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Libertadores: do desprezo à Glória Eterna no futebol brasileiro

Com 23 conquistas, o Brasil é um dos protagonistas na Libertadores, mas poderia ter ainda mais títulos, não fossem os anos de desinteresse
Taça da Libertadores da América "Glória Eterna"
Por Alinne Maria Aguiar (alinnemariaaguiar@usp.br)

No dia 30 de novembro de 2024, foi disputada a final da Libertadores 2024. O confronto, que aconteceu em Buenos Aires, capital argentina, colocou frente a frente os clubes brasileiros Atlético Mineiro e Botafogo. O torneio anual, que reúne as melhores equipes da América do Sul, é um dos mais cobiçados do futebol mundial. A conquista da Libertadores não só coroa o melhor time de futebol da América do Sul, como também o qualifica para a disputa do título de Campeão Mundial de Clubes da FIFA.

Apesar da importância que tem hoje, a Copa Libertadores demorou a ser valorizada no Brasil. Para compreender a evolução da percepção em relação a este campeonato ao longo das décadas, o Arquibancada entrevistou jornalistas esportivos que analisaram os fatores que contribuíram para essa mudança.

Organizada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a Libertadores teve sua primeira edição em 1960. Inicialmente restrito aos campeões nacionais de cada país, o torneio foi inspirado na Liga dos Campeões da Europa e surgiu a partir de uma proposta de Robinson Alvarez, presidente do Colo-Colo, do Chile. Em 1948, ele organizou a Copa dos Campeões da América, vencida pelo Vasco da Gama, no que seria o embrião da Libertadores. Em 1959, José Ramos de Freitas, então presidente da Conmebol, concretizou a ideia, e o torneio passou a ser chamado “Libertadores da América” em homenagem às personalidades que lutaram pela Independência da América Latina.

Com mais de seis décadas de história, a “Liberta” é, hoje, sinônimo de grandeza no futebol mundial. Todos os anos, clubes de diferentes países da América do Sul se lançam na busca pela “Glória Eterna”, como é tradicionalmente chamado o troféu da competição. Com os clubes brasileiros, a situação não é diferente. No entanto, essa história nem sempre foi assim; o Brasil já ficou de fora da competição em três edições.

Brasil fora da competição

A primeira ausência de times brasileiros na Copa Libertadores ocorreu em 1966, e o motivo foi a discordância com uma nova regra implementada pela Conmebol. A partir daquela edição, os vice-campeões nacionais também passaram a ter o direito de disputar a competição, algo que até então era restrito aos campeões. Tanto o Brasil quanto a Colômbia consideraram que essa mudança descaracterizava o torneio e decidiram não participar. Naquele ano, o Peñarol, do Uruguai, sagrou-se campeão.

Em 1968, outro impasse afastou o Brasil da Libertadores. Dessa vez, um atraso no calendário foi o fator decisivo. A Taça Brasil, que definia os representantes brasileiros no torneio continental, se estendeu por 14 meses. Em resposta, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) escolheu o Torneio Roberto Gomes Pedrosa como critério para indicar os clubes, mas nenhum time aceitou a decisão.

O último ano em que o Brasil ficou de fora da disputa foi em 1970, devido a um novo conflito entre a CDB e a Conmebol. A Confederação Brasileira argumentou que o calendário da Libertadores, com final prevista para maio, prejudicaria a preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo no México, que começaria em junho. Assim, optou-se por priorizar a preparação para o Mundial, o que resultou na retirada dos clubes brasileiros da competição. O clube Estudiantes, da Argentina, ficou com a taça nas edições de 1968 e 1970.

Pelé com camisa da seleção brasileira de futebol, na Copa do Mundo de 1970

Com Pelé na equipe, a seleção brasileira conquistou o tricampeonato na Copa de 1970 [Reprodução/Wikimedia Commons]

Violência dentro e fora de campo

Além dos conflitos relacionados ao regulamento e ao calendário, a pouca participação dos clubes brasileiros na Libertadores no período podem ser explicadas por outros fatores. As décadas de 1970, 1980 e 1990 foram marcadas por turbulências para os países latino-americanos, com períodos dominados por ditaduras, expansão do narcotráfico e crises econômicas. 

Esse cenário de instabilidade e violência também se refletiu nos gramados. Dentro e fora de campo, as competições se tornaram sinônimo de violência, ameaças e intimidações. Tanto atletas quanto membros das comissões técnicas sofriam agressões físicas e verbais. Disputar uma partida da Libertadores em território adversário era, para muitos, a certeza de enfrentar uma atmosfera hostil.

Em 1971 aconteceu aquela que é considerada a maior briga da história do campeonato. Durante uma partida da primeira fase de grupos entre o Boca Juniors, da Argentina, e o Sporting Cristal, do Peru, 19 cartões vermelhos foram aplicados. A confusão começou nos minutos finais do jogo, quando o jogador argentino Sunẽ, inconformado com o empate que desclassificaria sua equipe, partiu para cima de um jogador do time adversário. O resultado foi uma briga generalizada que só teve fim com a intervenção da polícia, que levou todos para a delegacia.

Em 1981, outro caso explícito de brutalidade. Flamengo e Cobreloa, do Chile, disputaram a final da Copa Libertadores em três jogos. No primeiro confronto, realizado no Maracanã, a equipe rubro-negra levou a vantagem em um jogo agitado. Já na partida de volta, disputada em Santiago, em plena ditadura de Pinochet, a violência tomou conta. Soto, jogador do Cobreloa, atirou uma pedra contra os jogadores Lico e Adílio. Não houve interferência da arbitragem ou polícia, mesmo diante da violência escancarada. 

No terceiro e último jogo, outra agressão, dessa vez por parte do Flamengo. Anselmo, atacante rubro-negro, entrou em campo apenas para desferir um soco em Soto. Expulso logo em seguida, o jogador deixou o gramado com um sorriso de satisfação no rosto.

Imagens no jogo de desempate da final da Libertadores de 1981, quando o Flamengo de Zico se sagrou campeão

No jogo de desempate da final da Libertadores, o Flamengo garantiu a vitória com dois gols decisivos de Zico [Reprodução/X/@Flamengo]

O brasileiro, apaixonado por futebol, não tinha a Libertadores como prioridade. Outro campeonato ocupava esse espaço: os estaduais. Naquela época, o verdadeiro entusiasmo dos torcedores estava voltado para as competições locais. 

Em entrevista ao Arquibancada, o comentarista esportivo Eugênio Leal destacou que a própria dimensão continental do Brasil foi um fator decisivo para a relevância dos torneios locais: “O futebol se desenvolveu aqui em uma época em que havia muito menos facilidades para locomoção entre longas distâncias; a comunicação era muito local”. Ele ainda acrescenta que as pessoas viviam a realidade de seus bairros, de suas cidades. Por essa razão, a história do futebol no Brasil estava intimamente ligada às competições municipais e, mais tarde, estaduais, que ajudaram no crescimento das grandes torcidas locais.

Devido à vasta extensão territorial do país, era comum que os times viajassem para determinadas regiões e realizassem uma série de amistosos contra os clubes locais. Essas “excursões”, juntamente com os clássicos estaduais, eram uma importante fonte de receita para os clubes e ajudaram a movimentar o futebol brasileiro.

Portanto, participar do campeonato organizado pela Conmebol, por muitas vezes, era mais exaustivo e menos lucrativo do que jogar os estaduais.

Ponto de virada

Para que se avançasse ao cenário atual, muitas características do torneio foram transformadas. De acordo com Eugênio Leal, o ponto de inflexão ocorreu no início dos anos 1990, quando o São Paulo, sob o comando de Telê Santana, conquistou duas das três finais consecutivas em que participou: “A virada dos anos 1990, simbolizada pelo São Paulo, coincide com o momento em que a economia do país começa a se estabilizar. Mais jogos são transmitidos, e as pessoas ganham acesso a novos meios de comunicação, como a TV a cabo e, posteriormente, a internet. Basta olhar a lista de campeões para perceber que, a partir desse período, o Brasil levou a Taça muito mais vezes”.

Após a conquista tricolor de 1992, os clubes brasileiros levantaram a taça da Libertadores em outras 17 ocasiões. Nos últimos 10 anos da competição, o Brasil dominou o cenário, vencendo o torneio por seis anos consecutivos. “Alguns clubes têm participado quase todos os anos e já se adaptaram aos desafios do continente, como a altitude, os grandes deslocamentos e as dificuldades logísticas”, comenta Eugênio Leal.

Além das mudanças na participação dos clubes, a evolução nas transmissões e na arbitragem teve um impacto na qualidade das partidas. Em entrevista ao Arquibancada, Gian Oddi, jornalista da ESPN, destaca que o impacto das transmissões de TV, sobretudo do VAR, foi mais significativo na Libertadores do que em outras competições de futebol ao redor do mundo. Segundo ele, os erros de arbitragem na Libertadores eram particularmente graves, e os jogadores muitas vezes acreditavam que poderiam vencer o torneio por meio da violência e intimidação. “Antes da chegada das câmeras e do VAR, as agressões frequentemente escapavam à atenção dos árbitros, seja por incompetência ou má-fé”, afirma Gian.

Elenco do São Paulo para o Mundial de 1992, contra o Barcelona

Em 1992, o São Paulo, sob comando de Telê Santana, venceu o Barcelona e conquistou seu primeiro Mundial de Interclubes [Reprodução/Arquivo Histórico/saopaulofc.net]

Novos desafios

Atualmente, a Copa Libertadores da América é um dos eventos esportivos mais aguardados e disputados da América Latina. Apesar da diminuição dos episódios de violência física entre jogadores, o torneio agora enfrenta um desafio cada vez mais frequente: o preconceito racial. 

Na temporada de 2023, em apenas quatro meses, foram registrados nove casos de racismo. Em resposta a esse cenário, em setembro deste ano, a Conmebol inaugurou gestos de denúncia para o crime. A recomendação é que atletas, árbitros e comissões técnicas cruzem os braços para denunciar comportamentos racistas. O gesto dos braços cruzados é parte do protocolo dividido em três níveis, em que o primeiro é a interrupção da partida. O segundo é a suspensão temporária do jogo e, o terceiro, a suspensão total.

Além disso, outro tema que gera discussões no torneio é a adoção do modelo de final única na Copa Libertadores, o qual criou polêmica por não considerar as particularidades da América do Sul. Segundo Gian Oddi, a ideia de final em jogo único é uma inovação copiada dos padrões europeus para um contexto esportivo social e econômico completamente diferente. Inspirada no formato europeu, a mudança ignora fatores como as grandes distâncias entre os países, os altos custos de deslocamento e a realidade econômica de muitos torcedores, o que dificulta a presença em uma final realizada em local neutro.

A Copa Libertadores da América, apesar de suas transformações e desafios atuais, mantém seu status de sonho para jogadores e clubes de toda a América do Sul. O torneio segue evoluindo, mas sua essência — a busca pela “Glória Eterna” — permanece intocada.

*Foto de capa: Reprodução/Instagram/@libertadoresbr

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