Por Maria Eduarda Oliveira (marieduarda@usp.br)
Os dramas coming of age, que retratam as jornadas de amadurecimento dos protagonistas, se tornaram um estilo popular nos últimos anos. Acompanhar a autodescoberta de um personagem é uma característica comum no roteiro de grandes obras – é a famosa jornada do herói, estrutura de roteiro onde o personagem principal passa por diversas situações até conseguir alcançar o objetivo final. No entanto, alguns filmes caminham por uma abordagem mais sutil e menos estrondosa do amadurecimento, como é o caso de Quase 18 (The Edge of Seventeen, 2016), sucesso de crítica e público. Com direção estreante da premiada cineasta, poeta e fotógrafa Raven Jackson, Todas as Estradas de Terra têm Gosto de Sal (All Dirt Roads Taste of Salt, 2023), segue a mesma premissa.
O longa, vencedor do Festival de Sundance 2023, narra a história de Mackenzie (Zaihab Jah, Kaylee McClure, Nicole Johson, Mylee Shannon), ao longo das décadas de sua vida na região do Mississippi. A distribuição internacional é da produtora e distribuidora A24, responsável por sucessos como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once, 2022) e Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird, 2017).
A história de Mack é contada através de fragmentos no tempo, como um mosaico de lembranças, passeando entre uma época e outra sem aviso. Esse aspecto não tradicional da montagem pode tornar a imersão um pouco mais complicada, mas isso não significa que o roteiro seja de difícil compreensão. Apesar de outras produções usarem essa característica de coletânea na montagem de uma narrativa incrivelmente envolvente, esse êxito não acontece aqui.
Mesmo sem uma narração contínua, o cinema já mostrou, por meio de produções como Pulp Fiction: Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994), que é possível desenvolver uma história coerente dentro dessa proposta. A linguagem do filme não é cansativa por não ser sequencial, mas por algumas escolhas técnicas da produção. Ao se demorar mais de 20 segundos em um corte em que os personagens apenas andam, sem qualquer interação, a produção parece esquecer que está tentando contar algo para quem assiste. De certa forma, o filme segue uma abordagem poética, sem um limite artístico que estabeleça a diferença de ritmo entre os dois tipos de formatos. Ao repetir esse padrão tantas vezes, a montagem causa um sentimento massante ao espectador.
Por outro lado, essa mesma perspectiva contemplativa não causa incômodo na fotografia. Pelo contrário, o foco nos detalhes dos cenários e personagens resulta em visuais deslumbrantes que relembram o talento artístico de Jackson. A sonoplastia segue pelo mesmo caminho ao se concentrar em explorar os sons naturais dos ambientes, seja aproveitando um simples suspiro ou o som do fogo consumindo algo. Assim, o longa desenvolve uma linguagem não-verbal na ausência de uma trilha sonora repleta de músicas, ou de muitos diálogos.
Seguindo a protagonista Mack, o filme passa por momentos importantes durante a vida dela, desde a chegada do primeiro amor até as perdas sofridas. A conexão com sua irmã Josie (Jayah Henry, Moses Ingram) é o seu laço emocional principal, a acompanhando no decorrer de todo seu caminho. As relações femininas possuem a sensibilidade necessária para contar como esses vínculos são essenciais para a trajetória de amadurecimento de uma garota, algo que evidencia a liderança de uma mulher no roteiro e direção da obra. Embora não sejam tão diretamente exploradas, o grande destaque da história fica nas mãos das meninas e mulheres que compõem a vida de Mack.
Os cortes não permitem que muitos dos outros personagens sejam vistos: até aqueles que aparecem recorrentemente, são mostrados poucas vezes por inteiro. A falta dessa presença atrapalha a ligação com o que está sendo mostrado. Ainda que Jackson crie um clima de intimidade através dos aspectos técnicos, falha ao tentar cativar esse sentimento com o roteiro.
Todas As Estradas de Terra Têm Gosto de Sal possui seus méritos e se esforça como estreia da cineasta, contudo, é um esquecível lançamento, que passa longe de repetir a excelência de outras produções do mesmo gênero.
O filme está em cartaz nos cinemas. Confira o trailer: