Em Pedregulhos (கூழாங்கல், 2021), duração do filme e dimensão temporal da narrativa são quase a mesma coisa. Isso porque, no período de pouco mais de uma hora, acompanhamos o percurso de Ganapati, um homem alcoólatra e abusivo, até a aldeia de sua ex-esposa. Ele, inconformado com o abandono da mulher, leva consigo Velu, seu filho pequeno, na esperança de que ela reate o casamento. O que se segue, então, é uma caminhada de vários quilômetros, sob o sol e o calor extremo, entre as aldeias de uma região árida do sul da Índia.
O diretor P.S. Vinothraj nasceu em um vilarejo do estado de Tamil Nadu, próximo ao local das filmagens, e quis que seu primeiro filme retratasse as peculiaridades geográficas da região. Segundo ele, “existem três personagens: o pai, o filho e a paisagem”. E essa é a dinâmica do longa. Pai e filho, distantes física e emocionalmente, caminham numa estrada de terra enquanto o ambiente árido parece observá-los.
Apesar de não se referir diretamente ao termo, é possível dizer que P.S. Vinothraj constrói em Pedregulhos uma narrativa determinista, pois Ganapati só age como age devido à pobreza, à seca e à falta de oportunidades. Durante o trajeto, pai e filho cruzam seu caminho com outros indivíduos igualmente miseráveis, entre eles uma família que caça ratos para comer. Velu brinca com balões e brinquedos quebrados e Ganapati só se importa em gastar com bebida e cigarro.
Em um cenário como esse, a pobreza é multifatorial e atinge inclusive as relações de poder. A esposa, Shanti, não aparece, mas sabemos por seus familiares que o casamento foi arranjado e que sua mãe se arrepende da escolha que fez ao mesmo tempo em que demonstra vergonha pelas brigas que acontecem na família. Shanti só é vítima perante a lente do diretor, pois, no seio da família e da sociedade, a gravidade das agressões que sofreu é constantemente questionada.
E, no meio disso tudo, ainda há uma criança que, embora tenha pouca idade, entende tudo o que acontece à sua volta. Entende a ponto de desprezar e sabotar o pai. Entende a ponto de não ficar um momento sequer ao seu lado, e a câmera de Vinothraj é genial ao capturar esses movimentos esquivos. No plano estão pai e filho, numa estrada reta e, enquanto Ganapati vai à frente, Velu, como se certificasse de que é uma distância segura, anda alguns metros atrás. Eles só se encostam quando Ganapati puxa o filho para dar-lhe tapas e puxões de cabelo. Velu não chora e, na inocência de menino, usa uma pedra que encontrou no caminho para escrever o nome dos integrantes da família no chão — ele, assim como qualquer criança, sonha em ter uma família feliz.
Ganapati é o protagonista, uma vez que a câmera sempre o acompanha, ainda que o menino não esteja na mesma cena, mas a inocência das crianças — Velu, sua irmãzinha bebê e a menina que caça ratos para comer — é o que acrescenta poesia à história. Toda a análise feita até aqui atesta que o filme de estreia de Vinothraj não à toa recebeu o prêmio máximo do Festival de Roterdã deste ano. O diretor afirmou em entrevista ao portal India Today que a intenção era dirigir um filme simples e que não esperava que seu trabalho agradasse tanto à crítica. Pedregulhos é, de fato, simples, o que não o impede de ser uma das mais expressivas obras cinematográficas do cinema indiano dos últimos anos.
Esse filme faz parte da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Para mais resenhas do festival, clique na tag no final do texto. Confira o trailer:
*Imagem da capa: Divulgação/45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo