Jornalismo Júnior

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

‘Frankenstein’: uma perspectiva contemporânea sobre o preço da criação | 49ª Mostra Internacional de Cinema de SP

Nova adaptação da obra literária de Mary Shelley traz um olhar profundamente humano e inquieto sobre a criação, a solidão e os limites da ciência
Por Sofia Matos (sofi.matos@usp.br)

Apresentado na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o longa Frankenstein (2025), dirigido e roteirizado pelo premiado cineasta Guillermo del Toro, estreia nos cinemas brasileiros neste dia 23 de outubro (quinta-feira) e chega à Netflix em 7 de novembro (sexta-feira). A produção revisita o clássico literário de Mary Shelley, publicado em 1818, com uma perspectiva que se distancia das versões convencionais e prioriza o olhar humano sobre a criação.

A produção chega com grande expectativa do público e da crítica, tanto pelo nome envolvido na direção quanto pela proposta de recontar uma das narrativas mais conhecidas da cultura ocidental. Del Toro faz isso de uma maneira diferente, ao construir  um filme dividido em duas partes, a primeira contada pela perspectiva do cientista Victor Frankenstein e a segunda pela da criatura. Essa estrutura fragmentada permite que o espectador veja o mesmo acontecimento sob ângulos distintos, revelando duas leituras sobre o que significa “criar vida”.

Na Parte I, o público é apresentado a Victor Frankenstein (Oscar Isaac), um pesquisador obcecado em superar os limites da vida e da morte. Movido pela perda e pela ambição, ele constrói uma criatura cuja primeira aparição resume a essência do filme: um corpo que desperta, um criador que hesita e uma vida que nasce sem desejar existir. Essa primeira metade acompanha o processo de pesquisa e a deterioração psicológica do cientista, que, ao alcançar seu objetivo, se depara com as consequências éticas do próprio experimento. 

A Parte II altera completamente o ponto de vista e a história passa a ser contada pela criatura (Jacob Elordi), que surge não como um monstro, mas como um corpo em busca de alma, um ser que deseja compreender o mundo e a rejeição do seu criador. A mudança de perspectiva transforma o tom do filme, se a primeira metade é movida pela obsessão, a segunda se constrói sobre a busca por identidade e aceitação.

Oscar Isaac dá vida ao cientista que enfrenta as consequências do próprio experimento [Imagem: Divulgação/Netflix]

Frankenstein então adota um ritmo mais contemplativo e acompanha a trajetória da criatura fora do laboratório, mostrando suas tentativas de contato com outras pessoas, a descoberta do medo e a percepção de que foi criada sem propósito. O contraste entre as duas partes destaca o desequilíbrio moral que sustenta toda a obra.

A escolha de dividir a trama em duas partes é o ponto mais ambicioso da produção. Del Toro transforma o romance de Shelley em uma discussão contemporânea sobre ética científica. A estrutura contrapõe a lógica fria do criador à percepção emotiva de sua criação, questionando a responsabilidade de quem produz algo que não pode controlar. Essa dualidade reflete um tema recorrente na obra do diretor,  a linha tênue entre humanidade e monstruosidade.

Tecnicamente, Frankenstein impressiona pela consistência. A direção de arte, assinada por Tamara Deverell, constrói ambientes de época com forte presença visual, laboratórios iluminados por chamas, interiores úmidos e ruas cobertas de neblina.

A fotografia de Dan Laustsen diferencia as duas partes, com tons azulados e frios predominam na visão de Victor e luzes quentes e cores mais naturais surgem na perspectiva da criatura. A trilha de Alexandre Desplat mantém discreta tensão e evita o sentimentalismo, reforçando o caráter trágico da narrativa.

 Mia Goth interpreta Elizabeth Lavenza, interesse amoroso de Victor Frankenstein [Imagem: Divulgação/Netflix]

As atuações sustentam o tom dramático do longa. Oscar Isaac entrega um Victor Frankenstein contido e racional, cujo discurso científico se desmancha à medida que o personagem se confronta com a culpa. Jacob Elordi, por sua vez, assume papel central na segunda metade, interpretando a criatura com expressividade física e olhar inquisitivo. Sua performance transmite fragilidade sem recorrer à piedade, o que torna a segunda parte mais emocional e humanizada.

A nova versão de Frankenstein se diferencia de outras adaptações justamente pela escolha de olhar para dentro. O horror não reside na criatura, mas na incapacidade humana de lidar com as consequências da própria criação. Del Toro constrói um filme sobre culpa, solidão e desejo de redenção. O que poderia ser apenas uma história de terror se transforma em uma narrativa sobre a necessidade de amor e o medo de rejeição, sentimentos universais que tornaram a obra de Shelley atemporal.

Apesar do domínio técnico, Frankenstein não é um filme de ritmo acelerado. A estrutura dividida e o foco na construção psicológica exigem atenção e disposição para acompanhar os detalhes. Essa escolha pode afastar parte do público que espera uma narrativa linear, mas reforça o propósito do diretor de priorizar a análise e o dilema moral em detrimento do suspense. O resultado é uma obra densa, que aposta mais na reflexão do que na ação.

Dessa forma a nova adaptação de Del Toro demonstra como o cinema pode revisitar um clássico sem depender da nostalgia. O diretor mantém o respeito pelo material original, mas atualiza a narrativa com olhar crítico e contemporâneo. A divisão em duas partes funciona como estrutura narrativa e comentário moral: o criador e a criação coexistem como espelhos, e suas trajetórias revelam o mesmo fracasso. O filme, portanto, se estabelece não apenas como uma reinterpretação, mas como um estudo cinematográfico sobre culpa e consequência.

Esse filme faz parte da 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Confira no site oficial as sessões disponíveis. Para mais resenhas do festival, clique na tag no começo do texto.

Frankenstein já está disponível nos cinemas brasileiros. Confira o trailer:

*Imagem de capa: Divulgação/Netflix

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima