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Vozes de Tchernóbil: A História quando não há vencedores

“Hoje cada bielorrusso é uma espécie de ‘caixa-preta’ viva, a registrar as informações para o futuro. Para todos. “Me encontrei com ex-trabalhadores da central, cientistas, médicos, soldados, evacuados, residentes ilegais em zonas proibidas, e conversei com eles. Com aqueles para quem Chernobil representa o conteúdo fundamental do mundo, cujo interior e entorno, e não só …

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“Hoje cada bielorrusso é uma espécie de ‘caixa-preta’ viva, a registrar as informações para o futuro. Para todos.

“Me encontrei com ex-trabalhadores da central, cientistas, médicos, soldados, evacuados, residentes ilegais em zonas proibidas, e conversei com eles. Com aqueles para quem Chernobil representa o conteúdo fundamental do mundo, cujo interior e entorno, e não só a terra e a água, Chernobil envenenou. Essas pessoas conversavam, buscavam respostas. Nós pensávamos juntos. Eles frequentemente tinham pressa, temiam não chegar ao fim, eu ainda não sabia que o preço do testemunho deles era a vida.” – Svetlana Alexievich, Vozes de Tchernóbil (Entrevista da autora consigo mesma sobre a História omitida e por que Tchernóbil desafia nossa visão de mundo).

Ouve-se frequentemente que “a história é escrita pelos vencedores” – é uma espécie de conhecimento popular que traduz verdades profundas sobre a historiografia. No entanto, esse ditado só faz sentido a partir da nossa percepção da História humana como uma História de conflitos. É uma perspectiva perfeitamente válida, mas abre espaço para o questionamento: O que acontece com uma situação como o desastre nuclear de Chernobil? Quando a tragédia acomete; quando o acaso e o acidente e a falha humana confluem? Quando não há vencedores?

Svetlana Aleksiévitch passou quase 20 anos tentando responder a essa pergunta. À época da explosão, perguntavam para ela por que não publicava nada sobre Chernobil – ainda lhe era impossível compreender o que havia acontecido. Chernobil tomou proporções nunca antes vistas, consequências permanentes. “Os radionuclídeos espalhados sobre a nossa terra viverão cinquenta, cem, 200 mil anos. Ou mais. Do ponto de vista da vida humana, são eternos”. Qualquer comentário dispensado com imediatismo parecia inadequado.

O que não quer dizer que tais comentários não foram feitos: De fato, multiplicaram-se as coberturas jornalísticas, e mesmo os livros traçando a história de Chernobil não demoraram a surgir. Contudo, o que se tinha ali era um pouco mais da mesma resposta instintiva, o choque, a busca por explicações e, inevitavelmente, por culpados. Nessa empreitada, muitas das vezes eram escutados apenas as fontes governamentais, ou cientistas. Quando muito, os habitantes da zona de exclusão serviam como ilustração da desgraça que acometeu a região.

Em caminho contrário, Aleksiévitch não via outro lugar para encontrar sentido naquela situação que não com os que a enfrentavam. Por isso, o que surgiu de seu trabalho de quase duas décadas é Vozes de Tchernóbil (Companhia das Letras, 2016), uma produção jornalística por excelência. A obra é dividida em três partes (A Terra dos Mortos, A Coroa da Criação e A Admiração Pela Tristeza) e inúmeros monólogos dos habitantes da zona de exclusão, durante os quais a presença da autora é raramente percebida. Cada seção do livro conta ainda com um Coro: são eles o Coro de soldados, Coro do povo e Coro de crianças. Nesses momentos, percebe-se a abrangência e indiscriminação da pesquisa de Svetlana: aqui, várias vozes se misturam completamente em falas não atribuídas a um indivíduo em específico, mas a um grupo.

Vale ressaltar, todavia, que a maioria das histórias contadas em Vozes não é para os de estômago e coração fracos. Há, sim, beleza e até humor encontrado à face da adversidade. Entretanto, o que predomina é o intenso sofrimento de um povo que viu sua terra e tudo o que possuíam envenenados por algo invisível e incompreensível. Largamente abandonados pelos órgãos públicos, muitos ainda vivem lá sem as informações precisas sobre o que é a radiação que transformou suas vidas e que tomou as vidas de tantos de seus amigos e familiares. São relatos crus, pois são relatos de primeira mão. O mínimo que podemos fazer é ouvi-los.

Por Fredy Alexandrakis
fredy.alexandrakis@gmail.com

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