Não faz muito tempo e saiu em vários jornais – ainda no início do mês, EUA e Rússia realizaram a maior troca de espiões desde a Guerra Fria. Os onze russos encontrados em solo americano aparentemente faziam parte de uma rede de espionagem (dada como ilegal por Moscou), e haviam assumido identidades norte-americanas para se aproximar de lideranças políticas. Uma das suspeitas, uma moçoila ruiva (de tirar o fôlego, diga-se de passagem) chegara a se casar. Era o que explicava o Daily Telegraph, há algumas semanas, sob o título “The Spy Who loved me”. Coisa de cinema? Salt que o diga. Com estréia nessa sexta-feira, 30, o novo longa de ação de Angelina Jolie traz uma trama de espionagem bem amarrada. Crivado por reminiscências da Guerra Fria, o filme até poderia soar um tanto datado, não fossem os recentes acontecimentos.
Evelyn Salt (Jolie) é uma experiente espiã, um dos grandes nomes da CIA. Depois de ter passado por poucas e boas em serviço, tudo que ela quer é um pouco de sossego – assumir um cargo administrativo, curtir as bodas com um pesquisador do Smithsonian, ir pra casa comemorar o aniversário de casamento. É quando surge Orlov, um desertor russo que diz ter segredos importantes a revelar. Segundo ele, um programa gestado ainda durante a Guerra Fria recrutou crianças para serem treinadas como espiãs. Criados na Rússia, aprendendo sobre a vida e cultura dos EUA, esses agentes deveriam se infiltrar na sociedade americana, e esperar até o Dia X, aquele em que, reza a lenda, atacariam os EUA, pondo fim ao Império. Segundo Orlov, a operação começaria com um agente infiltrado matando o presidente da Rússia, em visita à Nova York. O nome do agente? Evelyn Salt.
Jolie é, então, posta contra a parede por seus próprios colegas da CIA. Porém, mais que provar sua inocência, Salt quer voltar para casa e se assegurar de que seu marido não foi seqüestrado por nenhum espião mal intencionado. E, sem pedir permissão ou dar muitas explicações, ela foge, deixando todos apalermados – será ela uma agente dupla ou apenas uma esposa preocupada com a segurança do conjugue?
O plot pode parecer um pouco frágil, admitamos, e não seria o primeiro fracasso do roteirista Kurt Wimmer, autor de filmes como Ultravioleta. Mas é fácil torcer por Angelina, ainda que você não saiba se ela é vilã ou heroína (essa, já aviso, é uma dúvida que não dura muito tempo). Além disso, você quer que ela escape das garras daqueles agentes menos gabaritados, para que a perseguição comece. E, nesse ponto, Salt não te desaponta, honrando o imaginário construído por filmes de espião – onde mais um extintor de incêndio e uma calcinha (!) poderiam se transformar em armas letais? E quem mais além de Angelina poderia fazer tudo isso soar convincente? O trio de atores principais, completado por Liev Schreiber e pelo britânico Chiwetel Ejiofor, ajuda a sustentar a trama que, apesar de ligeira, sofre com alguns deslizes – nada pior do que os flashbacks um tanto piegas mostrando o passado de Evelyn com o marido. Servem apenas para quebrar o ritmo da narrativa, que segue alucinado pelo resto do filme.
O que talvez pareça estranho em Salt é esse retorno aos russos. Afinal, Hollywood já havia nos acostumado a outros vilões – onde estão os árabes aqui? Dia X? Em outros tempos falariam em Jihad. A Coréia do Norte e seu arsenal nuclear até fazem uma ponta no início do filme, mas este está mesmo preocupado com questões mais antigas, talvez mal resolvidas. Afinal, SALT na verdade, é a sigla em inglês para “Conversação sobre os Limites para Armas Estratégicas”, esforço diplomático protagonizado por EUA e URSS entre 1974 e 1975. Nos últimos anos, vem se falando no receio dos governos ocidentais de se intrometer em áreas sob influência russa. A Rússia não saiu do noticiário e talvez Hollywood tenha entendido que é hora de trazê-la de volta ao imaginário de suas platéias. Nem que isso signifique requentar antigas lendas. Mas, afinal, alguém leva a sério o Dia X?
Por Rafael Ciscati