Rompendo um longo período fora das telas, aos 86 anos, Sophia Loren é uma força da natureza. A estrela italiana é uma das maiores atrizes do cinema, tendo se consagrado em filmes como Um Dia Muito Especial (Una Giornata Particolare, 1977) e Duas Mulheres (La Ciociara, 1960), que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz em 1962.
Com direção de Edoardo Ponti (filho de Loren) e sob o título de Rosa e Momo (La vita davanti a sé, 2020), a produção italiana recém-chegada à Netflix é uma adaptação do romance de Romain Gray, A Vida Pela Frente (La vie devant soi, 1975) que havia sido adaptado para as telas em 1977 sob mesmo nome e que trouxe à França o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1978. Mesmo sob adaptações, o diretor revela seu desejo de manter a tradição de premiações pela trama enquanto conduz o filme mirando no Oscar de 2021.
Diferente da versão original, o longa não se passa na França, mas se ambienta pelas ruelas pobres e estreitas de Bari, uma cidade portuária no sul mediterrâneo da Itália, palco dos contrastes entre a população idosa local e a juventude imigrante.
A trama conta a história de Rosa (Loren), uma aposentada da prostituição, judia e sobrevivente do Holocausto que abriga crianças filhas de outras prostitutas, buscando ensiná-las a enxergar a vida com melhores panoramas. Momo (Ibrahima Gueye) é uma dessas crianças. Imigrante senegalês, muçulmano, órfão de mãe e adotado por um médico sem tempo de olhá-lo, o menino passa os dias tentando ganhar dinheiro e é assim que conhece madame Rosa: tentando assaltá-la.
Como pedido do médico para que Rosa o reeduque, Momo entrelaça sua rebeldia à sensibilidade de Rosa, resultando no sentimento de família que os dois partilham um pelo outro. Infelizmente, não demora muito para que os dois lados da corda comecem a se fragilizar: o menino abandona suas teimosias e a idosa demonstra sinais de esquecimento e confusão ao misturar memórias da guerra com o presente.
A carreira de 70 anos no cinema deram a Loren as técnicas e a naturalidade invejável para atuar enquanto torna visível o íntimo dos personagens que interpreta. Com madame Rosa não seria diferente. Os dois atores principais transparecem com primor a felicidade e agonia que é finalmente ter alguém que o entenda e ter de vê-lo se esvaindo pouco a pouco. O espectador se emociona com todos os elementos do longa, algo também visto no drama A Despedida (The Farewell, 2019), que conta com sensibilidade a dor de uma família despedindo-se de sua matriarca.
A produção é cuidadosa, percorre com beleza os rostos dos atores, incrementa sua trilha sonora com a belíssima voz de Laura Pausini e o samba rasgado de Elza Soares, convidando os espectadores a dançar junto. Mas pode cometer alguns deslizes ao forçar copiosa e emocionalmente a impressão daquele que o assiste. A intenção é envolver, porém pode agradar muito mais aqueles que preferem o cinema tradicional e compassado em início e fim, não contando com grandes inovações e ousadias na trama.
O capricho do filme está na construção da rede de apoio entre mulheres (cis e trans), crianças e imigrantes carentes. Cotidianamente marginalizados pela sociedade europeia e conservadora em que estão incluídos; ao se conectarem, subvertem o preconceito e descobrem o afeto coletivo como agente transformador de suas próprias vidas. Além disso, as mudanças dos personagens principais arrancam sorrisos, frutos da brilhante atuação do estreante Ibrahima Gueye e de uma Sophia Loren que exibe com delicadeza a beleza de envelhecer.
O longa já está disponível para todos os assinantes da Netflix. Confira o trailer:
*Imagem de capa: Divulgação/Netflix]
O amor que transforma.