Repetindo a fórmula acertada presente em Vozes de Tchernóbil (Companhia das Letras, 2016) e em A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (Companhia das Letras, 2016) que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Literatura 2015, Svetlana Aleksiévitch, mais uma vez, coloca o ser humano e suas memórias como elemento central da narrativa. O Fim do Homem Soviético (Companhia das Letras, 2016) se volta para mais um importante episódio da história soviética: a queda da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), em 1991.
O fim do bloco socialista aconteceu de maneira abrupta e a passagem para o capitalismo, sem uma transição adequada, deixou muitos cidadãos espantados com tudo o que estava acontecendo. A sociedade se dividia entre aqueles que acreditavam em um futuro de liberdades e democracia e os que viram a vida como conheciam ser destruída. Svetlana, desde o princípio, se propôs a recolher relatos dessas pessoas com medo de que elas desaparecessem – assim como seus pontos de vista e realidades – e a falta de pressa em publicar o trabalho, que aconteceu somente em 2013, evidencia a maturidade da obra da autora.
O livro é construído através dos relatos que Svetlana coletou entre 1991 e 2012. A jornalista, novamente, dá voz aqueles que nunca foram ouvidos e se coloca como mediadora entre o leitor e entrevistados. A transcrição das conversas que teve predominam no livro, mas ao longo das 594 páginas, há sim algumas intervenções dela. Quando acontecem, elas se mostram bem necessárias – seja para descrever a cena que observa até para situar o leitor em algum ponto histórico.
Erra quem pensa que as principais questões estão relacionadas à política ou economia. Svetlana, como em trabalhos anteriores, está interessada em pontos pouco valorizados pela história, a emoção humana e o cotidiano: amor, ciúme, raiva, infância, juventude, velhice, memórias… Inevitavelmente, socialismo e capitalismo aparecem, mas não são o foco principal do livro.
O Fim do Homem Soviético contém relatos mais longos, o que permite uma visão mais aprofundada deles. A autora também se preocupa em colocar pessoas de diferentes opiniões: defensores e opositores do ideal comunista, soviéticos e pós-soviéticos. Ter contato com elas possibilita que o leitor tenha um olhar mais amplo para o contexto, que é complexo. Durante a leitura, fica difícil dizer se existe lado certo e errado, afinal, cada indivíduo tem justificativas aceitáveis e justas para a posição que tem.
Memórias de membros do Partido Comunista; uma mãe que perdeu a filha em um atentado; pessoas que foram beneficiadas com a perestroika e outras milhares que perderam tudo por causa dela; mãe e filha que foram enganadas por golpistas; a história de uma russa que ama um imigrante tadjique; soviéticos que não se conformaram ainda com o fim da União soviética mesmo décadas depois. Dramas humanos, na maioria das vezes, não são fáceis de serem lidos e é por isso que a leitura desta não-ficção pode ser mais vagarosa. Em nenhum momento, entretanto, ela é cansativa. Assim como Svetlana diz que não se cansa de se surpreender com o quão interessante é a vida comum, é difícil se cansar dos seus livros e das histórias que eles permitem conhecer.
Por Beatriz Arruda
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