O Rei do Show (The Greatest Showman, 2017) é um filme que faz jus ao nome. Situado no século XIX, o século da Era Vitoriana inglesa e do desenvolvimento e da expansão da economia norte americana, o longa é uma biografia da vida de Phineas Taylor Barnum, um dos mais importantes nomes do entretenimento do século XIX.
P.T Barnum (Hugh Jackman) — como é mais popularmente conhecido — era um homem de grande imaginação, daqueles que dizemos que viveu muito à frente de sua época. Um showman, o homem que criou o termo show business. A ele são atribuídos muitas criações espetaculares, como um museu de cera e um circo que viria a chamar-se Ringling Bros. and Barnum & Bailey Circus. E é justamente a história desse circo que o filme procura passar.
O ambicioso norte americano passou por severas dificuldades em sua infância. Teve uma infância pobre, e longe de seu grande amor, Charity, com quem casaria-se anos mais tarde. Acostumado ao job hopping, isto é, a nunca ficar muito tempo em um mesmo emprego, teve uma ideia inovadora após ser despedido de seu último emprego: abrir um museu de criaturas empalhadas exóticas. Após baixa adesão inicial, decidiu procurar por pessoas “exóticas”. Pessoas diferentes, que fugiam do padrão socialmente aceito (se considerarmos que estamos falando de século XIX, imagine, leitor, que o padrão era muito mais conservador ainda). Uma mulher barbada, um homem extremamente alto e um anão estavam dentre suas atrações, bem como animais, trapezistas e dançarinos.
P.T Barnum deu um lar a essas pessoas. Deu um espaço onde finalmente podiam sentir-se aceitas, visto que passaram suas vidas inteiras sendo rejeitadas até mesmo por suas próprias famílias. A imaginação e a perseverança do showman o levaram a lugares inimagináveis, mas, acima de tudo e mais importante, levaram o riso às pessoas, levaram felicidade, e ele se orgulhava muito disso. E seu circo começou a realmente fazer sucesso e a ser falado. Sua história de vida pessoal e sua ascensão pelo mérito são muito bem retratadas no filme — lembram o filme Fome de Poder (The Founder, 2016) no quesito biográfico de crescimento econômico e perseverança de seus protagonistas.
Contudo, nem tudo eram flores quando tratava-se do showman. Sua imaginação era de fato louvável, mas isso trouxe-lhe problemas. O filme retrata bem o quanto a imaginação tem que estar presente na vida das pessoas e dar-lhes fagulhas de esperança nos piores momentos, mas também o quanto a sensatez é necessária. Além disso, P.T Barnum ficou “cego pelas luzes”. E uma particularidade de sua história na vida real, que o filme aborda superficialmente, mostra que foi por diversas vezes acusado de fraude, a qual ele mesmo reconhecia — é dele a frase “nasce um trouxa por minuto”. No longa, também diz que as pessoas vão para o seu show “pelo prazer de serem ludibriadas”. Levanta-se uma reflexão de o quanto não nos sentimos confortáveis em termos diversões e prazeres momentâneos, e se há algo de errado nisso.
O sucesso e o dinheiro subiram à sua cabeça, tornando-o muitas vezes egoísta e colocando-o em conflitos com os quais têm que lidar ao longo do filme. É interessante, pois, as diversas dualidades que o filme representa: o egoísmo de um homem ambicioso ao extremo mas que ao mesmo tempo foi capaz de proporcionar amparo a muitos oprimidos e felicidade à população; a necessidade do sonhar mas de também manter o pé no chão, dentre outras.
Não se pode deixar de mencionar que se trata de um musical, e essa característica é marcante e sensacional.. Hugh Jackman tem um histórico com musicais — por exemplo, interpretou Gaston em um musical de A Bela e a Fera, isso sem falar de seu papel como protagonista de Os Miseráveis (Les Misérables, 2012). Outros nomes da música também se fazem presentes, como Zac Efron, que interpreta Phillip Carlyle — sócio de Barnum — e Zendaya, que interpreta Anne Wheeler, trapezista do circo. Mas um dos nomes que merece maior destaque por uma voz impecável e linda é Keala Settle, que interpreta Lettie Lutz, a mulher barbada. Todo o elenco junto apresenta uma sintonia incrível, a qual, associada a coreografias marcantes e performances circenses, bem como jogo de luzes e de câmeras que captam o melhor dessas cenas, fazem com que quem o assista sinta uma grande emoção. Sem mencionar que as letras das músicas envolvem tanto a trajetória pessoal das personagens quanto aquilo que é mais reiterado no filme: a autoafirmação daquelas pessoas que não eram aceitas por serem diferentes e a necessidade da imaginação.
O Rei do Show é, portanto, um filme que emociona de verdade. Ser um musical torna isso ainda mais evidente. Ele discute imaginação e realidade. Discute egoísmo e empatia. Discute aceitação e reprovação (afinal, as pessoas do circo foram humilhadas). É uma produção que envolve quem assiste e propõe que pensemos diferentemente em um mundo mecanicista — e, acredite, por mais que isso possa parecer um enorme clichê, O Rei do Show aborda de maneira única.
Confira o trailer:
por Thais Navarro
thaisnavarro@usp.br