Entender os problemas que afligem a Amazônia e seus povos tradicionais por meio da diversidade do cinema nacional é compreender que esse meio tem capacidade de provocar reflexão acerca das causas e consequências geradas por interesses privados na floresta. Que tendem a colocar o seu bem-estar acima das vidas de povos de origem e da terra que os sustentam.
Com o objetivo de discutir o assunto, o Cinéfilos trouxe, de forma aprofundada, alguns filmes brasileiros que falam sobre a Amazônia e os problemas enfrentados pela mesma.
Trilogia Tainá – a simbologia
Quem nunca assistiu Tainá nas telinhas da sessão da tarde ou alugou DVDS dessa garotinha, não é mesmo? A pequena índia é protagonista de três longas: Tainá ー Uma Aventura na Amazônia (2000) dirigido por Sérgio Bloch e Tânia Lamarca, Tainá 2 ー A Aventura Continua (2004) dirigido por Mauro Lima e Tainá ー A Origem (2011) de Rosane Svartman. Apesar de serem construídos com muitos estereótipos acerca da cultura indígena e dos problemas que permeiam a floresta amazônica, as narrativas têm muito a ensinar e denunciar.
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As três obras acima tratam e analisam a Amazônia no cinema nacional abordando temas como meio ambiente, homem e cultura de forma muito rica. A exuberância da floresta é vista através da fotografia e dos recortes cinematográficos dos longas. Tal beleza e patrimônio estão sujeitos a queimadas e a biopirataria, crime contra o meio ambiente que vai desde tráfico ilegal de plantas à animais silvestres
Segundo o relatório nacional sobre o comércio ilegal da fauna silvestre, desenvolvido pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS), o comércio ilegal de vida silvestre, incluindo fauna e flora, movimenta de 10 a 20 bilhões de dólares por ano, sendo a terceira maior atividade ilícita do mundo, depois das armas e drogas. O Brasil por ter uma grande diversidade de espécies contribui com esse mercado ilegal com cerca de 5% a 15% mundialmente.
Os vilões dos filmes são caricaturas das empresas que exploram o território nacional para roubar recursos biológicos, genéticos e conhecimentos tradicionais, tudo isso em prol do capitalismo. Enquanto isso, as populações indígenas que utilizam os elementos da fauna em suas estórias, lendas e superstições, presentes no folclore brasileiro, e que tem os animais como xerimbabos (em Tupi, “coisa muito querida”) são ameaçadas.
A infância e adolescência da personagem Tainá, assim como de tantas outras crianças, é seguida pela formação de conceitos, preconceitos e a desconstrução dos mesmos. Ela, ao longo de cada filme, carrega a bandeira da valorização cultural do povo indígena ― uma das matrizes da construção do povo brasileiro ― e do quão pertinente é preservar a natureza.
Em todos os filmes, Tainá é colocada em novos conflitos que surgem dentro da floresta levando-a a enfrentar os vilões que ameaçam seus xerimbabos, a natureza e as aldeias ao redor. Tudo isso é seguido por uma construção simples e profunda em cada longa, levando qualquer uma a se apaixonar pela indígena e sua garra.
O economista Carlos Young, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuante em desenvolvimento sustentável argumenta: “a floresta não é um espaço vazio de gente, ela sempre foi habitada por povos tradicionais. O processo violento de expulsão dessas populações e o aumento do desmatamento está ligado à elevação de homicídios, porque tem por trás a luta de propriedade da terra”. E afirma que os indígenas possui um riqueza sociocultural gigantesca, além do seu próprio direito de existência.
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É possível chegar à seguinte conclusão: o corpo do nativo se funde com a natureza. São um só em uma mesma situação de vulnerabilidade de extinção, visto que os indígenas precisam da natureza para sobreviver e ela deles para preservação, isso diante do desmate generalizado do Brasil. Tainá é a figura audiovisual consoante dessa problemática vivida por muitas comunidades de várias parte da Amazônia legal do território brasileiro e das demais soberanias vizinhas.
Serra da Desordem – quantos povos indígenas são Carapirus?
O diretor Andrea Tonacci, cineasta italiano radicado no Brasil, com uma peculiaridade genial aderiu à escalada de personagens para viver e reviver o que aconteceu em 1987, com o índio Carapiru.
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Por meio de uma amontoado de cortes cinematográficos que trazem diferentes épocas para reconstruir a história de Carapiru e com uma refilmagem dos acontecimentos, o documentário Serra da Desordem, de 2006, é baseado em uma história real que fala sobre o massacre de uma tribo por não indígenas que cobiçavam suas terras e toda riqueza contida na mesma. Árvores, petróleo, metais, e muito mais.
Carapiru é o único da tribo que consegue fugir da matança tornando-se nômade e começa uma longa saga de vagueação no norte do Brasil. Quantos povos indígenas são Carapirus? De forma realista, as passagens encenadas por ele demonstram o contato com o homem branco e a experiência de estranhamento.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) expôs um aumento nos casos de invasão e exploração ilegal de terras indígenas, de janeiro a setembro de 2019, alertando para 160 casos de invasão em 19 estados. Em 2018 houve 111 invasões registradas, Rondônia e Amazonas foram os estados com maior incidência desta ação.
Dez anos de perambulação são reconstituídas ao longo de duas horas mostrando de forma nada romantizada a realidade de muitos indígenas que têm suas culturas e hábitos desmontados por políticas que legitimam ações de extinção.
Essa é a história de um homem que perde sua humanidade, é acolhido por brancos como se fosse um bicho de estimação, resgatado mais tarde pela FUNAI e levado à Brasília. A cinematografia, trabalhada em cima da veracidade dos fatos, é capaz de restituir o status de sujeito, dar voz à Carapiru e ao mesmo tempo à muitas comunidades indígenas.
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O diretor Tonacci coloca muitas questões ao invés de solucioná-las. Carapiru leva sua simplicidade e solidariedade carregando seu povo em alguns objetos junto ao corpo. Essa é a bela retratação trazida pelo cineasta no cinema do século 21.
Amazônia em Chamas – mais atual que nunca
Um seringueiro é queimado vivo, por ir contra as ordens do seu patrão, diante de toda comunidade. Quantos pais, mães e filhos seringueiros morreram em solo amazônico? Essa é a indagação feita por Chico Mendes, seringueiro, ambientalista, sindicalista e ativista político, assassinado em 22 de dezembro de 1988.
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A descrição acima é umas das primeiras cenas do longa Amazônia em Chamas (1994), dirigido por John Frankenheimer, baseado na história de Chico Mendes (Raúl Julia), ambientalista a favor da preservação da floresta e das seringueiras, sustento das pessoas que dependiam da mesma. O desenrolar do filme retrata protestos dos trabalhadores contra o governo e fazendeiros, que planejam construir uma estrada e transformar à terra em pastos. Esses recorreram a queimadas, derrubada de árvores e ao assassinato para atingir seus objetivos.
O co-fundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e biólogo Paulo Moutinho, que trabalha na região há quase 30 anos explica a relação da construção de rodovias e o desmatamento da Amazônia: “todos os investimentos em infraestrutura quando são feitos sem a salvaguarda ambiental ou socioambiental geram impactos negativo. E com a construção de rodovias não é diferente. O que temos hoje historicamente são rodovias sendo abertas sem um planejamento territorial ao longo do eixo rodoviário. A maior parte da área desmatada está ao lado dessas rodovias abertas, especialmente às asfaltadas”.
De acordo com Moutinho, o desmatamento da região tem uma proporção, até hoje, de 74 milhões de hectares desmatados nas últimas três décadas. Ainda desses tem-se 15 à 20 milhões desmatados e abandonados. Ele ainda enfatiza a problemática. “A estimativa é que esse ano chegaremos a 1 milhão de hectares desmatados no ano.”
Chico Mendes, interpretado por Raul Julia no longa, vai a um congresso ambientalista em Miami para denunciar a destruição da floresta e recorrer internacionalmente a pressões que façam o governo brasileiro, de alguma forma, preservar a maior reserva florestal do planeta ao invés de pensar apenas na quantia lucrativa que a Amazônia possa render por meio da extração de minérios, petróleo, pecuária e soja. Como sempre, a desculpa dada pelas empresas agropecuárias e o Governo na narrativa e na realidade é: “Os países estrangeiros querem colonizar a Amazônia”.
Moutinho, relata que tal argumentação não se sustenta. Segundo o diretor do IPAM, “a sociedade global vem aumentando a preocupação com às questões climáticas, e a conservação da Amazônia é ponto chave nesse processo. Isso justifica muitos movimentos como o da Greta Thunberg que vem puxando uma série de protestos em relação à questão climática. Não há mais espaço da colonização da Amazônica, o mundo já é globalizado.
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Amazônia em Chama já premeditava as queimadas deste ano de 2019. O alerta da destruição da floresta Amazônia faz barulho há décadas, mas as políticas do governo brasileiro parecem ignorar dando aval a derrubada de cada árvore para fazendeiros, garimpeiro, grileiros, pecuaristas e para o agronegócio.
Carlos Young finaliza: “um dado muito pouco colocado é que o aumento do produto agropecuário do Brasil dos últimos 20 a 30 anos vem acompanhado por um aumento do desemprego e não por uma geração de emprego, ou seja, nenhum setor desemprega mais do que o setor agropecuário. O benefício das queimadas são para alguns fazendeiros que vão expandir suas áreas de produção com um custo social elevadíssimo e o roubo da terra pública é outro motivo para queimadas na Amazônia. Somos nós que estamos trocando o ouro verde por um punhado de grãos e de carne”.
Os longas apresentados trazem riquezas singulares e próprias. A trilogia Tainá ganha o público mais infantil por suas lições; Amazônia em Chamas e Serra da Desordem, voltados mais para um público adulto, denunciam as mortes de seringueiros e clamam por justiça nas comunidades indígenas de forma forte. Em tempos em que o cinema nacional é vítima do desmonte alienado de governantes, torna-se ainda mais importante a audiência e o debate em cima desse tipo de produção nacional para que o senso crítico não seja trocado pela alienação da realidade da Amazônia.
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