Por Gabriela Bonin (gabibonin@usp.br)
Um sentimento de impotência perante algo que nem se move. É assim que as pessoas que sofrem com a compulsão alimentar sentem-se durante grande parte do tempo. Carregar consigo a compulsão afeta diretamente o psicológico do indivíduo, o qual coloca em si mesmo a culpa de não se controlar ao lidar com a comida. O distúrbio, muitas vezes banalizado, não se restringe apenas a comer exageradamente em uma festa ou final de semana, mas afeta o cotidiano daqueles que sofrem com ele.
O transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) é classificado pela americana National Eating Disorders Association (Associação Nacional de Distúrbios Alimentares) como um distúrbio alimentar caracterizado por episódios recorrentes de ingestão de grandes quantidades de comida — em sua maioria, de forma rápida e provocando desconforto. Ainda são citados a perda de controle durante o episódio e o sentimento de vergonha, angústia e culpa após a ingestão.
Leticia Ferri tem 22 anos e sofria com distúrbios alimentares. Além da compulsão, a estudante também lutava contra a bulimia e a anorexia. “Dois sentimentos que me descreviam na época eram culpa e nojo”, conta. “Sentia nojo de mim mesma, porque eu fazia misturas que achava nojentas e comia tudo que via na minha frente”.
“A pessoa começa a achar que a culpa é dela”, explica Pollyanna Esteves, terapeuta formada em nutrição. Pollyana, que sofria com a compulsão antes de se especializar no assunto, conta que a pior parte é que o distúrbio é visto apenas como uma fraqueza daqueles afetados.
O que causa uma compulsão alimentar?
Os motivos são diferentes para cada indivíduo e estão diretamente relacionados ao psicológico de cada um. “Quem é compulsivo cria um vínculo emocional com a comida”, explica Pollyanna. “Em algum momento da vida, acontece algo que faz a pessoa deixar de ver a comida como comida e passar a vê-la como um sentimento. Muitos usam a comida para conforto, para buscar felicidade ou proteção e alguns usam realmente como punição ”.
Leticia conta que seus episódios de compulsão alimentar tiveram início devido a restrições alimentares. “Eu passava muita vontade, não comia quase nada e desenvolvi a compulsão. O que acontecia era: eu ficava 24 horas sem comer e no outro dia tinha compulsão. Depois, ficava de novo 24 horas sem comer e tinha compulsão. Ou seja, eu tinha ataques e recompensava ficando muito tempo sem comer”.
A criação de vínculos com a comida gira em torno do inconsciente. Segundo Pollyanna, apenas 5% do cérebro humano é dominado pela consciência, enquanto o restante pertence ao inconsciente. Esse último é responsável pelas ações que tomamos sem esforço perceptível, ou seja, que não estão em nosso controle. “O que acontece é o seguinte: o inconsciente é eficiente, mas não é inteligente. O objetivo dele é nos proteger”. Ao ser questionada sobre como isso ocorre na prática, a nutricionista exemplifica: “alguém que sofreu bullying na infância por ser magro demais pode pensar ‘preciso engordar’ e desenvolver uma compulsão em decorrência disso, já que seu inconsciente vê vantagens sociais no ganho de peso”.
Pollyanna também cita o exemplo de uma paciente que trabalhava em uma empresa e começou a ser promovida a cargos de maior importância. Ao ouvir colegas dizendo que o motivo da promoção era sua aparência física e que “ela devia estar dando em cima do chefe”, a mulher, de maneira inconsciente, começou a engordar para provar que seu cargo era consequência de sua competência. “Às vezes, a pessoa não consegue se livrar daquilo, porque, para o inconsciente, existe um ganho. Conscientemente ela quer emagrecer, mas o inconsciente não permite.”
Então, como tratar a compulsão alimentar?
A melhor das soluções se encontra no tratamento psicológico aliado ao acompanhamento nutricional. Uma vez que, hoje em dia, grande parte das pessoas tem acesso a mais informações sobre alimentação, não bastam apenas as indicações de um plano alimentar feitas por um nutricionista. Segundo Pollyana, é preciso ressignificar os acontecimentos que modificaram a relação entre o paciente e a comida.
“Meu tratamento foi acompanhado por uma nutricionista, terapeuta e psiquiatra”, relata Leticia. “A importância do acompanhamento psicológico é a de entender aquilo que você tem, o que te levou a isso e aceitar o tratamento, aceitar que a compulsão é uma doença que precisa de tratamento”.
Pollyanna Esteves, no papel de nutricionista e terapeuta, desenvolveu um método denominado neuro fit, que reprograma o cérebro ao acessar o inconsciente. O tratamento dura, em média, 10 sessões, que variam de acordo com o perfil do paciente, e aborda técnicas diversas, sempre buscando atingir o subconsciente e reverter o problema.
A terapia usada para o tratamento inclui a programação neurolinguística (PNL), descrita por Pollyanna como um “mapa do nosso cérebro visando transformar hábitos”. A PNL se baseia na compreensão do modelo mental do paciente, ou seja, entender por quais motivos a pessoa toma suas ações. Tais motivos são inconscientes e podem ser histórias, imagens ou generalizações que guiam nossa compreensão de mundo.
Outra técnica eficiente é a hipnose. “A hipnose funciona para acessar o inconsciente e entender o porquê e quando a pessoa mudou sua relação com a comida. Fazemos, por exemplo, um método de hipnose denominado regressão, que consiste em retornar aos eventos da vida do paciente e ir ressignificando-os, reprogramando o inconsciente”, explica Pollyanna.
Trabalhar com o subconsciente e expandir os moldes da nutrição convencional ainda é algo recente e pouco explorado. A terapeuta comenta que a formação em nutrição não inclui as questões relacionadas ao psicológico. “A faculdade ainda está presa nos moldes do ‘você deve comer 2 colheres de arroz integral e trocar o leite comum pelo desnatado’. Hoje em dia, muitos pacientes já sabem o que se deve e o que não se deve comer. O problema não é saber, mas não conseguir seguir isso”, explica.
Outro agravante é a generalização do distúrbio. Algumas pessoas classificam “ataques à geladeira” ou exageros nas refeições como episódios de compulsão alimentar. “Compulsão não é comer uma barra inteira de chocolate ou exagerar nas balas de iogurte”, diz Leticia. A estudante ainda mostra o quão prejudicial é falar sobre o assunto sem ter conhecimento e afirma que isso pode ofender aqueles que têm o distúrbio. “Compulsão é você comer com culpa, é sofrer com o que você come, ficar triste com aquilo”.