Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Crônica | Alinhando meus chacras

“Quer alinhar seus chacras? Se livrar da energia negativa? Aqui é o lugar certo para alcançar plenitude espiritual!”
Por Manuela Trafane (manutraf@usp.br)

Checando meus e-mails, uma correspondência da academia que frequento prendeu minha atenção: “Vagas abertas para aula de ioga gratuita!”. O momento foi mais que ideal. Eu estava tendo uma semana complicada; faculdade, trabalho, amizades, relacionamentos… Todos temos aqueles dias em que juramos vingança ao universo, ou pelo menos à meia dúzia de pessoas. 

O cartaz prometia paz: “Quer alinhar seus chacras? Se livrar da energia negativa? Aqui é o lugar certo para alcançar plenitude espiritual”. Inscrevi-me para a próxima sessão — que já aconteceria na manhã seguinte, durante meu horário livre. O universo parecia já ter pressentido o tal alinhamento, e as coisas haviam começado a funcionar a meu favor. 

Ou nem tanto.

Cheguei na academia atrasada. A sala já estava cheia, então me sentei na última fileira, ao lado de duas mulheres. O aroma e as leggings lululemon me fizeram pensar que as figuras se tratavam das clássicas mães do pilates; nesse caso, do ioga. 

— Você viu o trabalho da filha da Catarina? – questionou a primeira.

— Qual é a Catarina mesmo?

— Aquela que fez o nariz e ficou assim — esclareceu enquanto levantava a ponta do próprio nariz de forma a imitar um focinho de porco.

— Ah, a da filha gordinha? 

— Isso mesmo. Coitada, puxou o pai; antes da bariátrica ele era assim.

A interlocutora assentiu com a cabeça.

— Não vi o trabalho dela, era aquele do foguete de garrafa?

— Exatamente. Você não vai acreditar, eu tenho certeza que quem fez foi a própria Catarina! O foguete praticamente chegou em Júpiter, e a menina é burra feito uma porta! É impossível isso!

Nesse momento, a professora entrou na sala: 

Namastê, alunas e alunos! Estão prontos para embarcar numa jornada de conhecimento pessoal? Vamos começar com a respiração.

Olhei ao meu redor e percebi que todos fecharam seus olhos. Fiz o mesmo. Comecei a “cheirar a flor” e “assoprar a vela”, tentando expulsar os pensamentos da minha cabeça pelo sopro da boca, à força. Até que…

— Meu Deus, olha o cabelo dela, amiga – sussurrou uma das duas mulheres.

— Meu Deus.

Olhei curiosa ao redor da sala, até perceber que se referiam à nossa instrutora, cuja testa estava vermelha devido à tinta de cabelo, provavelmente usada há pouco. 

“Tudo bem”, pensei. “Vou respirar, o mundo fica lá fora”.

Inspirei.

Expirei.

“Será que a tinta do meu cabelo tá assim também? Eu colori ontem… talvez.” Passei o dedo na minha testa. Nada saiu. “Tudo bem, foco”. 

— Agora, vamos para as primeiras posições de hoje: a Vaca e o Gato. Enverga as costas como o gato, contrai o abdômen e empina a bunda como a vaca — demonstrava a mulher de testa vermelha.

— Só se for a vaca da Catarina — cochichou agora a mulher mais próxima a mim, enquanto tentava esconder sua risada. 

Eu tentava não prestar atenção nas minhas duas vizinhas, que perdiam o controle e riam mais alto, desesperadas. 

— Agora, o Cachorro Olhando para Baixo.

As amigas gargalharam ainda mais, enquanto emitiam sons indistintos. “Falando em cachorro, preciso comprar comida para o Thor saindo daqui”, pensei comigo mesma. “E quando passar no mercado, aproveitar e já pegar o que tá faltando lá pra casa, tipo detergente e… O que mais, mesmo? Meu Deus, eu não lavei a louça hoje cedo.”

— Coloca uma das pernas estendidas lá na frente, para fazer a posição do Corredor!

— Corredor vai virar o marido dela quando perceber quem ela realmente é.

“E eu já não me lembro se a Marina realmente vai jantar comigo hoje, será que eu preciso confirmar com ela? E ela é vegana, então não vai querer comer pizza. No mercado eu penso em alguma coisa”.

— Agora o Bebê Feliz

— Ela precisa beber pra ficar feliz, na verdade…

“Caramba, a bebida. Eu não comprei nada! Não posso esquecer, porque da última vez… Aliás, será que o Renato vem com a Marina? Ai não, ele vai me perguntar sobre as coisas do trabalho que a gente está fazendo junto, e eu ainda preciso acabar as demandas do estágio antes.”

— Por último, a Savasana. Você pode se deitar, sentir seu corpo, sentir o chão…

— Vou te falar o corpo de quem eu queria sete palmos dentro do chão!

“Ok, ok… Concentração, sente seu corpo… Minha blusa branca novinha nesse piso sujo, ai que nojo!”

— Parabéns, turma! Por hoje, é só. Espero ver vocês de novo semana que vem! – finalizou a professora. Tentei respirar fundo uma última vez. Meus chacras continuavam desalinhados.

— Ai amiga, eu me sinto tão mais leve, como se toda a energia negativa tivesse saído de mim!

— Eu também! Vamos ao banheiro tirar uma foto?

*Foto de capa: Reprodução/Pexels

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima