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Documentários: Um olhar para a realidade

A importância social dos documentários brasileiros

Em um país de dimensões continentais, que abriga povos das mais diferentes culturas e classes, a possibilidade de temas para se documentar é infinita. O Brasil despertou, por muitos anos, o interesse de cineastas estrangeiros quando iam produzir seus documentários. Mas, de uns tempos para cá, o mercado nacional tem se fortalecido com a variedade das produções. Hoje, vamos discutir um pouco a importância social dos documentários brasileiros.

Kiko Goifman – documentarista e antropólogo brasileiro, com produções mundialmente reconhecidas – acredita, segundo entrevista para a Academia Internacional de Cinema (AIC), no potencial do Brasil nessa área. Ele também afirma que fora do país nossa produção já é bastante valorizada. “Temas não faltam, porém, o mais rico é a pluralidade dos olhares, dos métodos de trabalho. Documentários criativos aparecem com força. Alguns mais autorais, vários feitos na primeira pessoa do singular, outros mais poéticos, alguns mais políticos.”

Inclusive, o apontamento de Goifman ajuda a compreender a importância da visão do documentarista em uma produção. Diferentemente do que pensa o senso comum, um documentário não é uma reprodução da realidade, mas, como qualquer obra de arte, um projeto que assume a subjetividade do artista.

Mesmo sendo obra de arte, o documentário atua como importante registro social. Com uma câmera, um microfone e um ou outro equipamento, o diretor dá voz à personagens marginalizados e os permite contar suas histórias.

A jornalista, cineasta e diretora do documentário Bagatela (2009), Clara Ramos, ressalta essa característica do gênero: “acho que é uma ferramenta muito poderosa de interação e investigação sobre a realidade em que estamos. Você está vendo pessoas e histórias de verdade, isso é muito forte.”

 

1,2,3 gravando

A história dos documentários está diretamente ligada ao nascimento do cinema. L’Arrivée d’un Train à La Ciotat (1895), considerado o primeiro filme do mundo, é a gravação da chegada de um trem. Ou seja, uma espécie de documentário.

No Brasil, quem deu à luz as produções nacionais foram os irmãos Afonso e Paschoal Segreto, em 1898. As imagens da Baía da Guanabara, gravadas pelos irmãos italianos, duravam cerca de um minuto. E, novamente, trata-se de um pequeno registro documental.

Por algumas décadas os documentários brasileiros restringiram-se a filmes técnicos e científicos, como filmagens de nossos biomas e povos nativos.

Foi durante o Cinema Novo que se fortaleceram os documentários com viés político e discussões sociais. Nesse momento o Brasil vivia a Ditadura Militar e buscava na arte uma maneira de romper com o sistema autoritário vigente. É nesse contexto que Eduardo Coutinho, um dos mais reconhecidos documentaristas brasileiros, produz o premiado Cabra marcado para morrer (1984).

Apesar desse período de desenvolvimento e dos demais que o seguiram, as narrativas documentais nunca deixaram de ser menos populares que as ficções, assim como também não costumam ocupar espaço na programação das salas de cinema comerciais. Mesmo assim, a quantidade de produções é expressiva: dos 158 títulos nacionais do ano de 2017, 60 eram documentários.

E, para conhecermos melhor o universo dos documentários político-sociais, o Cinéfilos preparou uma lista com quatro grandes obras nacionais:

 

1- Cabra marcado para morrer, Eduardo Coutinho

Forte, rústico, sensível e considerado o melhor documentário brasileiro de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). O longa-metragem de Eduardo Coutinho trata da luta camponesa no interior do Pernambuco.

O nordestino João Pedro ao lado de sua esposa, Elizabeth Teixeira, liderava a luta por melhores condições de vida para os camponeses do Engenho Galileia. Cabra marcado para morrer (1984) pretendia reproduzir o assassinato do líder, no ano de 1962, em uma emboscada feita por agentes do exército.

As filmagens foram interrompidas após poucos meses, em 1964, no início da Ditadura Militar, quando o exército passou a perseguir os participantes do filme – desde atores até produtores. Durante o regime militar, Elizabeth permaneceu foragida e separada de seus filhos. É ela quem protagoniza as cenas, quando Coutinho retorna às gravações após 17 anos de interrupção.

Esse intervalo de mais de uma década torna a obra singular. Em um primeiro momento, os camponeses são atores dos episódios que se sucedem até a morte de João, mas em 1981 o que prevalece são seus depoimentos. As cenas são intercaladas, mas é nessa segunda parte que o caráter documental se evidencia, com as perguntas de Coutinho e as memórias das personagens.

Deve-se dizer que a presença de Eduardo Coutinho é marcante. Suas perguntas não são cortadas e ele próprio aparece em muitas filmagens, o que faz com que a relação diretor-personagem seja muito próxima. Para o espectador fica a sensação de que todos que compõe o trabalho são velhos amigos.

 

2- Bagatela, Clara Ramos

Bagatela.:

  1. objeto de pouco valor ou utilidade; bugiganga, cacareco, ninharia.
  2. soma irrisória de dinheiro.

A definição de tal palavra é essencial para que se entenda o conflito judicial documentado pela diretora Clara Ramos, no qual todas as personagens foram presas pelo furto das tais “bagatelas”. No Código Penal brasileiro há distinção entre furto de bens de pequeno valor e de valor insignificante (bagatela). O maior problema é que não há valor específico que identifique cada caso, por isso cabe a jurisprudência, ou seja, à interpretação do Tribunal, decidir sobre cada situação.

Em Bagatela (2009), conhecemos Sueli e Maria Aparecida, ex-detentas acusadas pelo furto de queijo e bolacha e produtos de higiene pessoal, respectivamente. Ao longo do filme, há também o caso de Vânia, reincidente no roubo de bagatelas.

Sobre o processo de busca das personagens Clara relembra “eu trabalhava em um programa de entrevistas, quando conheci Sonia Drigo [advogada voluntária na defesa de acusados de furto de bagatela]. Esse acervo de personagens veio dela: duas das escolhidas haviam sido suas clientes e a outra, que eu gostaria que fosse alguém preso naquele momento, ela me ajudou a encontrar”.

As cenas intercalam-se entre os depoimentos das personagens acusadas, trechos de alguns familiares e discussões teóricas de especialistas, como advogados. Por outro lado, Clara, a diretora, não costuma aparecer frente às câmeras. Ainda assim, quando aparece, permite ao espectador notar a relação de proximidade ali estabelecida.

Em relação ao tema, cabe salientar que aspecto fundamental dessa discussão é a desigualdade social, considerando que as três mulheres retratadas pertencem a população periférica. Além de terem sido punidas pelo furto de bens acessíveis a maior parte dos cidadãos. Clara conduz um debate persistente na história do Brasil: o conflito da marginalização, desigualdade e opressão.

 

3- Notícias de uma guerra particular, João Moreira Salles e Katia Lund

Mais um dos clássicos e renomados documentários brasileiros, Notícias de uma guerra particular (1999) escancara a ferida do tráfico de drogas.

A característica fundamental que qualifica essa obra é a variedade dos discursos: traficantes, policiais e moradores do morro da Dona Marta, no Rio de Janeiro, contam (e mostram) suas rotinas e perspectivas.

Diferentemente do que costuma acontecer quando se aborda esse tema, o trabalho de João Moreira Salles não caracteriza as personagens como heróis e vilões, mas permite que ambos mostrem a sua realidade. É claro que a questão não é convencer o espectador de uma imparcialidade inexistente e sim apresentar um recorte do mundo real, a partir da visão do diretor. João Moreira e Kátia Lund fazem isso de maneira franca.

Vemos cenas de perseguição policial, a rotina dos traficantes e a opinião de moradores que nos ajudam a entender a complexidade da questão –  em dado momento, um dos residentes conta que, quando não teve condições de comprar um medicamento, recebeu ajuda do tráfico.

“O tráfico faz a polícia entrar com mais cautela na favela, eles entram com medo, esse é o lado bom do tráfico”, declara um dos moradores logo no início do filme. Frase após frase e começamos a entender o quanto o conflito é maior do que a oposição entre bem e mal.

 

4- Meninas, Sandra Werneck

 

Como jovem privilegiada e que não viveu a gravidez precoce, assistir Meninas (2006) é adentrar a uma nova realidade, o que a princípio é papel fundamental de um documentário. Por outro lado, como mulher, é reconhecer as estruturas do patriarcado.

O longa de Sandra Werneck é um registro da gravidez de três adolescentes, cariocas e periféricas: Evelyn, 13 anos, é quase um estereótipo da jovem que frequenta bailes funks e pouco compreende a dimensão de sua nova realidade – como mãe. Ela é divertida, sorridente, simpática e em muitos aspectos infantil; Edilene, 14 anos, está grávida de Alex, que ao mesmo tempo também espera o nascimento de outro filho e Luana, 15 anos, vive com a mãe e com as irmãs, que sempre cuidou. A nossa última personagem é a única que planejou sua gravidez, queria ter a própria filha e não apenas tomar conta das irmãs.

Meninas estreou em 2006, mas o tema retratado continua recorrente. No último levantamento divulgado pela Organização Mundial da Saúde, que se refere ao período de 2010 a 2015, o país possuía 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes, de um total de 1000 mulheres. Sendo que esses dados computabilizam apenas meninas de 15 a 19 anos.

A importância do trabalho de Sandra é evidente, considerando que se trata de um assunto tão persistente na sociedade brasileira. O que deixa um gostinho de quero mais é o fato de a individualidade das garotas não ser muito abordada. Aparentemente, a tese era de que a gravidez na adolescência é um problema estrutural e, por isso, o retrato é mais genérico, não sendo demonstrada uma relação de intimidade da equipe com as personagens.

De toda forma, cada documentário com o seu tema, o aspecto geral das produções nos mostra uma preocupação com questões graves e estruturais da nossa sociedade. O olhar de cada diretor conduz o público por uma trajetória real, mas adaptada à perspectiva de cada artista.

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