No dia 18 de maio, após três meses de fronteiras fechadas para conter a propagação da pandemia do coronavírus, a União Europeia (UE) apresentou um plano de reabertura em busca da retomada do turismo, principal atividade econômica do bloco. O plano, que se inicia dia 15 de junho, consiste na liberação total das fronteiras internas e gradual das externas, a partir do mês seguinte.
“Durante as fases iniciais da pandemia, a União Europeia não passou a impressão de estar realmente unida e agindo homogênea e estrategicamente para conter a situação”, relata o engenheiro e consultor de software brasileiro residente na Alemanha, Pedro Augusto Marques, em entrevista ao Observatório a respeito do relaxamento das fronteiras.
A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, vê a queda de casos de infecção e óbitos durante as duas últimas semanas como um indicador de que o plano é seguro. Por outro lado, a retomada externa deve ser mais restrita e ocorrerá de forma gradual, permitindo, inicialmente, a entrada apenas de turistas que residem em países que obtiveram bons resultados nas medidas de contenção da pandemia. Brasil e Estados Unidos não são considerados candidatos.
Em relação ao veredito da Comissão, Pedro afirma que pessoalmente não acredita que o quadro de saúde da Alemanha permita que esta retomada seja efetiva, muito menos que o turismo – principalmente externo – seja justificativa plausível para isso. No entanto, completa que as opiniões acerca da situação são diversas, mas, no que diz respeito às medidas preventivas, a população do país ainda se mantém precavida, independentemente das decisões das autoridades.
“As regras são bem claras: manter a distância, usar máscaras, higienizar as mãos o máximo que puder. Encontrar pessoas é limitado em quantidade, dependendo de grupo e pertencentes a família. Todas as atividades ainda estão super limitadas. Restaurante somente em condições especiais.”, ressalta o engenheiro a respeito do comportamento dos alemães, frente ao cenário precário de saúde mundial.
O equilíbrio entre saúde e economia
Em relação à movimentação econômica gerada pelo turismo na União Europeia, Kai Enno Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), afirma que, principalmente para os menores países do bloco, ela é extremamente necessária. “Se você olha para um país como a Grécia, seria necessário reabrir agora, porque o país depende fortemente do turismo para a sustentação econômica”, exemplifica, adicionando que as autoridades estão em busca de um equilíbrio entre a questão econômica e a preocupação com a saúde pública.
A flexibilização da quarentena não foi considerada apenas pela Europa. No final de abril, a Arábia Saudita enfraqueceu suas iniciativas de isolamento social para dar início ao Ramadã, período religioso sagrado aos muçulmanos. Consequência disso foi o surgimento de mais de 1600 novos casos no país e, com isso, o governo local retomou a rigidez de seu plano inicial de contenção no fim de maio.
Kai afirma, no entanto, que independentemente das restrições impostas, cabe à população seguir as orientações ou não, pondo em jogo a eficácia da quarentena e, principalmente, a saúde individual de cada um. “Eu acho que os governos e Estados podem orientar e impor regras, mas no final das contas cada um de nós decide qual será o momento de continuar ou não”, explica, citando o Brasil como exemplo.
Além da preocupação atual, o futuro da economia também é um tópico de grande discussão. A estimativa de desemprego mundial para 2020 supera os 10% devido às imposições de isolamento e, em vista disso, cada nação possui iniciativas diferentes para conter a inevitável crise econômica em ascensão desde já. Dessa forma, as autoridades buscam minimizar os impactos da inevitável crise em ascensão e seus efeitos após a revogação total da quarentena.
“É interessante ver que mesmo os países ditos neoliberais, como o Reino Unido, estão gastando muito para minimizar os piores efeitos da crise econômica. O Estado basicamente assumiu o salário de milhares de trabalhadores”, destaca o professor. Por outro lado, Kai afirma que, independentemente do que seja feito, a economia global será reerguida, porém ela, as atividades e o modo de trabalhar não serão mais os mesmos de antes do começo da pandemia, no início de 2020.
O “novo normal”
Para que a retomada da atividade econômica e o relaxamento das medidas de isolamento social sejam circunstâncias possíveis e seguras, é necessário que, primeiramente, o país atinja alguns índices: a taxa de ocupação dos leitos de UTI não deve exceder 90%, os números de novos casos e de mortes devem estar em queda por duas semanas e a taxa de reprodução do vírus – que indica quantas pessoas, em média, se infectam a partir de alguém doente – deve ser inferior a 1, explica a médica epidemiologista Gerusa Figueiredo.
Entretanto, apesar do fim da quarentena, ainda serão necessárias algumas medidas de precaução para que o número de contaminados pela Covid-19 não alcance níveis tão altos quanto os do início da pandemia. Podemos esperar que o álcool em gel, o uso de máscaras de proteção, o distanciamento entre as pessoas e outras regras de higienização sejam obrigatórias por um tempo – de acordo com a médica, essas continuam sendo as únicas forma de prevenção em um cenário sem vacinas e medicamentos.
Gerusa ressalta que, na ausência de uma vacina, também podemos esperar que determinadas profissões sejam prejudicadas no “novo normal”. Turismo, aviação, atividades culturais e esportivas, educação presencial (em especial a superior) e todas as demais atividades que implicam aglomerações de pessoas sofrerão danos. É possível ainda que algumas profissões se adaptem à nova realidade e alterem seu funcionamento: é o caso das atividades comerciais, que vêm sendo substituídas pelo e-commerce, e empresariais, com a difusão do home office.
A médica finaliza ressaltando que ainda não temos respostas sobre como diminuir os prejuízos gerados pela crise, mas que podemos começar a pensar em um estilo de vida mais saudável e simplificado, que pode colaborar para um mundo mais sustentável.
O perigo da segunda onda
Devido às inúmeras complexidades para a produção e distribuição das vacinas, levará certo tempo para que elas cheguem amplamente a toda população. Assim, em função das necessidades econômicas, é natural que os países busquem algum grau de normalidade enquanto seus habitantes ainda não estão completamente imunizados. O Irã, a Itália e a Alemanha são exemplos de países que, após detectarem a diminuição no número de casos de Covid-19, resolveram retomar as atividades.
O risco de existir uma segunda onda da doença nesses países é eminente e, por isso, todo cuidado é pouco. “A vigilância epidemiológica constante terá um papel fundamental em monitorar o aumento de casos e orientar a necessidade de novas regras de distanciamento social ou até medidas mais restritivas”, explica Gerusa. No Irã, por exemplo, houve um grande crescimento do número de casos após o aumento da interação social e as autoridades do país estão em alerta quanto à necessidade de um novo fechamento.
Apesar do perigo, Gerusa acredita que, somando os indivíduos que já adoeceram com a porcentagem de assintomáticos (que gira em torno de 80%), podemos considerar que exista algum grau de imunidade na população. Além disso, o vírus não apresenta uma rápida taxa de mutação, o que garante que a imunização seja mais duradoura. “Assim, podemos esperar que não exista um quadro de pior dimensão”, conclui a médica.
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