Esse filme faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto.
A Guerra em Donbass, Guerra Civil do Leste da Ucrânia ou mais popularmente conhecida como Guerra na Ucrânia, é um conflito armado iniciado em 2014 e que, para um possível espanto, ainda segue em seu curso destrutivo.
A Terra É Azul Como uma Laranja (The Earth Is Blue as an Orange, 2020) é um documentário metalinguístico sobre a família de Ganna Gladka. Todos os membros de sua família são entusiastas de cinema amador e eles filmam uma produção sobre suas próprias vidas no contexto da guerra.
A ambiciosa ideia de realizar tamanha metalinguagem pode parecer difícil de atingir excelência, mas o filme a faz de um modo bem executado e permite ao espectador, simultaneamente, conectar-se com a família e seus hobbies. Entre instrumentos musicais e equipamentos de filmagem, os momentos de convivência familiar são quebrados por explosões ou militares cruzando a rua. Testemunha-se, assim, a ocorrência de uma espécie de banalização das condições impostas pela guerra, em que ela passa a fazer parte do cotidiano.
![Ganna, vestida de preto, e sua família.](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/02/Ganna-vestida-de-preto-e-sua-familia.-Imagem-Divulgacao-Albatros-Communicos.jpg)
Dirigido e escrito por Iryna Tsilyk, A Terra É Azul Como uma Laranja mostra a luta de uma família em ter sua existência normal garantida em meio a uma zona de guerra. Entre cenários repletos de edifícios abandonados e hábitos provenientes de traumas, como dormir de olhos abertos, eles decidem permanecer. Pois é nessa terra que os parentes de sua família estão. E alguém precisa reconstruir o que sobrar.
É do vazio da guerra que se constrói o longa. É nesse vazio que essas pessoas se apaixonam, vão à escola, tocam saxofone, teclado e ukulele. Que caem dentes de leite, vão à bailes de formatura, tentam ingressar na faculdade, passam por rejeições, conquistas e felicidades. Vivem muito mais do que sobrevivem, mantém o que há de humano em suas vidas. E fazem seu próprio longa.
O cotidiano vira um misto de realidade e filme, numa fantasia que diminui também a seriedade do que é real. Sempre dialogando com a arte de fazer cinema, observa-se a criação de um retrato ficcional da realidade dessa família na guerra como uma forma de intertexto, uma situação extra que ocorre simultânea ao documentário.
![Pessoas filmam uma rua destruída pela guerra na Ucrânia.](http://jornalismojunior.com.br/wp-content/uploads/2021/02/Pessoas-filmam-uma-rua-destruida-pela-guerra-na-Ucrania.-Imagem-Divulgacao-Albatros-Communicos.jpg)
Depois de matar mais de 10 mil pessoas entre 2014 e 2017, sendo deste número um total de 2 mil civis, e deslocar mais de 1,6 milhão de pessoas no mesmo período de tempo, a guerra prevalece. A tensão na região de Donbass permanece e famílias como a de Ganna se mantém nos ambientes abandonados em virtude dos caças e das bombas.
Não é porque se deixou de noticiar que essa guerra acabou. Porém, não é porque ela não acabou que não há espaço para a vida nesse local.
Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação/Albatros Communicos