permite momentos de felicidade e piadas, principalmente com sua irmã Georgia e sua melhor amiga Jesmyn Holder, ex-namorada de Eli. Sua relação fraternal é um dos aspectos mais marcantes do livro, como explicou Jeff: “Ela está sempre lá por ele”. O escritor ainda comenta que sempre quis ter uma irmã mais velha – “escrevo relacionamentos que eu quero ter na minha vida”.

Quanto à Jesmyn, Carver se vê em um conflito. Como se aproximar da menina que deveria estar com seu melhor amigo, sem parecer um oportunista? Ainda mais quando a irmã gêmea desse amigo faz questão de apontar para todos na escola que você é um aproveitador e culpado pela morte dos outros três membros da Trupe do Molho. A amizade com a musicista se constrói lentamente ao longo da trama, começando por um fato em comum: os dois estão lidando com a perda. Somado a isso, o fato de Jesmyn ser nova na escola e Carver ter que adentrar o temido último ano sem seus companheiros fiéis.

Os dias de despedidas, que dão título ao livro, são o clímax – dividido em três – da narrativa. Em cada um deles, o comportamento dos parentes é diferente, resultando em sensações igualmente distintas no jovem Briggs. Vovó Betsy e suas lembranças ternas do neto Blake, os pais de Eli e sua dificuldade em demonstrar sentimentos e o severo juiz Edwards e seu ressentimento. Este último dia de despedida, por sua vez, constitui uma das cenas mais fortes de todo o livro, pois vemos um pai rígido e exigente confrontando o fato de que, talvez, ele não conhecesse o filho – agora falecido – tão bem assim.

Outro aspecto relevante em “Dias de Despedida” são as sessões com o psiquiatra Dr. Mendez, motivadas pelos ataques de pânico do protagonista. O autor disse que ele mesmo tem problemas com TOC e depressão e, por isso, “temos que falar sobre saúde mental”. Durante os encontros com Mendez, Carver fala sobre culpa, principalmente. “Queria voltar a viver sem esse peso”.

Por se tratar de um livro sobre morte de jovens, os assuntos fé e religião são abordados, sob diferentes aspectos. Vovó Betsy, com sua fé inabalável, os pais de Eli e seu ateísmo, até Carver e sua dúvida em relação à existência de um Deus e um paraíso. Zenter comenta que é importante tratar de tais temas com honestidade, visto que “os jovens percebem desonestidade imediatamente”.

Em suma, pode-se dizer que “Dias de Despedida” é um livro importante. Sua construção se dá de forma que o leitor percebe o desenvolvimento de Carver, ao mesmo tempo em que sente a dor de todos aqueles que sofreram com uma perda tão inesperada. Jeff Zentner diz que, ao escrever esse livro, chorou durante as cenas emocionantes (que não são poucas). Afinal, “você tem que sentir o que está escrevendo”.

Por Maria Eduarda Nogueira
mariaeduardanogueira@usp.br

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