O direito de votar é um dos principais pilares da cidadania, pois é através do voto que a população de um Estado democrático participa de maneira efetiva da política do país, escolhendo representantes que serão responsáveis por defender seus interesses. Entretanto, em um passado não muito distante, o direito não era estendido às mulheres, as quais, até 1932, no Brasil, ficavam na sombra, invisibilizadas e impedidas de participar das decisões políticas do país. 90 anos depois, as mulheres conquistaram participação plena?
Pavimentando uma longa estrada
A discussão acerca de estender o voto às mulheres começa muito antes de 1932, a milhares de quilômetros do solo brasileiro. A ascensão dos modelos de governo parlamentar e republicano em países europeus e nos Estados Unidos começa a dar significação a um termo ainda muito abstrato no fim do século XVIII e começo do XIX, a democracia.
As populações dessas nações passaram a eleger seus governantes através do voto. Entretanto, escolher representantes políticos é um ato que, primordialmente, abrangeu apenas homens brancos que pertenciam às classes mais altas da sociedade. Às mulheres, era reservado o papel de cuidar do lar e dos filhos.
Essa limitação certamente não agradou muitas delas. Cansadas da invisibilidade, sustentada por premissas sexistas e patriarcais, as britânicas foram pioneiras na luta pelos direitos das mulheres e deram início ao movimento sufragista, que semeou entre suas integrantes o anseio pela igualdade de gênero. Tais ideias se alastram entre a parcela feminina e, finalmente, em 1918, as inglesas conquistam o direito ao voto.
No Brasil, essa conquista ainda é recente. O código eleitoral de 1932, o qual aboliu a distinção de gênero, foi reflexo de uma incessante luta. Essa mobilização histórica das mulheres é traduzida em inúmeras tentativas de ganhar reconhecimento como seres pensantes e capazes de tomar decisões e fazer parte da vida política do país.
Elas têm nome
Nos primeiros anos do século XX, mulheres brasileiras, pertencentes a classe burguesa, passaram a atuar ativamente na luta pelo sufrágio.
“A mulher do diabo”: foi assim que a baiana Leolinda Figueiredo Daltro ficou conhecida após liderar iniciativas que caminhavam no sentido da conquista da igualdade de gênero. Leolinda era professora e acreditava na educação como agente transformador da sociedade e no voto como direito essencial para constituição da plena cidadania. Em 1910, ela fundou o partido republicano feminino, abrindo o caminho para a fundação de associações e partidos que também tinham como objetivo a emancipação política das mulheres.
A bióloga brasileira Bertha Lutz foi uma das pioneiras na luta pela conquista dos direitos políticos das mulheres no Brasil.
A fim de estudar ciências na universidade francesa Sorbonne, Lutz viajou a Paris e lá, entrou em contato com os ideais sufragistas difundidos pelo movimento feminista. Bertha retorna ao Brasil em 1918 com anseios ambiciosos: lutar pelo sufrágio feminino em um período em que a política corrupta e a desigualdade social imperavam durante a primeira república.
A bióloga se uniu a outras mulheres e fundou em 1920 a LEIM (Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher), que mais tarde tornou-se a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Da década 20 em diante, as primeiras mudanças concretas passam a acontecer.
Celina Guimarães Viana: esse é o nome da primeira eleitora brasileira. O Rio Grande do Norte, sua terra natal, tornou-se o berço do eleitorado feminino quando, em 25 de outubro de 1927, aprovou a Lei Estadual nº 660, a qual legitimou o alistamento eleitoral das mulheres.
Assim, a luta pelo sufrágio, que inclui o direito de votar e ser votada, ganhou força e o estado elegeu, um ano depois, em 1918, Alzira Soriano como prefeita da cidade potiguar de Lajes. Alzira tornou-se a primeira mulher à frente da prefeitura de uma cidade no Brasil.
Nem todas se tornaram Celinas
É durante a revolução de 30, marcada pela ascensão de Getúlio Vargas à presidência, que o primeiro código eleitoral é promulgado.
No dia 24 de fevereiro, há pouco mais de 90 anos, o direito ao voto passou a abranger as mulheres, sendo aptos a votar todas e todos aqueles maiores de 21 anos, alistados no código e alfabetizados. Entretanto, embora não houvesse distinção de gênero, é importante considerar o panorama de um Brasil que ainda tinha fortes laços com o período escravocrata, e uma sociedade patriarcal e machista.
Nesse contexto, a maior parcela das mulheres foram excluídas desse processo. A alfabetização não era realidade para a maior parcela da população negra. Mulheres casadas necessitavam da autorização de seus maridos e as solteiras tinham que comprovar independência financeira.
Dois anos mais tarde, em 1934, a garantia do voto feminino passou a ser prevista na Constituição e, em 1946, passou a ser obrigatória para todos. Em 1985, o direito é estendido também aos analfabetos.
90 anos foram suficientes?
Desde 2008, as mulheres compõem a maior parte do eleitorado brasileiro, representando 52% do total. Contudo, quando se trata da participação feminina no cenário político, os números são desanimadores, elas ocupam apenas 15% dos cargos eletivos.
É inegável que durante os últimos 90 anos houveram importantes avanços no tocante a conquista de direitos, mas enquanto a ocupação feminina em posições políticas de poder for baixa, assegurar, defender e propor leis que visam solidificar a cidadania feminina continuará sendo uma difícil tarefa.
A candidata a deputada estadual de Chapecó, em Santa Catarina, e professora, Caren Machado estabelece uma relação direta entre a sub-representação política das mulheres e os obstáculos para que elas ocupem outros setores da sociedade, como as universidades, por exemplo. ”Quando a gente tem mulheres ocupando cargos políticos, aumenta também a participação das mulheres nas universidades, nas empresas, em todos os setores. Mas, eu considero que ainda é muito tímida essa mudança, a gente ainda vê, tratando exatamente dos cargos políticos, uma minoria”. A professora ainda complementa: “Existe uma sub-representatividade, apesar desses noventa anos do voto feminino. Nós somos a maioria da população e a maioria dos eleitores. A gente ainda tem muito a fazer para transformar essa realidade.”
Em um cenário no qual o Brasil ocupa a posição 142° no ranking da participação das mulheres na política dentre 192 países, segundo o diagnóstico da professora, são necessárias medidas mais incisivas para mudar esse quadro, pois a reserva de, pelo menos, 30% das candidaturas dos partidos e coligações, se mostra pouco eficiente.
Essa mudança passa, necessariamente, pelo incentivo por parte das instituições para participação delas na vida política de seu país. “A educação traz a consciência. Muita gente fala “a mulher não quer estar lá. A mulher quer, è que às vezes isso não é colocado no cardápio das profissões da mulher. Falta referência à mulher, a gente muda isso através das políticas públicas. Tem que ter projeto de estado para que a mulher queira estar lá, e se sinta confortável naquele ambiente. A gente precisa prever a paridade dos cargos. Ao meu ver, teria que haver uma alteração na constituição federal para mudar isso.
A importância de votar
Uma vez que as mulheres correspondem a 52,5% do eleitorado brasil, composto por mais de 147,3 milhões de pessoas, em anos de eleição, como em 2022, a discussão acerca da importância delas comparecerem às urnas se faz central para construção de uma cidadania mais sólida e de uma democracia que caminhe no sentido de abranger todos.
Sob esta perspectiva, a estudante universitária Maria Gabriela de Jesus, (18), que votará pela primeira vez este ano, enxerga no voto o potencial de mudar a realidade. “Faz eu sentir que estou cumprindo o meu papel na sociedade. Foi muito difícil para nós [mulheres] conquistarmos o direito do voto. Nós, como cidadãos, temos o direito e o dever de escolher bem quem vai ser eleito, principalmente, a gente que vem da periferia.”
A estudante ainda reforça a importância dos jovens construírem uma consciência política e fazerem uma pesquisa aprofundada acerca dos candidatos disponíveis. “Eu acho que, como jovem, a gente tem o papel fundamental de pesquisar sobre os políticos que estão se candidatando, as propostas deles… A gente é o futuro do país, temos que ter esse cuidado.”
Já, Naldir Lima é eleitora há 34 anos, comparece às urnas de dois em dois anos, porque, para além da obrigação, acredita que é através do voto que se concretizam mudanças efetivas. “É importante votar porque é através do voto que mudamos nossa realidade e de quem mais precisa”, diz.