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A verdade sob os olhos de Orwell

“Ninguém busca a verdade, todos estão defendendo uma ‘causa’, com total desconsideração pela imparcialidade ou pela veracidade, e os fatos mais patentemente óbvios acabam ignorados por quem não quer saber deles” (p. 81). Essa frase poderia ter sido escrita em 2020, ano em que o negacionismo e as fake news estão em voga, principalmente quando …

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“Ninguém busca a verdade, todos estão defendendo uma ‘causa’, com total desconsideração pela imparcialidade ou pela veracidade, e os fatos mais patentemente óbvios acabam ignorados por quem não quer saber deles” (p. 81). Essa frase poderia ter sido escrita em 2020, ano em que o negacionismo e as fake news estão em voga, principalmente quando o assunto é ciência e política. No entanto, é uma parte do artigo Como Eu Quiser (1944), de George Orwell.

Esse é um dos textos presentes no livro Sobre a Verdade (2020). A seleção realizada pela Companhia das Letras reúne partes das obras célebres do escritor inglês. Ensaios, cartas, reportagens e até trechos dos famosos livros 1984 (1949) e A Revolução dos Bichos (1945). Com tradução de Cláudio Marcondes, todos os escritos têm como base ideias sobre a verdade.

Capas dos livros 1984 e A Revolução dos Bichos. [Imagem: Divulgação/Companhia das Letras]
Capas dos livros 1984 e A Revolução dos Bichos. [Imagem: Divulgação/Companhia das Letras]
No início há partes do romance Dias na Birmânia (1934), no qual observa-se o ódio de John Flory aos seus compatriotas britânicos, que maltratam os nativos da Birmânia (atual Mianmar). Porém, esse sentimento de revolta diante do imperialismo inglês é resguardado. Flory percebe a injustiça: o “padrão de vida da classe trabalhadora britânica foi e é artificialmente alto porque se baseia numa economia parasitária” (p. 62).

Essa “impensável” liberdade de expressão é um dos focos do livro, principalmente nos regimes totalitários. O autor critica não apenas a censura, mas também o controle de pensamento nesses sistemas. Ao passo que cria uma ideologia, domina a vida emocional e impõe um código de conduta ao indivíduo. Segundo Orwell, diferente dos dogmas católicos, no totalitarismo, as normas são alteradas rapidamente.

As críticas concisas não se resumem apenas aos regimes de Hitler e Stalin, mas também à democracia “burguesa”. Para o autor, o cidadão de um país democrático também é “condicionado” desde o seu nascimento, mas de forma menos rígida do que o seria num Estado totalitário. Ele ressalta que, em momentos de crise, manifestam-se fenômenos totalitários, como “coagir trabalhadores, recrutar soldados de forma compulsória e encarcerar derrotistas” (p. 32).

Evidentemente, o maior destaque da obra é a análise sobre a mídia, em especial o jornalismo e a propaganda. O escritor examina a dependência dos jornais com anunciantes, os quais exercem uma “censura indireta” nas notícias. A falta de liberdade de expressão se deve também ao que é “conveniente publicar”, isto é, devido à opinião pública e interesses do monopólio de donos dos jornais, publica-se o que a “ortodoxia predominante exige”. Orwell usa como exemplo a reação da editora sobre o livro A Revolução dos Bichos, a qual preferiu não publicar, pois há a presença de críticas cirúrgicas à Rússia soviética, aliada da Inglaterra na época.

No contexto da Segunda Guerra Mundial, Orwell defende que todos acreditam nas atrocidades do inimigo e duvidam daquelas cometidas por seu próprio lado, sem examinar as evidências. Nesse sentido, o escritor inglês vai além e observa a questão da verdade para a História. “O Partido era capaz de meter a mão no passado e afirmar que esta ou aquela ocorrência jamais acontecera – sem dúvida isso era mais aterrorizante do que a mera tortura ou a morte” (p. 132).  

Ele segue essa linha de pensamento e imagina que, se houvesse a perpetuação de uma sociedade totalitária, haveria a instituição de um sistema de pensamento esquizofrênico, “no qual as leis do senso comum valeriam na vida cotidiana e em determinadas ciências exatas, mas poderiam ser desconsideradas pelo político, pelo historiador e pelo sociólogo” (p. 109). Segundo Orwell, seria escandaloso falsificar o manual científico, mas não um fato histórico.

Percebe-se que há diversos paralelos das críticas do autor com a sociedade atual. Em diversos momentos durante a leitura é possível até se espantar com tamanhas semelhanças. Por esse motivo e pelo fato da linguagem ser simples e ao mesmo tempo dinâmica, é um livro que pode ser devorado facilmente. Há muitas verdades na obra, mas a que chama mais atenção é a de que o livro é crucial para entender nossa realidade. Não se podia esperar menos de George Orwell, autor de textos atemporais e necessários.

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