Movimentos que negam os fatos científicos ganham força na internet
Por: Bruno Carbinatto (brunocarbinatto@gmail.com)
Poucos anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e da derrota da Alemanha nazista, surgiu um movimento antissemita pregador da ideia de que o Holocausto nunca teria acontecido. Essas pessoas ficaram conhecidas como negacionistas, por negar evidências incontestáveis do genocídio do povo judeu. A partir daí, a palavra negacionismo passou a designar grupos que, por razões religiosas, conspiracionistas ou de benefício próprio, rejeitam as teses amparadas nas provas e no consenso, apoiando ideias controversas e de pouco respaldo.
Na ciência, o negacionismo surge com grupos que opõe-se ao método científico de análise. Os casos mais emblemáticos são os negacionistas do Aquecimento Global, os grupos anti-vacina e, mais recentemente, o movimento terraplanista. Embora a internet seja o principal veículo dessas ideias, o crescimento da aversão às conclusões baseadas em fatos pode ter consequências sociais e até políticas.
Lutando contra o clima
Quando Donald Trump foi eleito presidente da maior potência econômica e militar do mundo, uma da suas bandeiras foi o negacionismo do aquecimento global, contrariando uma tendência internacional existente desde a década 90 de reduzir as emissões de dióxido de carbono e adotar políticas limpas para evitar o aquecimento do planeta. O caso americano é sintomático da expansão recente do movimento que nega a existência ou afirma que a causa do aumento dos termômetros é totalmente natural e sem alteração antrópica. “É muito contraditório, porém, que isso surja justamente quando as evidências são mais e mais avassaladoras”, explica Alexandre Araújo Costa, doutor em Ciências Atmosféricas e professor da Universidade Estadual do Ceará, se referindo ao fato de que 2014, 2015 e 2016 são os anos mais quentes do registro histórico.
Entre os argumentos utilizados por esse grupo, está a premissa de que as interferências do homem no meio ambiente sejam insignificantes a ponto de causar mudanças no clima global e que a mudança climática é algo cíclico e natural no planeta. “Não há nenhuma base científica para o negacionismo climático”, reitera Alexandre Costa, que, em seu canal no youtube , rebate argumentos dos adeptos a essa teoria. O professor explica que a origem desse movimento remete às empresas de combustíveis fósseis nos anos 60 e 70, que utilizaram da cooptação de cientistas para plantar a dúvida na grande mídia e valorizar seus lucros. “É a mesma estratégia utilizada pela indústria do tabaco”, finaliza. Embora seja criticado pela grande maioria da comunidade científica, há alguns pesquisadores da área que corroboram com a teoria negacionista.
Muito mais que apenas uma teoria da conspiração, o negacionismo climático tem ganhado uma faceta política. Embora tradicionalmente associado a setores de direita ligados ao agronegócio, há também um negacionismo “de esquerda”, como personalizado por Aldo Rebelo, ministro filiado ao PCdoB contrário a medidas de redução de emissão de gases intensificadores do efeito estufa. O professor Alexandre considera a politização do negacionismo como resultado da polarização recente: “Não existe CO2 de direita ou de esquerda”.
Apesar de ser um dos movimentos negacionistas mais fortes e mais antigos, a frente contra o aquecimento global não é a única. Mais recentemente, a peculiar teoria terraplanista tem desafiado a lógica e os preceitos mais básicos de toda a ciência e ganhado força ao redor do mundo.
A Terra é Plana!
Tudo o que você aprendeu na escola está errado. A terra não é redonda, é plana. Ela não se movimenta, é estacionária. Não há gravidade, não há espaço, o homem não foi à Lua. Tudo é uma mentira inventada e sustentada pela NASA, uma agência globalista que controla o setor de informações sobre a astronomia. É mais ou menos isso que os terraplanistas acreditam – e querem que você acredite também.
O surgimento do grupo “Terra Plana” ainda é duvidoso. É difícil diferenciar o movimento de uma piada satírica, um “meme”, ou de uma corrente realmente séria que negue a ciência. O que se sabe é que o movimento Flat Earth surgiu na Inglaterra na década de 50, fundado por Samuel Shenton, fortemente inspirado pelas doutrinas religiosas que descrevem a Terra como plana e com apenas 6 mil anos de idade. A Sociedade da Terra Plana, como foi denominada, ganhou força após o falecimento de Shenton e a sucessão do americano Charles Johnson, que transferiu a sede do grupo para a Califórnia. Desde então, as ideias terraplanistas se espalham ao redor do mundo, novamente sem diferenciação clara entre o que é ironia e o que é de fato uma crença científica.
Há vários modelos da suposta Terra Plana. O mais recente diz que a terra é um disco, sendo a Antártica a “borda” do mesmo, coberto por um domo de “vidro” que delimitaria a atmosfera. O sol, a lua, as estrelas e os demais planetas estariam incrustados nesse domo, e eles teriam movimento, pois os membros do grupo acreditam que a Terra é totalmente estacionária. O mapa resultante seria parecido com a projeção cartográfica utilizada pelas Nações Unidas (um dos argumentos utilizados pelos terraplanistas para legitimar a teoria).
Argumentos para comprovar a tese vão de aventuras duvidosas na matemática, em experimentação prática e teorias da física até mesmo às mais controversas experiências, como verificar que o horizonte é totalmente reto através de uma câmera e uma régua. Dessa maneira, a Sociedade da Terra plana possui pouco ou até nenhum respaldo na comunidade científica; suas conclusões estão ligadas a questões religiosas e de fé. Mesmo assim, até agosto de 2017, a página “A Terra é plana”, no Facebook, possuía mais de 70 mil curtidas e um número considerável de postagens defendendo a teoria.
Por mais que pareça (e, para muitos, até seja) uma piada, movimentos como esse podem ter consequências graves para a sociedade em geral, desinformando e alienando. O descrédito na ciência pode, com o tempo, levar a uma população passiva em relação a temas de relevância pública, o que é perigoso.
Ceticismo e o perigo do negacionismo
Michael Specter é um jornalista e divulgador científico norte americano. Atualmente, se dedica a combater a anti-ciência através de palestras, livros e campanhas mundiais. Specter atribui o crescimento dos movimentos negacionismo ao fato de estarmos perdendo fé nas instituições, no governo e na ciência: “Já não temos a mesma relação com o progresso como tínhamos. Hoje, ciência nos remete a bombas nucleares, poluição, substâncias cancerígenas. Isso gera medo na população que pode levar a consequências desastrosas”.
Entre os exemplos mais relevantes, Specter cita o movimento antivacina. Os boatos que as vacinas poderiam levar a doenças, inclusive ao autismo em crianças, fizeram com que muitas famílias ao redor do mundo deixassem de vacinar seus filhos, o que gerou uma crise na saúde pública mundial. “O resultado disso é que o Estados Unidos é o país em que as taxas de vacinação contra o sarampo mais diminui atualmente”, afirma o jornalista.
Porém, para Specter e diversos outros divulgadores científicos, o ceticismo em si não é o inimigo. “Ceticismo implica em um estado de dúvida, de questionamento, mas que se baseia na premissa de que se vai buscar a verdade e aceitá-la a partir das evidências”, explica o professor Alexandre Costa.
Nesse sentido, movimentos negacionistas podem ser extremamente perigosos para a sociedade, propagando ideias errôneas e promovendo o medo e o descrédito do progresso. Muito mais que um simples “meme”, a terra plana e a “farsa do aquecimento global” podem determinar o futuro do mundo nas próximas décadas, como nos provou Donald Trump.
“A Terra GLOBO!”: o perigo do negacionismo DO CRIADOR!