Esse senhor representante da resistência da mídia física e analógica em plena era digital foi introduzido no mercado fonográfico pela primeira vez em 1948, ao dar um novo formato de 10 polegadas ao álbum “The Voice of Frank Sinatra” lançado pela Columbia Records. A partir daí, o disco de vinil ascendeu sobre os formatos de reprodução musical anteriores e atingiu seu auge em meados dos anos 90, quando os primeiros sinais de seu declínio foram emitidos após seu antigo lugar nas prateleiras das lojas especializadas ser ocupado, progressivamente, por discos bem menores, os CDs. Fábricas se fecharam e seu fim parecia ter sido anunciado.
No entanto, quem se arriscou em dizer que os vinis virariam relíquias da história, cultuados apenas por saudosistas retrógrados e, contudo, viveu para ver, se surpreendeu! Talvez não contassem com a força dessa cultura.
Apesar do grande declínio inicial – quando foram, em muitas casas, descartados ou dados à poeira e ao esquecimento, amontoados dentro de caixas ou no fundo de armários – e das posteriores oscilações de consumo, o vinil vem atravessando gerações e novas tecnologias, sem nunca ter se tornado obsoleto. São quase 70 anos de (r)existência. E mais que isso: nos últimos dez anos, o consumo de vinil ganhou uma sobrevida significativa. Segundo relatório denominado Record Industry in Numbers, divulgado em 2015 pela Federação Internacional da Industria Fonográfica, apesar de estar longe de ser novamente o formato padrão da indústria – ocupando apenas 2% das receitas no mercado mundial –, em meio ao recuo do mercado de mídias físicas e do aumento das mídias digitais, paradoxalmente, as vendas de disco aumentaram 54,7% em 2014. Seguindo essa tendência, 2015 foi, segundo dados divulgados em janeiro deste ano pelo instituto de pesquisas Nielsen, o 10º ano consecutivo de crescimento das vendas do formato, atingindo um novo record, com quase 12 milhões de unidades vendidas.
Refletindo esse fortalecimento, o Brasil – que, atualmente, conta com a única fábrica de grande tiragem em operação na América Latina, a Polysom – ganhará uma nova (e, sua maior) fábrica de discos em breve, a Vinil Brasil, instalada na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. Fundada pelo também poeta, compositor e músico Michel Nath, a ideia de fazer a fábrica surgiu após ter de enfrentar um processo lento e caro na realização de seu primeiro álbum, “SolarSoul”, que, segundo o músico, por não haver condições melhores no país, teve que ser prensado fora daqui. A descoberta de antigas prensas de vinil em um ferro-velho lhe pareceu ser “uma nova luz para toda uma cena” e, após uma série de sincronias e um ano e meio de trabalho envolvendo a reforma das prensas e a montagem da fábrica, a previsão é de que ela entre em funcionamento entre junho e julho deste ano. “O que as pessoas podem esperar”, certificou Michel, “é um disco bem feito, com a máxima qualidade que a gente vai conseguir atingir e com os preços mais honestos que a gente conseguir ter, até que consigamos fazer o preço mais enxuto e reduzido possível (…) para que mais pessoas possam consumir a cultura do vinil”.
O sucesso das feiras de discos também reflete a revalorização do hábito de escutá-los. No Brasil, a maior delas ocorre desde 2011, gratuita e bimestralmente, em diferentes bairros da capital de São Paulo. Para a alegria dos apreciadores do vinil, nela, expositores de diferentes cantos do país se reúnem para promover a venda, compra e troca de LPs novos e usados, de diversos gêneros e preços. O Sala 33 conversou por e-mail com Marcio Custódio, organizador da já tradicional Feira de Discos de São Paulo.
Como e quando surgiu a ideia de fazer a feira?
Surgiu em 2011 quando abri uma loja de discos, a Locomotiva Discos. Tive uma ideia de criar um evento para promover minha loja, e então pensei numa Feira de Discos.
Como vem sendo a procura do público desde então? Dá para traçar uma estimativa em números por edição?
As Feiras foram recebendo sempre maior público até 2013. Desde então, estabilizou num patamar de mil pessoas por edição.
Desde a primeira edição, houve um aumento no número de expositores? Normalmente, quantos são? De onde eles vêm?
Sim, tivemos um aumento. Na primeira Feira tivemos 20 expositores. Atualmente temos uma média de 100. A maioria é do Estado de SP, mas tem alguns do Paraná, Rio de Janeiro, Minas e Santa Catarina.
É possível traçar o perfil de quem compra?
É difícil traçar um perfil exato, mas geralmente são pessoas interessadas em cultura, que têm grande apreço por música.
Quais são os discos mais procurados?
Não dá pra falar de discos específicos, mas os gêneros mais procurados são Rock (e todas as suas vertentes) e Música Brasileira. De todas as épocas.
A quê você atribui a manutenção da cultura do disco ao longo do tempo?
O disco de vinil acabou se tornando um símbolo da música. Mesmo com CD, streaming e MP3, as pessoas olham o vinil com certa ternura. Existe também o ritual, que é mais autêntico. O ouvinte aprecia a capa, o som encorpado, a ficha técnica. É um ritual marcante. É um estilo de vida.
Acha que falta algo no mercado brasileiro para fortalecer ainda mais essa cultura?
Sim, com certeza. Precisa de uma maior interação entre as gravadoras e as lojas de discos. Mais diálogo entre as duas partes. As gravadoras precisam ter um catálogo mais amplo e com mais discos clássicos em catálogo.
Descobrir novos álbuns, antigos ou recém-lançados, encontrar preciosidades que transcendem os ouvidos e chegam na alma e fundir-se ao universo paralelo de outrem através da música que ele faz é maravilhoso em qualquer lugar, mesmo se essa descoberta for mediada pelo digital. O fato é que, comparado com o modo que nos acostumamos a ouvir música, ocorre algo diferente quando se dá inicio ao processo lento e quase ritualístico de se ouvir um LP: abre-se um portal com passagem para outro tempo. Tempo de respiro em meio ao imediatismo nosso de cada dia e de apreço real pela obra dos artistas envolvidos na produção do disco e pelo momento presente. Além disso, longe de ser reduzido ao modismo ou ao status “cult” que ganhou nos últimos anos, vinil é arte e representa toda uma cultura cujas raízes são profundas, sem prazo para acabar.
Por Marcella Affonso
mm-affonso@live.com