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50º Festival Sesc Melhores Filmes | Cinesesc coloca cinema brasileiro em destaque com ‘O Sequestro do Voo 375’

Entre momentos frenéticos e discussões sociais, o audiovisual nacional mostra sua competência com poderoso lançamento

Por Leticia Yamakami (leticiayamakami@usp.br)

Em 2024, um dos longas que alcançou o sucesso do público e fez parte da seleção de melhores filmes do cinema de rua Cinesesc foi O Sequestro do Voo 375 (2023). O critério utilizado para a curadoria é a votação por parte dos frequentadores do estabelecimento, esses que, dentre centenas de produções lançadas nesses 365 dias, escolhem as que mais apreciaram. Tendo seu lançamento oficial nas telonas brasileiras em 19 de outubro de 2023, conta com a direção de Marcus Baldini, responsável por outros sucessos como Bruna Surfistinha (2011) e Os Homens São de Marte… E é pra Lá Que Eu Vou! (2014). Também possui performances de Danilo Grangheia (O Roubo da Taça, 2016 e Hebe: A Estrela do Brasil, 2019), Jorge Paz (Marighella, 2019 e O Rio do Desejo, 2022) e outros talentosos nomes no elenco.

A obra baseia-se em um dos casos mais aterrorizantes da aviação brasileira, ocorrido em 1988, durante o governo Sarney. Nessa trama, o passageiro maranhense Raimundo Nonato Alves (Jorge Paz) encurrala toda a tripulação e seus tripulantes com uma arma. Seu objetivo: mudar o destino do voo e jogar o avião em cima do Palácio do Planalto a fim de assassinar o vigente presidente da República.

A tela inicial do filme é clichê: “Baseado em fatos reais” é a frase em destaque, seguida por trechos de telejornais que contextualizam o Brasil dos anos 1980. Esse combo pontua o tom da narrativa ao remontar o cenário político-social daquele período, em que os cidadãos de classes populares passavam por cada vez mais estresses financeiros e situações de desemprego. Dessa forma, o espectador entende qual seria a principal motivação de alguém que quis se rebelar perante essas problemáticas.

Por mais que seja fruto de um acontecimento real, é possível notar o pudor que Lusa Silvestre, Mikael de Albuquerque e Constâncio Viana tiveram ao montar seu roteiro. Adaptar um caso real para uma obra ficcional não é uma tarefa fácil, principalmente quando inclui tamanhas violência e agonia. Mesmo assim, em nenhum momento o longa é de mau tom ou desrespeita as personagens da história. Pelo contrário, ele consegue englobar discussões relevantes de cunho social, como a disparidade de qualidade de vida entre um motorista de caminhão nordestino e um piloto de avião sudestino.

O elenco faz o papel de uma tripulação que não abandonou os seus passageiros e os auxiliou nos momentos de terror. [Imagem: Divulgação/ Star Distribution Brasil]

Além do ótimo fluxo de acontecimentos, — que funciona até o final, prendendo totalmente a atenção do público — a construção das personagens dentro do enredo é um ponto a ser elogiado. Elas recebem apenas a profundidade necessária, o que, nesse caso, são os panoramas em relação à família, ao trabalho e às classes sociais. A dinâmica entre essas também é bem explorada, o que é resultado de uma competente direção de elenco. Nesse prisma, o destaque também vai para o trabalho dos atores escalados, principalmente para Danilo Grangheia e Jorge Paz.

Enquanto Grangheia dá vida ao comandante Murilo, piloto do voo Vasp 375, Paz interpreta Raimundo Nonato Alves, sequestrador do avião. O primeiro recebe créditos ao exprimir diferentes emoções que contagiam quem está assistindo. Ele consegue demonstrar tensão, tristeza e raiva ao mesmo tempo que possui resiliência para raciocinar a fim de tomar as melhores decisões em uma situação tão assustadora. Já o segundo, tem sucesso em transparecer claros nervosismo e inexperiência, ocasionados pela sua frustração contra o sistema, que o faz ter ações impulsivas e mal pensadas.

Um aspecto negativo é a intensa dramatização do longa. Em certas horas, é bonito ver os sentimentos das personagens e sua comoção com o sofrimento de seus colegas de equipe. Porém, em algumas cenas, a romantização das emoções — produzida através de melodias melancólicas e usos de câmera lenta — é muito forte e torna esses momentos forçados. Se a verossimilhança é um preceito do longa, passagens tão melodramáticas são um tiro em seu próprio pé, já que não soam nada naturais.

Ainda assim, os elogios continuam no que tange à trilha sonora, valioso componente que ajuda a formar a ambientação. A presença de uma música da banda Barão Vermelho e a menção aos Titãs são marcantes e reforçam o cenário oitentista com esse uso do repertório cultural da época. Somado a isso, a mixagem e a edição de som, arquitetadas por Miriam Biderman e Ricardo Reis, exibem uma preocupação técnica que contribui para a imersão do espectador na narrativa.

Falando sobre imersão, a característica mais emblemática do filme é a movimentação da câmera, que acompanha o ritmo dos acontecimentos. No clímax da tensão, é evidente o trabalho magistral da montagem e da filmagem, responsáveis por tirar o fôlego do público e fazê-lo ficar inquieto em seu assento. Junto à fotografia sóbria composta por cores neutras, esses recursos passam uma imagem crua do desenrolar da história, contribuindo para a noção de realidade passada.

O comandante Murilo realizou a manobra parafuso com o avião para desequilibrar o sequestrador. [Imagem: Divulgação/ Star Distribution Brasil]

As cenas externas, como as manobras executadas pelo avião, são bem feitas, com excelência na utilização dos efeitos visuais. Nada nesse sentido é feio ou irreal aos olhos humanos, o que é impressionante devido ao orçamento de apenas 15 milhões de reais — o que não é muito em comparação às produções que são referência nesse quesito técnico.

Ao emparelhar admiráveis atributos técnicos junto à respeitável adaptação de um caso cativante, O Sequestro do Voo 375 é uma raridade no audiovisual brasileiro, uma vez que foge dos gêneros mainstream — como as comédias pastelão — que normalmente ganham mais destaque no país. É sempre bem-vindo que eventos cinematográficos como o Cinesesc apostem em preciosidades como essa que certificam a enorme qualidade do cinema nacional.

A mostra de melhores filmes do Cinesesc continuará em exibição até o dia 24 de abril. Para informar-se sobre a programação, acesse seu site. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/ Star Distribution Brasil

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