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Máfia do apito: 20 anos do maior escândalo do futebol brasileiro 

Relembre o caso que marcou para sempre a arbitragem no Brasil
Por Gabriel Albuquerque (gabrielalbuquerque@usp.br), Giovanna Martini (m.martini@usp.br) e Victória Guedes (victoria.guedes12@usp.br)

Revelado em 23 de abril de 2005 pelo jornalista André Rizek, o escândalo conhecido como a Máfia do Apito continua marcado como o maior golpe contra a credibilidade da arbitragem no futebol brasileiro. O esquema envolvia árbitros que manipulavam resultados de partidas das principais competições nacionais, com o objetivo de favorecer apostadores e obter lucros por meio de placares previamente combinados.

Agora, duas décadas depois, o caso volta aos holofotes: com o lançamento do documentário A Máfia do Apito (2025) sobre o escândalo no Globoplay, o episódio desperta debates e reabre feridas de uma das polêmicas mais emblemáticas do esporte nacional.

Foi a primeira vez que o Campeonato Brasileiro teve partidas anuladas por manipulação de resultados [Imagem: Reprodução/X: @VEJA]

O escândalo e seus bastidores

De acordo com as investigações promovidas pela Polícia Federal na época, os árbitros Paulo José Danelon e Edílson Pereira de Carvalho foram acusados de interferir diretamente no resultado das partidas em que eram escalados. O envolvimento dos dois tinha o intuito de beneficiar os apostadores liderados por Nagib Fayad, o “Gibão”, apontado como mentor do esquema. Segundo a apuração, os juízes recebiam cerca de R$10 mil por cada partida manipulada.

O impacto do esquema era inimaginável: ao longo das investigações, foram contabilizados ao menos 39 jogos suspeitos, entre disputas pela Libertadores, Sul-Americana, Campeonato Paulista e as séries A e B do Campeonato Brasileiro. Apesar disso, somente os jogos da primeira divisão do Brasileirão, organizado pela CBF, foram realizados novamente. A decisão gerou polêmica, já que Edilson admitiu ter ganhado mais dinheiro com as partidas do Paulista. O árbitro, filiado à Federação Paulista de Futebol (FPF) e à Fifa,  chegou a dobrar os R$10 mil iniciais por jogo, enquanto Danelon faturou R$30 mil por três jogos do estadual.

A anulação de 11 jogos naquele ano beneficiou diretamente o Corinthians, que pôde jogar novamente dois clássicos que havia perdido. Dessa vez, com um empate com o São Paulo e uma vitória sobre o Santos, o Timão conseguiu quatro pontos a mais, resultados que alteraram diretamente a tabela final do Brasileiro de 2005.

Hoje, 20 anos depois, o time do Internacional luta por uma divisão do título de 2005, já que para muitos torcedores e analistas, o resultado do campeonato foi injusto. Naquele ano, o Corinthians terminou como campeão, somando 81 pontos, três a mais que o Inter. No entanto, sem os quatro pontos obtidos nos jogos remarcados após o escândalo da Máfia do Apito, o time paulista ficaria um ponto atrás da equipe gaúcha. 

tabela do Brasileirão de 2005 após os jogos realizados novamente após o descobrimento da interferência na arbitragem

Sem as partidas anuladas pela CBF, o Corinthians teria terminado como vice-campeão brasileiro, enquanto o Santos ficaria na sexta colocação na tabela [Imagem: Reprodução/Google]

No documentário disponível no Globoplay, Edilson admitiu a fraude: “Eu mudei o campeão brasileiro. Sem a Máfia do Apito, a equipe campeã seria o Internacional, o campeão seria o Internacional”. A série, que conta com três episódios e relembra o esquema de manipulação baseado nas apostas ilegais, também exibiu fortes declarações de Alberto Dualib, presidente do Corinthians entre 1993 e 2007.

“Ganhou, mas se não fosse a merda da anulação dos 11 jogos, nós estávamos fora. O campeão de fato e direito seria o Internacional”

Alberto Dualib em áudio reproduzido no documentário A Máfia do Apito

Além de toda a polêmica em volta do esquema, no confronto direto entre Corinthians e Internacional pela 36° rodada do Brasileirão, outro acontecimento é causa de revolta do time gaúcho. Na ocasião, o árbitro Márcio Rezende de Freitas expulsou Tinga, do Internacional, por suposta simulação do jogador em um lance de pênalti. Na época, a decisão causou indignação durante a transmissão da Globo. Walter Casagrande, assumidamente corinthiano, chegou a declarar “Absurdo, uma coisa absurda o que o Márcio Rezende fez”. 

O próprio árbitro, em depoimento no documentário reconheceu o erro: “Corri errado, estava mal posicionado. Fizemos a súmula e, na hora que saí, estava toda a imprensa me esperando”. O jogo, realizado no estádio do Pacaembu, terminou em 1 a 1 e, apesar do erro, Edilson reforçou que o equívoco do colega de profissão não tinha nenhum envolvimento com o esquema de manipulação.

Investigações

As investigações sobre um possível esquema de corrupção e manipulação de resultados começaram com gravações telefônicas realizadas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado), braço investigativo do Ministério Público de São Paulo (MPSP), e pela Polícia Federal (PF). No primeiro dia de investigações, as autoridades descobriram um registro de Edilson comentando sobre o jogo entre Vasco e Figueirense e o favorecimento da arbitragem para o time carioca. 

Edílson Pereira de Carvalho foi preso no dia 29 de setembro, na cidade de Jacareí, um dia após a publicação de uma  reportagem da Revista Veja sobre o caso. Nagib Fayad também foi preso na mesma data, em uma boate em São Paulo. Cinco dias depois, os dois envolvidos no escândalo foram liberados, assim como o empresário Wanderlei Pololi, acusado de ser o intermediário entre Edílson e Nagib

Repercussão nacional e cobertura da imprensa

Após André Rizek e a  Veja exporem o esquema de manipulação de resultados, a imprensa nacional, bem como veículos de outros países, realizou uma ampla cobertura do caso. A revista Placar também foi destaque na cobertura, com um dossiê sobre o caso produzido por Rizek e publicado dois meses depois, após a realização dos novos jogos.

Após sair da prisão, Edílson Pereira de Carvalho começou a cobrar taxas para realizar entrevistas à imprensa, que eram prontamente pagas pelos veículos. Em muitos desses encontros, o árbitro fez acusações contra pessoas relacionadas à FPF,que, segundo ele, o procuravam para que ele interferisse na arbitragem de diversas partidas.

Dentre os acusados por Edílson estava  Armando Marques – ex-presidente da Comissão Nacional de Arbitragem (CNA) –, que supostamente havia pedido por uma interferência em uma partida do Flamengo contra o Juventude, na Copa do Brasil de 2001. Quem também fora acusado foi Reinaldo Carneiro Bastos, vice-presidente da FPF na época em que o esquema esteve em atividade.

envolvidos no maior escândalo da arbitragem brasileira

Envolvidos na “Máfia do Apito” em reunião extraordinária realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos do Consumidor [Imagem: Reprodução/Alesp]

O posicionamento dos clubes

Após a CBF optar por refazer as partidas do Brasileirão que poderiam ter sofrido interferência, o clube que mais contestou a decisão da confederação foi o Internacional, que até aquele momento, estava na liderança do Campeonato Brasileiro.  Já o Corinthians se disse a favor da decisão da CBF desde o início, alegando que aquela era a maneira mais justa de corrigir os erros de arbitragem.

Além dos dois clubes que disputavam o título, outros times também se posicionaram sobre o caso. A diretoria do São Paulo argumentou que a “punição coletiva” beneficiaria um clube específico e prejudicaria os outros. Quem também se manifestou foi o Santos, que afirmou que a anulação dos jogos seria “ilegal”, na visão do clube.

Julgamentos e punições

Na esfera esportiva, as decisões limitaram-se apenas ao Campeonato Brasileiro daquele ano, mesmo com a suspeita de que muitos outros resultados das mais diversas competições estavam comprometidos pela arbitragem tendenciosa dos envolvidos.No entendimento do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), havia competições que não estavam sob a jurisprudência da corte, como a Libertadores.  Algumas outras não poderiam ser realizadas novamente por questões de chaveamento ou por já terem sido encerradas – como a Série B do Campeonato Brasileiro e o Campeonato Paulista, respectivamente.

Já na esfera penal, os três principais envolvidos, Edílson Pereira de Carvalho, Nagib Fayad e Paulo José Danelon, foram formalmente denunciados por formação de quadrilha e estelionato. Porém,devido à falta de jurisprudência e de casos semelhantes na justiça brasileira, a ação penal foi suspensa em 2007 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Apenas  multas foram aplicadas contra os acusados. 

Além das punições nos tribunais comuns, os árbitros também foram punidos no esporte, com Edílson proibido de apitar jogos da CBF e da Federação Internacional de Futebol. Danelon foi banido apenas no cenário nacional, visto que sua participação no esquema foi de menor relevância. Apesar disso, nenhum dos envolvidos foi punido por crimes vinculados à esfera esportiva. 

Em entrevista ao Arquibancada, Bruno Henrique de Moura, formado em direito pela Universidade de Brasília, mestrando pela Universidade de São Paulo e árbitro formado, comenta sobre o caso: “Na época, não existia um tipo penal específico para tratar disso. Hoje, a Lei Geral do Esporte prevê, sim, efetivamente, essas punições”.

O caso da Máfia do Apito foi um dos eventos responsáveis pela criação do Estatuto do Torcedor em 2010, que estabeleceu a definição de manipulação de resultados e as punições previstas. Desde então, a CBF tenta limpar a imagem da arbitragem brasileira com mais transparência e rigor contra erros de arbitragens.

20 anos depois: O que mudou?

Ainda depois de tanto tempo, os impactos do caso da Máfia do Apito ainda estão presentes no futebol brasileiro. Casos de supostas manipulações de resultado são frequentes na mídia. Em 2024, John Textor, dono da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Botafogo, afirmou ter provas concretas de que o Palmeiras teria sido favorecido pela arbitragem nas temporadas de 2022 e 2023. Apesar das diversas entrevistas dadas pelo empresário, nenhuma prova nunca foi apresentada, e o caso caiu no esquecimento da imprensa. Em nota oficial, a equipe alviverde repudiou as acusações sofridas e afirmou que entraria na justiça para resolver o caso. 

elenco do palmeiras comemora resultado contra o botafogo

A virada por 4 a 3 em 2023, decisiva para o título do Palmeiras, marcou o início do agravamento da rivalidade com o Botafogo [Imagem: Reprodução/Instagram/@palmeiras]

Desde a polêmica de 2005, as suspeitas de manipulação de resultados por árbitros passaram a fazer parte constante das discussões sobre o futebol brasileiro. Apesar dos inúmeros erros de arbitragem registrados em todas as temporadas, a credibilidade dessas reclamações se perde quando a crítica aparece apenas quando é conveniente.“Claro que uma história como a Máfia do Apito deixa uma marca. Eu não sei se algum dia vai cicatrizar no nosso sistema esportivo. Mas eu não acho que esse seja o motivo principal das críticas hoje à arbitragem”, comenta Bruno Henrique de Moura.

“É mais fácil culpar a arbitragem que admitir que você perdeu porque você não foi efetivo, […] porque você armou mal o time.”

Bruno Henrique de Moura

Apesar de receber algumas críticas sem fundamento, a arbitragem brasileira ainda deixa a desejar. Um dos últimos grandes casos ocorreu no confronto entre São Paulo e Palmeiras, válido pela 27° rodada do Campeonato Brasileiro, que terminou no placar de 3 a 2 para a equipe alviverde. 

A grande polêmica da partida ocorreu no primeiro tempo do jogo, quando o São Paulo vencia por 2 a 0. Na ocasião, a diretoria tricolor reclamou de um pênalti não marcado em Gonzalo Tapia. Ainda houve questionamentos sobre a não expulsão de Andreas Pereira após falta em Marcos Antônio. A equipe de arbitragem de vídeo não se opôs às decisões tomadas em campo pelo árbitro Ramon Abatti Abel. A CBF, em meio ao momento conturbado da arbitragem brasileira, se manifesta por notas oficiais reconhecendo o erro por parte dos árbitros, postura que não têm se provado efetiva. 

A Comissão de Arbitragem da CBF considerou corretas 53 das 65 decisões polêmicas analisadas no Campeonato Brasileiro

Erros, comprados ou não, causam sequelas igualmente. No caso da Máfia do Apito, em que o Internacional ficou com o vice-campeonato após a anulação das 11 partidas, as consequências perseguem o clube colorado até os dias de hoje. São 46 anos do time gaúcho sem levantar a taça do Campeonato Brasileiro. 

Já na atual temporada, segundo levantamento feito pelo jornalista Gabriel Reis, o Palmeiras acumulou 15 pontos em erros de arbitragem, deixando a equipe alviverde na liderança da competição. Essas polêmicas não só levantam dúvidas sobre a preparação dos árbitros, como também desanimam torcedores, que passam a perceber o resultado dos jogos como algo sujeito à sorte ou à arbitrariedade. “Então, às vezes, o mero caráter preventivo da norma não é suficiente para impedir quem realmente quer manipular resultado”, completa Moura.  

Após tantos escândalos com a arbitragem brasileira, a CBF anunciou, no dia 23 de outubro, a criação de um Grupo de Trabalho (GT) da Arbitragem, que tem como objetivo aprimorar a qualidade, transparência e padronização dos árbitros. A diretoria do GT será composta por Netto Góes, presidente da Federação Amapaense De Futebol, como diretor, e Helder Melillo, diretor executivo da CBF, na relatoria. A medida surge em meio à pressão de clubes, jogadores e torcedores por maior profissionalização da arbitragem no país.

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