Alexandre Dall’Ara
O cinema, por sua essência, sempre esteve ligado diretamente à tecnologia. Mas, mais do que isso, a tecnologia sempre foi um fator revolucionário no cinema. Isto porque a cada nova invenção ou melhoria técnica todo um novo código estético é formado para os filmes e gerações posteriores.
É difícil fazer uma comparação nesse aspecto com qualquer outra arte, pois a estética das artes plásticas, por exemplo, não depende da tela ou da tinta. Talvez essa questão só se ponha quanto aos recursos gráficos digitais, com o uso do Photoshop, já que hoje em dia é possível pensar em um código para esse tipo de arte digital.
De volta ao cinema, as novas tecnologias não só trazem inúmeras mudanças para as produções, como provocam reações apaixonadas. Em primeiro lugar, a invenção do cinema, por si só, já trouxe espanto por captar não apenas a imagem, como já fazia a fotografia, mas o movimento. Daí em diante, a evolução da qualidade da imagem e as evoluções do som foram responsáveis pelas grandes mudanças.
O fascínio pela tecnologia
Se mesmo os filmes mudos utilizavam orquestras para adicionar uma trilha à exibição, o desejo do público pelo som era óbvio. Mas esse desejo, que talvez representasse uma sede por um realismo ainda maior, por uma identificação mais próxima entre vida e tela, teve várias etapas de concretização. De acordo com André Bazin, em 1928 o cinema mudo estava em seu apogeu e muitos o consideravam completamente adaptado ao “delicado incômodo do silêncio”, sendo que “o realismo sonoro só podia condenar [o cinema] ao caos”. A banda sonora, então, teria criado um novo cinema, de acordo com o teórico, com valores diferentes de expressão cinematográfica.
Se o caos não chegou com a adição do som ao cinema, a revolução sim. O “excesso” de realismo que assustava alguns de fato foi um divisor de águas para os filmes. A partir da década de 1960, os equipamentos se tornaram portáteis a ponto de se poder gravar cenas externas com som direto sem a necessidade de grandes equipes. Essa evolução tecnológica gerou uma diferença de abordagem do cinema em relação ao mundo. Agora era possível sair à rua e captar o mundo ao seu redor. “Era possível, pelo menos, observar sem grandes preparações”, como diz Brian Winston em um ensaio sobre a evolução dos documentários. Isso fascinou diversos cineastas e criou movimentos como o Cinéma Vérité ou Cinema direto (Direct Cinema).
Para os apologistas do caos, entretanto, Winston dá um argumento e tanto: mesmo com esses equipamentos leves e com equipes reduzidas, seria possível filmar, observar o mundo sem intervir, apenas como “uma mosca na parede”. Provavelmente não, mesmo porque, ainda que as cenas fossem gravadas discretamente e sem grandes intervenções, a edição sempre altera aquilo que foi gravado.
Outros movimentos também surgiram a partir das novas facilidades que a evolução tecnológica criou. Como exemplo disso temos o Cinema Novo brasileiro, inspirado na Nouvelle Vague francesa e no Neo-realismo italiano. Eles se aproveitaram principalmente do barateamento dos custos de produção para transgredir as regras dos filmes comerciais, mas sem a preocupação documental dos anteriores.
A revolução do “efeito”
Depois das inovações dos equipamentos, a outra grande fonte de transformações no cinema é, provavelmente, o efeito especial. Impossível não citar aqui o revolucionário 2001- Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, que foi pioneiro no uso desses efeitos. Mas, com a tecnologia digital e o uso do computador, a gama de possibilidades criada para os efeitos especiais ganhou dimensões extremas. Hoje em dia é virtualmente possível fazer qualquer coisa na tela. Daí para filmes que exageram nos efeitos e não vão muito além deles não faltou muito. Entretanto, belas peças do cinema foram produzidas, mesmo que com uso intensivo dessa tecnologia, exemplo óbvio é a série Matrix.
E quando tudo já parece revolucionário e revolucionado o bastante, chegamos às câmeras digitais baratas e pequenas. Não entraremos na discussão sobre a película e o digital, mas nas possibilidades que a popularização dessas câmeras amadoras (com qualidade razoável, porém) vêm causando nos filmes. É possível fazer hoje filmes com cada vez menos recursos e surgem daí produções interessantes, como curtas e filmes independentes. O festival MixBrasil do ano passado apresentou, por exemplo, o longa Fucking Different São Paulo(2009), que é formado por mais de uma dezena de curtas feitos em São Paulo e produzidos por Kristian Petersen (o produtor já havia feito essa experiência antes em Berlim (2005), Nova York (2007) e Tel Aviv (2008)). Sem contar com os vídeos do youtube, feitos até com celular, a estética dos filmes atuais vem se alterando pela influência dos filmes amadores. Talvez possamos citar como exemplo a descontração e leveza, pelo menos aparente, de Apenas o Fim.
A imagem sai da tela
Já no âmbito das grandes produções a revolução mais atual parece ser a tecnologia 3D. A tecnologia ainda não se tornou consensual, mas vem ganhando público e novas salas adaptadas a ela. Nesses anos tivemos grandes lançamentos em 3D. Desde Harry Potter e o Enigma do Príncipe, com seus quinze minutos iniciais com esse recurso, e Os Fantasmas de Scooge, até Avatar, que foi muito esperado justamente por sua inovação.
E, para revolucionar todas as revoluções, temos, por fim, a internet. Com a interação do público surgiu uma nova forma, não de fazer cinema, mas de exibir. O “Cinema on Demand”, que começou no ano passado no país, permite que o público peça os filmes que deseja ver em cartaz. Através do site Moviemobz, que funciona em parceria com a Rain Network e várias salas de cinema, é possível escolher entre filmes inéditos, raros e clássicos. O filme Atividade Paranormal, por exemplo, aproveitou essa tecnologia. O longa teve sua estréia no dia 04/12, mas a produção fez exibições desde o dia 13/11 a partir da mobilização do público pelo site do filme.
Os próximos passos do cinema talvez sejam imprevisíveis, mas é fácil supor que essa é uma arte que jamais vai parar de se reinventar e revolucionar. Essencialmente ligado à tecnologia e à linguagem de seu tempo, o cinema muda sempre, assim como o mundo, e enquanto ele existir, vai levar consigo o rótulo de uma arte de vanguarda.