Qual seria a melhor maneira de destruir um punk? Foi o que Cesar Cabral, diretor do longa Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente (2021), perguntou-se. A resposta, para ele, era clara: um bando de mini Elton Johns. A partir desse conflito entre o punk Bob Cuspe e os pequenos rocketmans, nasce o filme de Cabral, que é feito inteiramente em stop motion. O formato, caracterizado por sequências de fotos que simulam movimento, é desafiador: cada quadro demora mais de meia hora para ser montado e os personagens são movimentados milimetricamente.
Com o intuito de mostrar ao público o complexo e inspirador processo por trás do longa, o CineSesc abriu as portas para a exposição “A Arte da Animação Stop Motion”, sob coordenação dos idealizadores do filme, Cesar Cabral e Ivan Melo. Com apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (ProAC), o local incorpora cenários, bonecos, vídeos, troféus e set de filmagem em um panorama didático do processo de animação audiovisual.
Animação em Stop Motion
O intrincado processo de produção de stop motion pode passar insuspeito pelo espectador, que assiste aos movimentos fluidos do filme de Cabral e parece vê-lo se desenrolando naturalmente na frente de seus olhos. Mas não é bem assim. A produção do longa envolveu equipes de animação, engenheiros para a produção dos bonecos, storyboards e um estudo profundo das movimentações corporais e fonéticas. Segundo Cabral, a gravação do longa foi um processo lento e que demandou muita paciência: “Se gravávamos três segundos por dia, já era lucro”, conta o diretor do longa, que tem duração de uma hora e meia, durante a visita guiada.
Dentre esses processos, a dublagem recebeu atenção especial da produção do filme. A gravação das vozes teve que ser feita previamente à animação para que se pudesse estudar o lip sync e modelar os diversos formatos de boca que simulam os fonemas da fala. “Um dos desafios é colocar vozes que as pessoas não vão estranhar”, relata Cabral sobre trabalhar com personagens já conhecidos pelo público.
A exposição
E todo esse esforço por trás das câmeras ganha foco na exposição, que conta com três espaços para serem desvendados. O primeiro é a sala de imersão, que fica no espaço de café do CineSesc e conta com paredes decoradas e diversos bonecos que foram utilizados no longa, além de storyboards, ilustrações manuais e digitais da trama.
O segundo espaço é no Anexo 1 do Cinesesc, que fica ao lado da entrada do cinema de rua. Materiais, moldes, prêmios e bonecos estão expostos no local, ambientado com uma decoração repleta de referências ao filme. Lá, o público é convidado a entender o desenvolvimento dos bonecos — dos moldes até o produto final — ao lado de um integrante da equipe de animação do longa, durante a visita guiada. O guia diferencia os diversos materiais utilizados na produção e apresenta o processo de impressão 3D e de elaboração dos esqueletos metálicos, que permitem o movimento do boneco.
Por fim, o terceiro espaço fica no segundo andar do cinema, que pode ser acessado por escadas ou elevador. O local consiste na reprodução de um estúdio de stop motion interativo. Com câmeras, iluminação e cenário montados, o processo de gravação é explicado pelo guia, que mostra, de forma prática, como são gravados os movimentos dos bonecos.
O CineSesc apresenta dois cenários do filme reproduzidos, muito distintos entre si,e que dialogam com os contrastes entre os personagens de Angeli e de Bob Cuspe no longa. No primeiro andar do Anexo, o visitante tem acesso ao excêntrico ambiente em que o punk circula, marcado por fantasia e explosões, enquanto no segundo andar é apresentado o escritório do cartunista, inserido em um espaço urbano e cinzento que reflete a crise criativa em que ele se encontra.
Dos rascunhos ilustrados até a gravação dos últimos movimentos: a exposição “A Arte da Animação Stop Motion” aborda todo o processo de produção de um stop motion, traçando um panorama completo do gênero audiovisual.
Afinal, quem é o Bob Cuspe?
Publicadas na década de 1980 nas páginas do jornal Folha de S. Paulo, as tirinhas de Bob Cuspe foram idealizadas pelo cartunista Angeli com o objetivo de ironizar os grupos punks de São Paulo. Com pele verde, moicano e piercing, o velho punk não é chamado de “Cuspe” por acaso: nas tiras de Angeli, era comum vê-lo expelindo saliva para cima de seus desafetos. Bob Cuspe marcou uma geração e retorna no longa de comédia Bob Cuspe: Nós Não Gostamos Gostamos de Gente, permitindo que a juventude atual entre em contato com o ícone dos anos 80.
Premiado no Festival de Annecy, o mais importante festival de animação do mundo, o filme, Bob Cuspe: Nós Não Gostamos de Gente, está disponível no Globoplay. Na trama de Cesar Cabral, Angeli decide matar Bob Cuspe, uma prática comum para o cartunista, conhecido por assassinar seus personagens mais populares. Bob Cuspe passa a lutar contra os Elton Johns devoradores de tripas enviados por Angeli enquanto busca seu criador para pedir satisfações. Além do célebre punk, o filme também revive personagens clássicos das tirinhas de Angeli, como Rê Bordosa, os irmãos Kowalski e os Skrotinhos.
Em um país cujo mercado de animação é incipiente e desencorajador, Cabral inspira ao mostrar, a partir do longa de Bob Cuspe, que é possível, sim, fazer animação de qualidade no Brasil. A exposição no CineSesc — que oferece sessões guiadas para escolas mediante agendamento prévio — serve de referência para a juventude; um incentivo para novos talentos na animação brasileira.
A exposição, que é gratuita, fica aberta para o público até 30/04, de segunda a domingo, das 14h30 às 20h30. Para a visita guiada, também gratuita, é necessária uma inscrição no site do Sesc, pois existem horários específicos em que os guias estarão apresentando o processo.
Imagem de Capa: Divulgação