Por Lívia Magalhães (liviabmagalhaes@usp.br)
O livro O Fim da Infância (Editora Aleph, 2019), escrito por Arthur C. Clarke e editado pela primeira vez em 1953, nasce de um momento de pânico. A Guerra Fria e, mais especificamente, a Corrida Nuclear entre a União Soviética e os Estados Unidos originou bombas atômicas que assegurariam a destruição mútua e total. O que o autor, que também escreveu os clássicos 2001: Uma Odisseia no Espaço e Encontro com Rama, fez foi pensar: se esse é o nosso destino, qual seria o curso da Terra caso seres extraterrestres viessem nos salvar?
Os Senhores Supremos, alienígenas dotados de inteligência e tecnologia muito superior à dos humanos, chegam à Terra já exercendo uma dominação psicológica. Vários ovnis pairam sobre as principais capitais do planeta e, durante a comunicação com as pessoas, os Senhores Supremos sempre ocultam a aparência. Mas, como eles logo resolvem todos os problemas da Humanidade, da fome ao racismo e analfabetismo, essa dominação é vista com bons olhos pela maioria da sociedade. Quem pode culpá-los?
A obra foi um espaço privilegiado para Clarke expandir sua imaginação, com vários capítulos descritivos da utopia que a Terra alcançou graças aos Senhores Supremos. Porém isso não significa que esses capítulos sejam apenas páginas chatas e prolongadas: o olhar científico que o autor imputa na obra é necessário para visualizarmos o mundo em que estes personagens vivem, e é ideal para contextualizar os longos anos que o livro cobre e as mudanças que acontecem no período.
A história do livro já passou por poucas e boas. Originalmente, surgiu como um conto chamado Anjo da Guarda, que recebeu negativas de várias editoras até ser publicado quatro anos depois de escrito e ter sofrido edições que mudaram até o final da narrativa (sem o aval do autor mas que, felizmente, lhe agradaram). Depois, o conto se expandiu até se tornar a primeira parte do clássico da ficção científica.
Aí chegou a vez do primeiro capítulo mudar, quase 30 anos depois da publicação do livro. O autor prontamente reverteu para o texto original, mas a mudança não deixa de ser curiosa. A edição da Editora Aleph de O Fim da Infância inclui a obra em todas as suas versões.
Ao longo da trama, o leitor vai descobrindo cada vez mais sobre os alienígenas invasores. Esse desenvolvimento da relação entre a Humanidade e os Senhores Supremos entretém mais do que o desfecho em si. O suspense — o que será que estes alienígenas querem? Qual a aparência deles? Porque escolheram a Terra? — gera perguntas que o público quer que sejam respondidas o quanto antes. Mas, quando o são, acabam sendo menos satisfatórias do que a preparação para recebê-las.
Além disso, esse não é um livro para qualquer um que goste de ler: seu público se encaixa melhor entre os aficionados em fantasias científicas. Para os não acostumados com o gênero, vários capítulos — especialmente os últimos — podem parecer um lenga-lenga sem fim que não acrescentam nada à história. Há tantos personagens e tramas diferentes acontecendo ao mesmo tempo que, enquanto alguns capítulos parecem desconexos e sem propósito, outros contém assuntos que o leitor gostaria que Clarke se demorasse mais.
Apesar de seus defeitos, o livro é surpreendente. O leitor entra imaginando que a ficção de Arthur C. Clarke será apenas mais uma história sobre ETs, mas ao decorrer da narrativa percebe que há muito mais em jogo. A multiplicidade de personagens que se interligam durante a leitura, mesmo por vezes sobrecarregando o leitor, é a prova. E por isso O Fim da Infância é uma daquelas obras em que é melhor entrar sem saber de nada além do que está na orelha do livro. Para os curiosos em relação a utopia da sociedade aparentemente perfeita e seus defeitos marginais, encobertos com esmero, O Fim da Infância é o pedido ideal.
*Imagem de capa: Lívia Magalhães/Jornalismo Júnior com imagens de Divulgação