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A vida sob encomenda

Por Luiza Queiroz (luiza.agnol@gmail.com) O Dia 24 de Maio talvez passasse despercebido dentre tantos outros domingos no Rio de Janeiro, não fosse o ato promovido pela Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção. Realizado em homenagem ao Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio desde 1996, o evento, assim como suas edições anteriores, tem …

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Por Luiza Queiroz (luiza.agnol@gmail.com)

O Dia 24 de Maio talvez passasse despercebido dentre tantos outros domingos no Rio de Janeiro, não fosse o ato promovido pela Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção. Realizado em homenagem ao Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio desde 1996, o evento, assim como suas edições anteriores, tem como objetivo salientar a importância social da adoção, mas é invariável que se discuta também outras questões referentes à atitude de adotar uma criança.  A adoção é um processo longo e se torna mais lento ainda tendo em vista o descompasso existente entre o perfil desejado pela maioria dos pretendentes e o perfil majoritário existente nos orfanatos.

Segundo Dados do Cadastro Nacional de Adoção, existem 5.624 crianças disponíveis para adoção no Brasil, e 33.633 pretendentes – o que daria uma média de seis possíveis adotantes para cada criança. Entretanto, os interessados na adoção possuem expectativas não só quanto à idade da criança a ser adotada, mas também quanto à sua aparência física: 26,33% só aceitam crianças brancas. Já a porcentagem de adotantes que, apesar de não aceitar exclusivamente crianças brancas, desejam uma com tal cor de pele chega a 91%, de acordo com o levantamento feito em fevereiro de 2012. Crianças pardas são aceitas por 61,2%, e negras por apenas 34,3%.

Entretanto, os dados mostram que as crianças disponíveis são, em grande parte, dissonantes do perfil mais desejado: além de 87,42% possuírem mais de 5 anos de idade (o que só é aceito por 11% dos pretendentes), 67,8% não são brancas. Outras questões, como a origem da criança e se essa é ou não portadora de alguma doença, também interferem em suas chances de ser adotada.

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Certas características físicas, como a cor da pele, são um requisito para muitas pessoas que desejam adotar ou fazer inseminação artificial. (Fonte: Reprodução)

A questão da inseminação

A “escolha” da aparência de uma criança não termina com a adoção. O mesmo perfil racial mostra-se presente nos interessados em realizar inseminações artificiais, ainda que de forma diferente do que ocorre na adoção.

Vera Beatriz Fehér Brand, sócia-fundadora e diretora desde 2007 do banco de sêmen Pro-Seed, explica que aquelas que desejam realizar a inseminação possuem acesso a uma planilha de doadores, cada qual com suas respectivas características físicas e com um número correspondente (já que se trata  de doadores anônimos). Os doadores disponíveis nessa planilha já passaram por todas as etapas de triagem (que visam eliminar espermas contaminados), estando aptos para serem escolhidos de acordo com a cor dos olhos, do cabelo, etnia, altura, peso, e até por critérios não-físicos, como a profissão, a religião, os hobbies, e até mesmo o país de origem de sua família.

Tais informações a respeito dos doadores são repassados às clínicas de reprodução humana, onde o casal ou a mulher que desejem utilizar o esperma de um dos doares são orientados.  “Quando se trata de um casal heterossexual, eles procuram um doador com um perfil fenotípico, ou seja, com as características físicas semelhantes às do marido infértil. Agora, quando é uma mulher solteira ou um casal homoafetivo, eles costumam procurar um perfil, mais alto, às vezes loiro com olhos azuis, sem dar muita importância para a origem da família, profissão, etc”, afirma Vera. O que mais tem importância, porém, são as características físicas: as outras informações geralmente são utilizadas quando o casal ou a mulher está em dúvida entre um ou mais doadores de perfil fenotípico semelhante.

A planilha de doadores, na verdade, divide-se em três, de acordo com as etnias: existe uma planilha para doadores caucasianos, outra para doadores negros e outra para doadores orientais.

A diretora do Pro-Seed salienta também que utilizar o sêmen de um doador de perfil fenotípico popularmente conhecido como “europeu” (olhos e pele clara, cabelo loiro etc) não é garantia de que o embrião possuirá tais características. Outros fatores estão envolvidos na formação da aparência do feto, como por exemplo, a dominância ou recessividade genética de tais características, e também o perfil fenotípico da própria mãe.

O Pro-Seed é praticamente o único banco de sêmen do Brasil, sendo responsável por distribuir o sêmen dos doadores para clínicas de reprodução do país inteiro. Os demais bancos acabam sendo muito pequenos e tendo uma amostragem bastante restrita. Por isso, Vera ressalta a importância das doações voluntárias: quanto mais doadores (e quanto mais distintos etnicamente esses forem), mais facilmente a diversidade é mantida em meio a casais que não conseguem ter filhos sem recorrer aos novos métodos de reprodução.

Planilha lista diversos dados a respeito dos doadores de sêmen.
Trecho da planilha da Pro-Seed que lista diversos dados a respeito dos doadores de sêmen, prática comum no ramo. (Fonte: Pro-Seed/Reprodução)

Não é só no Brasil

No Brasil, é proibido remunerar qualquer doador de órgãos ou tecidos humanos – o sêmen encaixa-se nessa última categoria. A doação é, portanto, completamente voluntária. Caso o sêmen de um doador seja aprovado na triagem, não haverá remuneração monetária, porém  ele receberá os resultados de todos os exames realizados gratuitamente (saberá, por exemplo, se é portador de alguma doença e seu tipo sanguíneo). Os requisitos para tornar-se um doador são: ter entre 18 e 45 anos, ser saudável, e concordar com o anonimato e com o voluntariado. Após a aceitação de tais termos, são agendados os exames de espermograma, o exame de triagem com o médico (exame clínico básico), exames de sangue para teste sorológico, entre outros testes. Ao passar por todos eles , o voluntário – caso aprovado – torna-se um doador e fará, pelo menos, seis doações de sêmen.

Já em outros países, o processo é bastante diferente: nos Estados Unidos, por exemplo, não só os doadores são monetariamente remunerados, como chegam a ganhar altas quantias (que podem chegar a até mil e quinhentos dólares) vendendo sêmen – principalmente aqueles que se encaixam no perfil mais cobiçado pelos bancos de esperma. Em uma reportagem publicada no mês de maio pela revista Piauí, o tema dos mercados de esperma que buscam doadores nas faculdades de elite do país (a maioria sendo pertencente à chamada “Ivy League”: Harvard, Yale, Princeton, Columbia, Brown, entre outras) é explorado. O perfil mais desejado dentre os estadunidenses não difere daquele desejado pelos brasileiros: homens brancos, altos, de olhos e pele clara. O fato de o doador procurado pertencer a uma dessas universidades de elite serviria, para os laboratórios e para os clientes das clínicas de reprodução, como um “atestado de inteligência”. Um dos laboratórios de reprodução citados na reportagem, o ReproLab, explicitava sua preferência em um anúncio no jornal do campus da Universidade de Columbia: “Procuramos por graduandos, mestrandos e doutorandos da Ivy League. De preferência caucasianos”.

Para o sociólogo e doutorando em ciências políticas na Universidade de São Paulo, Vinicius do Valle, essa preferência por um determinado tipo físico para os filhos revela uma consciência por parte da sociedade de que as oportunidades não são iguais para todos. “Logo, as pessoas acabam escolhendo certas características – geralmente raciais – que poderão facilitar a vida de seus filhos. (…) Isso acaba mostrando que as pessoas sabem que a nossa sociedade é profundamente desigual”, afirma. O que levaria os pais a escolherem uma determinada aparência para os filhos seria um desejo de controle sobre suas aparências, associado a diversos estereótipos presentes na mente da sociedade.

Essa seleção já existiu, em maior ou menor grau, em outras fases históricas. “No Brasil, por exemplo, quando os senhores de escravos tinham filhos com suas escravas, – ou anteriormente, com a população indígena – esses filhos não eram aceitos tanto por suas características físicas quanto sociais. O filho considerado legítimo, e que herdava o prestígio social do pai era o filho branco, filho da esposa legítima”, ressalta o sociólogo.

Vinicius também enxerga um paralelo entre essa escolha do perfil fenotípico realizada pelos pais e a eugenia. “A eugenia é a ideia – principalmente vinculada ao século XIX, mas que durou também durante o século XX – de que certas características físicas seriam superiores e de que seria possível controlar a humanidade a partir de tais características. Então, existe sim um paralelo bem grande porque você vê que essas figuras tidas como superiores continuam as mesmas, e que os mesmos critérios são até hoje utilizados pelas pessoas para escolher seus filhos”.

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