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13ª Mostra Tiradentes SP | ‘Deuses da Peste’: uma obra que vai do clássico ao grotesco

Filme vencedor do maior prêmio do Festival de Tiradentes é exibido no CineSesc
Por Beatriz La Corte (beatrizlacorte@usp.br)

O longa-metragem Deuses da Peste (2025), dirigido por Gabriela Luíza e Tiago Mata Machado, foi escolhido para inaugurar o primeiro dia da 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no último dia 13. O filme recebeu o Prêmio Carlos Reichenbach, maior gratificação do Festival de Tiradentes.

A Trama

Deuses da Peste presta uma homenagem ao teatro e aos clássicos de William Shakespeare ao construir sua narrativa com base nos textos do escritor britânico. O longa, dividido em três atos,  apresenta um envelhecido ator shakespeariano que delira em seu apartamento no centro de São Paulo. 

A chave para a compreensão do filme está na metáfora da peça Rei Lear (1606). No texto de Shakespeare, Ricardo II — um monarca doente e corrupto — sente a “peste” o corromper e, em seguida, corrompe todo o reino ao seu redor.

“Nós não somos nós mesmos quando a natureza, sendo oprimida, condena a mente à sofrer junto com o corpo”

Rei Lear, Ato 3, Cena 4

Em seu casarão, o protagonista delira e mistura a realidade com a ficção que viveu no teatro. Mesmo envelhecido em seu leito, visivelmente louco e afetado por tudo que viveu, o ator ainda age e se projeta como se fosse o rei que interpretava em suas peças. A comunidade ao redor parece também ser tomada pela peste e enlouquece.

Gravada durante as eleições de 2022, a obra traz uma perspectiva literária para o delírio coletivo vivido entre os anos de 2020 e 2022. Neste caso, existe um paralelo entre a peste factual que a sociedade enfrentava — a Covid-19 — e a peste psicológica: a negação da realidade. 

Uma grande eloquência do cinema pobre

Ao final da sessão, os diretores foram convidados para um bate papo, no qual o mediador chamou a obra de ‘uma grande eloquência do cinema pobre’.

O filme se mistura com a eloquência teatral: uma hora assiste-se à Hamlet; na outra assiste-se a um idoso deitado em sua cama [Imagem: Reprodução/Instagram/@ela.ltda]

É visível que o longa não conta com um grande orçamento, em comparação com os filmes do ‘cinema mainstream’. O figurino foi cedido pelo acervo da USP; as locações de filmagem são poucas — a maior parte do filme se passa dentro do casarão — e os aspectos formais da obra são marcados pelo experimentalismo. 

Apesar do baixo orçamento, a conceitualização teórica e técnica do filme é muito sofisticada: os diretores dominam conceitos narrativos de Shakespeare, Hitchcock e Gilberto Gil. O longa ainda perpassa por personalidades e eventos históricos como Alexandre, O Grande, o nascimento de Jesus Cristo, pandemias antigas e contemporâneas.

Tiago Mata Machado e Gabriela Luíza dispõem de um vasto repertório histórico-cultural que não deixa dúvida: essa é uma dupla de fanáticos pelas artes e humanidades. Os diretores sabem muito bem do que querem falar; e querem falar de bastante coisa.

Uma das cenas do espetáculo apresenta o general Heleno, O Pequeno –- uma alegoria ao bolsonarismo [Imagem: Divulgação/Cuy Films]

Outros aspectos formais complementam a eloquência da obra: a trilha sonora rouba o protagonismo para si e o jogo de luz e sombra é muito bem executado.

Em contraponto, é intuitivo afirmar que Deuses da Peste é um filme muito difícil de se consolidar nos cinemas comerciais e sensibilizar pessoas fora da sua própria bolha, tanto pelo teor experimental da obra, como pelo conhecimento teórico necessário para compreender a interpretação narrativa do longa.

A montagem

Com tantos artifícios teóricos e cinematográficos, a linearidade estética e de raciocínio é prejudicada — o filme se propõe a ser mais do que é capaz de materializar. Existem linhas de raciocínio que, se exploradas, complementariam melhor o sentido da obra. 

É evidente que o período entre 2020 e 2022, realmente, foi uma sequência de momentos nonsense na história brasileira: o terraplanismo, a negação da vacina, a histeria bolsonarista, os cancelamentos em massa nas redes sociais, os acampamentos nos quarteis e até a mais ridícula conspiração de que os extraterrestres salvariam o país do resultado eleitoral.

Os diretores afirmaram que o filme se permite ser tomado pela peste: partindo dos conceitos clássicos, o filme passa a utilizar recursos histéricos como gritos, iluminação neon e diferentes músicas [Imagem: Divulgação/Cuy Films]

Em uma ânsia de usar tantos recursos para expressar todos os absurdos do período em uma só obra, o filme falha na conexão entre as cenas. 

No debate após a sessão, a diretora admitiu ter tido dificuldades em seguir um processo criativo linear. Gabriela afirmou que, em geral, ela pensava em cenas distintas, e depois tentava conectar a transição entre elas, seja por luzes, jogo de câmera ou narração. 

Existem muitas obras que se desprendem do conservadorismo cinematográfico sem prejudicar a organização do filme — Deuses da Pestes falha nisso. Se a obra peca por algo, é, com certeza, pelo excesso, não pela falta. O longa é inteligente, ousado, criativo, mas, infelizmente, confuso, desorganizado e inacessível.

Esse filme fez parte da 13ª Mostra Tiradentes | SP. Para mais resenhas do festival, clique na tag no início do texto.

*Imagem de Capa: Divulgação/Cuy Films

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