Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

“Chaplin, o Musical”: o grande artista é realmente um grande homem?

Imagem: Marcus de Rosa / Audiovisual / Jornalismo Júnior Para muitos, Charles Chaplin foi apenas o criador do personagem Carlitos, ou “o vagabundo”, como conhecido mundialmente. Na maioria das vezes, não se pensa a figura de Charlie sem a figura de seu personagem, dado sua grande fama. No entanto, existe muito mais para se descobrir …

“Chaplin, o Musical”: o grande artista é realmente um grande homem? Leia mais »

Imagem: Marcus de Rosa / Audiovisual / Jornalismo Júnior

Para muitos, Charles Chaplin foi apenas o criador do personagem Carlitos, ou “o vagabundo”, como conhecido mundialmente. Na maioria das vezes, não se pensa a figura de Charlie sem a figura de seu personagem, dado sua grande fama. No entanto, existe muito mais para se descobrir sobre o ator, diretor, cineasta e comediante Charlie Chaplin. Sua vida e filmes marcaram não apenas a época do cinema mudo, mas a história do cinema mundial. E é justamente sobre sua vida que fala o musical, estrelando Jarbas Homem de Mello como o protagonista. A peça passa por toda a trajetória de Chaplin, desde sua infância e adolescência, quando sofria por abusos de seu pai junto a seu irmão Sydney (Juan Alba) e sua mãe Hannah (Naíma) passando por seu ápice como cineasta, até sua velhice.

Em cartaz no Theatro Net SP, “Chaplin, o Musical” conta com um elenco de primeira categoria, canções incrivelmente bem produzidas e um figurino preciso, em perfeita sintonia com os períodos históricos retratados. A obra é assinada por Miguel Falabella na direção geral e produzida por Claudia Raia e Sandro Chaim. Mariano Detry e Marconi Araújo compõem a direção cênica e musical, respectivamente. No total, foram 23 atores envolvidos, 21 adultos e 2 crianças. O espetáculo é, em si, uma superprodução.

O enredo flui perfeitamente durante o tempo de exibição. Nenhuma cena “trava” a peça. Pelo contrário, as cenas são dinâmicas e animadas, contando a trajetória percorrida pelo ator de forma descontraída e colando os olhos da plateia no palco. Toda essa intensidade se mantém também nas cenas dramáticas, talvez os pontos mais intensos do musical devido à profundidade das emoções. Estas transparecem não apenas nos atos em si, mas na sincronia e encaixe perfeito das canções nos momentos cruciais. Justamente por isso, deve ser dado o merecido destaque aos fantásticos números musicais. Com uma trilha sonora impecável, tocada ao vivo por uma orquestra, os eletrizantes momentos de canto e dança conseguem transportar o espectador para dentro do universo do musical, seja nos fabulosos teatros dos anos vinte, ou ao lado de Charles e sua mãe Hannah no hospital psiquiátrico. A impressão é de uma viagem ao passado.

Um quesito que chama atenção se refere ao cenário. O musical inova ao trazer um cenário montado, em grande parte, pelos próprios atores. As cenas conjuntas contam com personagens que, enquanto cantam, entram e saem de cena com os objetos necessários. O cenário é quase um personagem, se modificando tantas vezes que não se pode dizer que existe um ambiente mais especial que o outro, ou que ganha mais ênfase ou importância. Além disso, o espetáculo foi capaz de utilizar, com maestria, toda a extensão do palco. Com um grande número de cenas na parte superior, além da recorrente utilização dos lados opostos do palco para representar acontecimentos simultâneos mas de diferentes ambientações, a peça deu um show de logística e preparação.

Entre a música, os figurinos e a atuação impressionante, uma parte a se destacar é o enredo. A história e dificuldades da vida do cineasta são o cenário perfeito para criar um panorama emocional vasto, proporcionando gargalhadas com o clássico Vagabundo e lágrimas com os momentos emocionais de Chaplin com sua família. A forte conexão entre os personagens faz mergulhar na narrativa. Conexão esta que é vista principalmente entre Chaplin e seu irmão, os quais enfrentam diversas dificuldades juntos e passam por momentos de atritos que criam um suspense intenso, grudando nas poltronas. A relação do diretor com sua última esposa também é mostrada de forma emocionante, valorizando o companheirismo e apoio mútuo na relação dos dois.

Entretanto, para além da beleza e magnitude do musical, de sua graciosidade e espetáculo de produção, existem vários problemas. Quem deixa o Theatro Net SP depois da peça, vê Chaplin como um grande e batalhador homem, exemplo de vida, de persistência e de talento. Porém, por mais que não se possa confundir o humano com o artista, quando se produz uma obra que se propõe a falar da vida pessoal de uma figura pública, ser crítico é pré-requisito essencial. Neste sentido, o musical falhou, tendo simplesmente ignorado muitas das grandes polêmicas nas quais o ator e diretor se envolveu.

Nenhuma cena trata seriamente das acusações de abuso e violência doméstica, além do fato de o artista ter se relacionado sempre com menores e as trocado por mulheres mais novas. Das quatro mulheres com quem Chaplin se casou, três eram menores. Quando a obra ousa citar algum desses temas, ela o faz de forma leve, tratando situações sérias e questionáveis com comicidade e ironia. Omitir certos pontos e perspectivas da história também é uma estratégia utilizada, vitimizando Chaplin e culpabilizando as vítimas.

Um desses casos acontece ainda na primeira parte do espetáculo, quando Mildred Harris, a primeira mulher de Chaplin, é apresentada. Ela, desde o princípio, é mostrada como quem “se atira” no diretor, desconsiderando o fato de que o ator tinha a fama e costume de seduzir meninas mais novas. No momento em que Chaplin pergunta a idade da menina, na época com 14 anos, ela responde que idade não importa, em uma risada insinuante. Para um público que desconhece a história de Charlie, a ideia passada, até pela representação exagerada do portar-se da menina, é que ela tenha, no mínimo, 18 anos.

Outro exemplo de falha grave acontece quando Charlie e Sydney conversam sobre os muitos divórcios de Chaplin. Neste momento, o irmão cita que o artista “elevou o golpe do baú a outro nível”, apontando, logo depois, os altos números ganhos pelas ex-esposas do diretor. O maior problema se dá quando Lita Grey é citada. A mulher, que foi quem mais ganhou dinheiro com o divórcio, é retrata, simplesmente, como uma aproveitadora e alpinista social e profissional. Sydney chega a dizer que ela teve “a sorte grande”. Porém, a história é muito mais complexa.

Lita Grey começou a se envolver com Charlie quando tinha 12 anos. Em entrevista dada posterior ao divórcio, a artista afirmou que, em 1923, ele tentou violentá-la durante as filmagens de “Em Busca do Ouro”. A menina resistiu mas o ator não desistiu. Um tempo depois, ele “tirou a virgindade” de Lita. Uma frase conhecida do diretor, e que retrata seu desejo por meninas mais novas é “a forma mais bonita da natureza humana é a menina bem mocinha começando a desabrochar”. Aos 16 anos, Lita ficou grávida. Charlie tinha 35. Indiciado por processos de paternidade e estupro, o diretor aceitou se casar com a moça. Ainda em entrevista dada depois do divórcio, Lita afirmou que ela era tratada com violência e agressividade, além de ser constantemente pressionada de várias formas. Assim, Lita é parte importante da trajetória pessoal do ator. Entretanto, além de ter sua visão da história ignorada, a menina (ou mulher) foi citada em tom ironizante, sendo representada com desdém.

A falta de contextualização e de diferentes perspectivas também é vista no tratar de Hedda Hooper, interpretada por Paula Capovilla. A jornalista é mostrada como uma perseguidora, que quer derrubar Chaplin simplesmente por inveja e por alegar que o artista representava uma “ameaça à moralidade”. As cenas protagonizadas por ela são emocionantes e bem produzidas e executadas, porém, a ideia que geram é a de uma personagem louca que apenas queria exterminar a fama e visibilidade de um astro.

O musical, portanto, mesmo maravilhoso em execução, apresenta grandes falhas ideológicas de roteiro. Chaplin é mostrado como um grande humanista e as mulheres que o rodeiam são as culpadas. Até a cena dedicada a representar sua fama de mulherengo tem tom engraçado e divertido. Os inúmeros filhos fora dos casamentos e amantes do artista nem ao menos são citados.

Aqui, vale questionar o que se encaixa até mesmo no gênero musical. O tom engraçado e descontraído seria necessário para o desenrolar da obra? A representação errônea foi falha humana ou intenção ideológica? Existiam outros assuntos mais importantes? As respostas dessas perguntas podem variar, porém, não existe nada que impede um musical de ser crítico e tratar com seriedade assuntos complicados, vide Os Miseráveis. Sobre o erro humano ou intencionalidade, somente os produtores podem responder a essas perguntas, porém, considerar que um espetáculo tão grande foi mal pensado ou que essas polêmicas nunca apareceram nas pesquisas, certamente realizadas, é ingenuidade. Faltou senso crítico e sobrou o culto a uma personalidade.

Assim, o que o musical acerta na execução de técnica impecável, ele erra em algumas partes do roteiro. Assistir a peça é extremamente prazeroso e de um entretenimento rico e completo, porém, para aqueles que a utilizam como a única fonte de conhecimento sobre a personalidade, a obra não conta toda a história. Não só omitindo como tratando com desdém certas polêmicas que não podem ser esquecidas, o musical não deveria se definir como uma completa e verdadeira biografia.

Porém, como já citado, a obra não é de tudo um erro. E bem longe disso. A dinamicidade, animação e perfeccionismo fazem dela um programa memorável para toda a família. Com uma extensa gama de cores e movimentos, variando entre cenas conjuntas e pessoais e se utilizando, inclusive, de diferentes perspectivas e cenas simultâneas, o musical faz o espectador mergulhar completamente na história. Em um teatro de beleza estonteante, que nada perde ou deixa faltar na estrutura, “Chaplin, o Musical” só errou na idealização do grande artista. Um erro que não é pequeno, mas que não desvaloriza todo o trabalho. O espetáculo, com suas incríveis performances e cenário que também é personagem, vale a pena ser assistido. Principalmente por aqueles que, com senso crítico, são capazes de pensar além do que veem (e escutam).

Chaplin, o musical

Local: Theatro Net SP – Rua Olimpíadas, 360 – Vila Olimpia

Horários: Quinta-feira e Sexta-feira, às 21h. Sábado, às 17h e 21h. Domingo, às 18h.

Duração: 02h:50min

Classificação Livre.

Por Laura Scofield Marcus De Rosa
lauradscofield@yahoo.com.br | mesderosa@usp.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima