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2003: O ano de ouro da ginástica no Brasil

Daiane dos Santos, a primeira brasileira campeã mundial de ginástica artística foi pioneira e levou o país para um novo patamar nos anos 2000

Por Giulia Polizeli (giulia.polizeli@usp.br)

Na capital gaúcha, em 10 de fevereiro de 1983, nasceu Daiane Garcia dos Santos, conhecida como Daiane dos Santos. Atleta tardia, foi descoberta pela professora Cleusa de Paula enquanto brincava em um parque aos 11 anos e começou a treinar pela AACETE (Associação dos Amigos do Centro Estadual de Treinamento Esportivo), seguindo depois para o Grêmio Náutico União.

A entrada com atraso no esporte não impediu Daiane de se tornar um dos nomes brasileiros mais importantes na história da ginástica artística. O esporte mudou sua vida, como afirma a própria atleta em entrevista ao Instituto Caldeira, e a permitiu se encontrar, descobrir algo em que era verdadeiramente boa e, neste caso, até chegando a ser a melhor do mundo.

A Ginástica Artística

A ginástica artística, conhecida popularmente como ginástica olímpica, é uma modalidade esportiva de práticas corporais que envolve habilidades motoras, como precisão, força, agilidade, equilíbrio e flexibilidade. Além disso, a sua expressão artística é um grande marco da categoria.

Existem diversas categorias de ginástica artística, que podem ser diferenciadas pelo número de atletas, pelos espaços utilizados na prática ou pelos aparelhos como argolas, cavalo com alças, diferentes tipos barras, trave olímpica e salto. O surgimento dessa modalidade remonta às civilizações antigas, já que foram encontrados registros apontando que a ginástica foi utilizada no treinamento militar grego e para o entretenimento do público de Atenas em diversas ocasiões.

Em 1881, foi criada a Federação Europeia de Ginástica (FEG), atual Federação Internacional de Ginástica (FIG), que consolidou a modalidade esportiva e abriu portas para a entrada da categoria masculina nos Jogos Olímpicos em 1896. Três décadas depois foi reconhecida a prática feminina do esporte e permitida a participação de mulheres nos Jogos.

No Brasil, o esporte começou a ser praticado em clubes de imigrantes vindos da Alemanha no Rio Grande do Sul e se espalhou gradualmente pelo país até a sua popularização. Em 1978, foi criada a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e logo ocorreu a sua filiação à Federação Internacional de Ginástica, permitindo a participação brasileira em competições mundiais como as Olímpiadas, o Campeonato Mundial de Ginástica Artística e a Copa do Mundo.

O Campeonato Mundial de Ginástica é organizado pela FIG e acontece quase todo ano. A competição mundial ocorre desde 1903 e tem 55 nações participantes, sendo a mais premiada a União Soviética com 256 medalhas, com 111 de ouro. No ranking mundial, o Brasil está presente no 17º lugar com 25 medalhas: oito de ouro, nove de prata e oito de bronze.

“Parece estadunidense, mas é brasileira” – Anaheim, 2003

A edição de 2003 do Campeonato Mundial de Ginástica, realizada na cidade de Anaheim, Flórida, ficou marcada como um grande momento para os brasileiros. O Brasil competiu em 13 categorias diferentes — entre masculinas e femininas — e terminou em sexto lugar no ranking final da competição, com apenas uma medalha conquistada, que seria uma das mais importantes na história da ginástica brasileira.

 Daiane dos Santos após conquistar a medalha de ouro no Campeonato Mundial de Ginástica de 2003 [Imagem: Reprodução/Instagram: @daiane_gs_]

A equipe feminina esteve presente em todos os rankings gerais e específicos. Competindo nas categorias de grupo e solo, em diferentes modalidades, as atletas Laís Souza, Ana Paula Rodrigues, Thaís Silva, Daniele Hypólito, Camila Comin e Daiane dos Santos conquistaram a oitava posição na competição em grupo. Além disso, Hypólito e Comin ocuparam posições entre as 30 primeiras ginastas no ranking geral com suas apresentações no solo. O verdadeiro destaque brasileiro do campeonato, no entanto, foi Daiane dos Santos. 

A final da competição de solo ocorreu entre a espanhola Elena Gómez, campeã mundial de 2002, a romena Catalina Ponor, que viria a se tornar campeã olímpica no ano seguinte, e Daiane dos Santos, jovem promessa brasileira de apenas 20 anos.

A performance ao som de um ritmo animado, com a cara do Brasil, teve uma coreografia marcante e acrobacias de alto grau de dificuldade que fizeram com que o público da arena Anaheim aplaudisse a ginasta de pé ao fim da apresentação. “Nunca fiz uma série como essa”, disse Daiane em entrevista após a competição. O choque que acompanhou a atleta em sua primeira vitória foi motivo de comemoração em todo país. 

O mais impressionante no desempenho de Daiane foi a execução com perfeição, pela primeira vez na história, de uma das acrobacias com maior grau de dificuldade a serem realizadas no esporte, o Duplo Twist Carpado, nomeado oficialmente, depois da performance da brasileira, como Dos Santos I.

Daiane dos Santos conquistou suas primeiras medalhas nos Jogos Pan-americano de Winnipeg em 1999 [Imagem: Reprodução/Instagram: @daiane_gs_]

Em entrevista ao Arquibancada, o jornalista esportivo Marcel Merguizo, falou sobre o sucesso essencial de Daiane na época: “Em um momento em que o Brasil precisava de ídolos, surge uma menina que tem tudo para ser uma estrela. (…) Ela vem em um pacote completo, do carisma ao resultado esportivo, do exemplo por ser uma mulher negra ao resultado fantástico, além do título mundial. Aquele 2003 é tão especial que ela cria um movimento novo, algo inimaginável para o brasileiro”.

Após cem anos sem uma conquista desta importância na ginástica nacional, o brilhantismo de Daiane dos Santos e dos atletas brasileiros foi reconhecido na transmissão espanhola de forma marcante. A frase dita pela narradora Paloma Del Rio seguiu a carreira da atleta até os dias atuais: “Parece estadunidense, mas é brasileira”.

O legado

Em 2012, a carreira de Daiane dos Santos como atleta foi encerrada. Após o diagnóstico de lesão no joelho, cirurgia e um longo processo de reabilitação, voltar para o esporte trouxe diversas limitações para a performance de Daiane, e foi nesse momento que a atleta afirma ter entendido que seu tempo como ginasta havia acabado.

Em outubro de 2008, Daiane dos Santos realizou uma cirurgia no joelho direito para alinhar a perna [Imagem: Reprodução/Instagram: @daiane_gs_]

No entanto, sua colaboração na ginástica artística não foi finalizada junto com sua carreira. Empresária formada em Educação Física, a atleta encontrou maneiras de recomeçar fora do esporte e continuar alimentando a sua paixão e ajudar na luta por uma ginástica mais acessível e inclusiva no futuro.

Nascida e criada na periferia de Porto Alegre, teve a vida transformada pela ginástica e conquistou oportunidades únicas, valorizando o potencial de inclusão por meio do esporte. E a atleta estava determinada a encontrar uma forma de oferecer a uma nova geração a possibilidade de uma vida melhor por meio do esporte.

Foi a partir desse sonho que surgiu o projeto Brasileirinhos, que oferece aulas de ginástica para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos em Paraisópolis, uma comunidade localizada na zona sul de São Paulo. Atualmente, a iniciativa atinge mais de 250 crianças.

Além disso, também trabalha como comentarista em transmissões do esporte na TV Globo, chegando até mesmo a trabalhar na cobertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, quando narrou e se emocionou com a primeira medalha de ouro conquistada pela atleta Rebeca Andrade.

 Daiane faz parte do time de comentaristas olímpicos da Rede Globo e acompanha o time brasileiro de ginástica nas competições [Imagem: Reprodução/Instagram: @daiane_gs_]

Seus anos dentro e fora da ginástica artística transformaram Daiane dos Santos em uma inspiração para todas as gerações seguintes de jovens mulheres que sonham em ser ginastas. Sendo a primeira mulher negra a ser medalhista mundial, Daiane traz uma chance de identificação para dentro do esporte e é reconhecida como uma das maiores inspirações de atletas medalhistas, como Rebeca Andrade e Bárbara Domingos .

A Dai, desde quando eu era pequena, até o decorrer do tempo, ia para o CT, conversava com a gente, falava para não desistirmos. A gente consegue entender o poder da representatividade.”

Rebeca Andrade, ao UOL

“Não é incomum ouvir isso das atletas”, Merguizo comenta. “Elas dizem que a Daiane as incentivou, as elogiou, falou com elas. Ter esse ídolo por perto muda a pessoa. É uma referência que está ali do lado, que elas conviveram, têm uma fotinho guardada, têm uma palavra. É aquela que elas levaram para a vida. Eu acho que essa é a maior vitória da Daiane: estar presente na vida das pessoas de verdade.”

Em 2022, foi anunciado que um longa-metragem inspirado na história de vida da atleta será produzido para as telas do cinema. A produção, feita por Maria Farinha Filmes, está nos estágios iniciais e já possui roteiristas definidos.

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