Por Bianca Caballero e Mirella S. Kamimura
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Nascido em 23 de agosto de 1912 na cidade norteamericana de Pittsburgh, Pennsylvania, o pequeno Eugene Curran Kelly não poderia imaginar o tamanho do seu sucesso nos anos futuros. Dançarino, diretor, ator, cantor, produtor e coreógrafo. Gene Kelly foi um verdadeiro showman.
Em 1938, iniciou sua carreira artística na Broadway ao lado de Mary Martin no espetáculo Leave It To Me de Cole Porter, mas seu dom para artes já despertara na infância. Enquanto seus colegas jogavam baseball, Kelly tomava aulas de dança. E ele era tão bom nisso, que passou a dar aulas num estúdio de danças para ajudar a pagar seus estudos. Bem humorado, Gene chegou a declarar que começou a dançar pois sabia que era um ótimo caminho para conhecer garotas e uma das únicas maneiras na qual se podia colocar os braços em suas cinturas.
Ao lado de Fred Astaire, Gene Kelly é um dos grandes nomes dos musicais de Hollywood. Ainda que comparado ao seu colega de profissão treze anos mais velho (fora os boatos falsos sobre desavenças entre si), ele possuía um estilo único. Além de usar passos de sapateados, Gene conseguia dançar independente das roupas que estava usando ou da adequação do cenário e do set de filmagens às suas coreografias. Muitas das comparações entre os dois partiam inclusive do próprio Genne Kelly, o artista já afirmou, por exemplo, que “Fred Astaire representa a aristocracia, eu represento o proletariado”.
Em 1940, Gene despontava na Broadway estrelando o musical Meus Dois Carinhos (Pal Joey) e, coincidentemente, em 1957, seu parceiro e melhor amigo Frank Sinatra protagonizou-o no cinema. No futuro, a dupla de dançarinos ainda atuou junta em outros três títulos: Marujos do Amor (Ancors Aweigh, 1945), A Bela Ditadora (Take Me Out to The Ball Game, 1946) e Um Dia em Nova York (On The Town, 1949).
Após o sucesso de Meus Dois Carinhos em 1940, Gene foi da Broadway para o cinema e estreou seu primeiro filme em 1942, o musical Idílio em Do-Re-Mi (For me and My Gal) com Judy Garland. Sobre o trabalho com a atriz, ele afirmou: “A melhor artista que já tivemos na América foi Judy Garland. Não havia limite para o seu talento. Ela era a pessoa mais rápida, mais brilhante com quem eu já trabalhei”. Kelly atribui a Judy o mérito por tê-lo ajudado a dançar na frente das câmeras de Hollywood. Seu plano inicial era voltar para a Broadway, pois não acreditava que seu trabalho fosse dar certo no cinema, mas o filme foi um sucesso e a partir de então ele começou a fazer outros trabalhos para a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), na época o maior e mais poderoso estúdio em Hollywood.
Já no mundo das telonas, em Marujos do Amor (1945), o ponto alto do longa não foi a parceria Kelly-Sinatra. Nele, Gene fez parceria com o famoso ratinho Jerry, do desenho animado Tom & Jerry. Até então, misturar desenhos animados com personagens humanos, nunca tinha sido realizado. No projeto inicial, a dupla de Gene seria Mickey Mouse, mas a Disney não liberou o camundongo para um filme dos estúdios MGM. Kelly chegou a declarar que Jerry fora um de seus melhores parceiros, pois nunca se atrasava e sabia todos os passos de cór.
Junto com o diretor Vicente Minelli, Kelly continuou no universo do cinema e, em 1951, coreografou para o filme Sinfonia em Paris (An American in Paris, 1951), no qual fez parceria com Leslie Caron (a qual ele descobriu numa apresentação da Companhia de Balé de Champs-Elyseés, em Paris). Por seu brilhante trabalho no filme como coreógrafo e em honra de sua versatilidade como ator, cantor, diretor e dançarino, Gene Kelly recebeu um Oscar honorário.
Em 1952 Gene Kelly participou daquele que seria o maior marco de sua carreira, o musical Cantando na Chuva (Singin’ In The Rain). O filme, que oferece um retrato de Hollywood na época em que o cinema começou a se tornar falado, é considerado pelo American Film Institute (e pelos leitores do Cinéfilos) o melhor musical de todos os tempos. Nele, Gene trabalhou não apenas como ator, mas como diretor, além de ter sido responsável por coreografar muitos dos passos de dança. Para a coreografia da clássica cena em que dança na chuva, o ator afirma ter se inspirado na maneira como as crianças brincam nela. Outras curiosidades sobre a sequência são que Gene teve que passar por cima de uma febre de 38 graus para gravá-la e há boatos de que a água da chuva foi misturada com leite para se tornar mais visível nas telonas.
No longa Kelly teve como parceiros os atores Donald O’Conner e Debbie Reynolds, os quais declararam diversas vezes que o trabalho com ele não era fácil. Debbie Reynolds ainda era uma dançarina destreinada quando a colocaram no filme, de modo que foi necessário muito esforço para fazer um bom trabalho ao lado de dois grandes dançarinos. Ela afirmou que Gene tinha um microfone pelo qual gritava com ela como uma espécie de treinador. O’Conner também admitiu que nas primeiras semanas de gravação tinha medo de que cometesse um erro e o ator gritasse com ele. Ainda assim, Debbie afirma que “nunca haverá outro Gene”.
Algumas cenas do filme e da carreira de Kelly como um todo são até hoje fortes referências. A interpretação de Make’em Laugh, onde Donald O’Connor exibe seu talento excepcional, já foi homenageada por diversos programas da televisão norte-americana. O ator Joseph Gordon-Levitt já a interpretou no programa Saturday Night Live, o seriado Glee também fez uma versão dessa e até o desenho Family Guy a parodiou. Aliás, esse não se cansa de fazer versões das músicas de Gene Kelly, os personagens também interpretaram Good Morning e a cena de Marujos do Amor na qual o ator dança com Jerry. Nesta, o personagem Stewie dança com o Kelly no lugar do ratinho.
Os últimos saltos de uma estrela
A última grande participação de Kelly no cinema foi em 1980 como um dos protagonistas do longa Xanadu (idem) ao lado de Olivia Newton-John. Já mais ligado a outras preocupações, o ator aceitou o papel pois as locações eram próximas à sua casa e assim ele poderia trabalhar sem se afastar de sua família. Gene ainda participou, em 1994, do filme That’s Entertainment! III, documentário realizado pela MGM para comemorar os 70 anos da produtora. Além disso, fez ainda algumas participações especiais, como no programa de TV The Muppets Show, no qual o ator, já com 68 anos, mais cantou do que dançou.
Em 1994 e 1995 o ator sofreu uma série de derrames e, no dia 2 de fevereiro de 1996, morreu em sua casa, em Beverly Hills, Califórnia. Muitos artistas de Hollywood lamentaram sua partida e, tanto em vida quanto após sua morte, não faltaram homenagens à Gene Kelly. Em 1994 recebeu a medalha nacional das artes do presidente Bill Clinton, foi votado a 42ª grande estrela do cinema de todos os tempos, ficou com o 15º lugar entre as 50 lendas do cinema, eleitas pelo Instituto Americano de Cinema e possui uma estrela na calçada da fama, entre muitas outras glórias e reverências. Recentemente, em julho de 2012, o showman recebeu uma homenagem da New York Film Society of Lincoln Center, que exibiu cerca de duas dúzias de suas obras.
Gene foi um artista completo e inovador, com um talento único encantou e encanta até hoje todos que assistem suas inacreditáveis performances. Tanto seu sorriso quanto seus passos são inconfundíveis e com certeza são apenas alguns dos fatores essenciais que o eternizaram na história da música, da dança e do cinema.
“Você dança amor, e você dança alegria, e você dança sonhos. E eu sei que se eu posso te fazer sorrir, saltando por cima de um par de sofás ou atravessando uma tempestade, então eu ficarei muito feliz por ser um homem da música e da dança.”