Este filme faz parte da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique aqui.
É no seu táxi verde que Kim (Song Kang-ho) anda pelas ruas congestionadas de Seul. É conversando sozinho em seu carro que conhecemos seu estilo brincalhão, um tanto rabugento e ignorante. Ele é um viúvo e pai de uma garotinha de onze anos, que trabalha como taxista para sustentá-la. Nos últimos meses, tem precisado de dinheiro. No plano de fundo, um cenário caótico: a Coreia do Sul de 1980 acaba de sofrer um golpe militar e a lei marcial é aplicada. Diversas universidades foram fechadas, o governo foi suspenso e o exército ocupou as ruas. Passeatas e manifestações são organizadas pela população na luta pela democracia, mas não demora muito para que o governo comece sua pesada repressão.
Gwangju, uma das cidades do país, foi totalmente isolada. Seu acesso terrestre foi bloqueado pelos militares, as linhas telefônicas foram cortadas e ninguém de fora sabe exatamente o que está acontecendo com os manifestantes – majoritariamente estudantes. Com essas poucas informações e uma suspeita de abuso de poder pelos militares, o repórter alemão Hinzpeter (Thomas Kretschmann) decide entrar na cidade e filmar o que de fato está ocorrendo. E é assim que a vida de Kim e Hinzpeter se cruzam. Kim é contratado para levar o jornalista até Gwangju por uma quantia tentadora, e nem mesmo o perigo o faz abrir mão do seu tanto necessário dinheiro. O repórter pretende filmar as atrocidades na cidade e divulgá-las internacionalmente, já que a mídia não está dando devida atenção às revoltas e propaga informações nem sempre corretas sobre os manifestantes – em outras palavras, os retrata como vândalos e agressivos.
Esse é o plot de O Motorista de Táxi (A Taxi Driver, 2017), filme sul-coreano selecionado pelo seu país para concorrer por uma vaga a melhor filme estrangeiro no Oscar. O longa acompanha a jornada assustadora desses dois homens que não têm nada em comum, mas mesmo assim precisam ajudar um ao outro para sobreviver. O que confere um ar ainda mais tenso e emocionante à obra é saber que ela foi inspirada em uma história real.
O que começa parecendo ser uma comédia vai transformando-se em um grande drama. Os alívios cômicos são bons e dão um suspiro meio a um tema tão pesado, principalmente aqueles provocados pela diferença linguística entre os personagens. Mesmo às vezes as piadas aparecendo um pouco demais no filme e atrapalhando a imersão dramática na história, da metade para o final, o filme consegue atingir seu arco melodramático – e faz isso com destreza. Todos os elementos peculiares de humor ajudam o espectador a simpatizar com esses personagens. Esse é um aspecto muito importante na trama, já que muito do caráter emocional do filme vem da empatia e afeiçoamento com esses indivíduos. O filme revela pouco a pouco detalhes mais íntimos de suas personalidades, suas inseguranças e traumas, e isso ocorre principalmente com Kim – um personagem que no começo parecia certamente meio vazio.
As cenas de embate entre o governo e o povo são incríveis. Muito bem filmadas e dirigidas, meio a músicas cativantes e um visual caótico impregnado com a fumaça das bombas de gás. Conseguem transmitir muito do pavor e coragem dos participantes. O filme vai construindo um clima de tensão até chegar ao seu clímax, uma mistura de horror e emoção. O espectador com certeza ficará chocado com tamanha brutalidade e violência, a qual o filme faz questão de mostrar. E essa explicitude é muito necessária, não só como efeito de narrativa, mas também para alertar o público de um evento histórico que muitos desconhecem. De certa forma, é uma homenagem a todas as vítimas dessa intitulada revolta por alguns, e massacre por outros.
O Motorista de Táxi é um filme profundo. Possui múltiplas camadas e discute diferentes temas. Fala sobre paternidade, amizade, fraternidade. A importância da solidariedade e empatia humana. Como um povo unido é mais forte, e muitas vezes o que nos une é a dor. Critica duramente a autoridade governamental e a imprensa manipuladora dos fatos. Revela a importância do jornalismo nas denúncias de situações impiedosas e atos desumanos. Valoriza a coragem e o respeito. Enfim, é um filme lindo e sensível. Essa história merece ser conhecida e as pessoas envolvidas em tantos atos de sacrifício e coragem definitivamente merecem ser reconhecidas. Definitivamente é um filme a ficar de olho.
Assista ao trailer:
por Giovanna Simonetti
g_simonetti@usp.br