O Universo sempre foi objeto de admiração e curiosidade, mesmo muito antes da invenção dos telescópios e grandes observatórios, sendo assim, considerada a mais antiga das ciências. Na antiguidade, a partir da contemplação do céu, os povos aprenderam sobre as estações do ano e a se orientar apenas fazendo a observação a olho nu e com instrumentos manuais, como o astrolábio e as cartas celestes. Hoje, a realidade mudou bastante. Agora, o estudo dos astros – a astronomia – é feito em campos específicos, em observatórios astronômicos com o uso de aparelhos de última geração. Entretanto, uma série de fatores precisam ser levados em consideração para a construção desses centros de observação, em vista do alto investimento que representam. Por isso a grande maioria dos observatórios ativos estão localizados em território americano, especialmente latino, como no Chile, pelo cumprimento desses requisitos.
Um desses requisitos que países na América Latina atendem, é o local com baixa poluição luminosa, como apontado por Ramachrisna Teixeira, doutor em Astronomia e Astrofísica pela Université de Bordeaux I, pesquisador científico a partir de observações realizadas com o satélite Gaia e atual secretário geral da Sociedade Brasileira de Astronomia (SBA). A grande luminosidade perto dos observatórios, como em grandes centros urbanos, causa um ofuscamento dos astros, sobrepondo-se à luz das estrelas e galáxias e atrapalhando sua visualização e estudo. Por isso, Teixeira relata que o mais indicado é procurar por lugares mais escuros e o mais afastado possível de grandes cidades.
A altitude do local também é um importante fator a ser considerado. Quanto mais acima do nível do mar, menos os observatórios são atingidos pela luz refletida pelas cidades. “Mesmo que a cidade esteja longe, é preciso que a gente não tenha reflexo daquela iluminação no horizonte”, comenta Teixeira. Aliado a isso, a maior altitude ainda contribui para que as imagens capturadas não apresentem tantas deformações atmosféricas. A luz dos astros, ao passar pela atmosfera, é desviada por seus gases constituintes, provocando o fenômeno da cintilação – o brilho não fixo das estrelas, como um piscar. Assim, ao fazer as observações, as imagens aparecem sem definição e com borrões, por causa desse desvio. Em locais de grande altitude, como em montanhas, a atmosfera é mais rarefeita, com menor concentração e variedade de gases, o que possibilitaria uma menor deformação e uma visualização mais precisa.
A umidade do local é outro aspecto que prejudica a contemplação dos astros. “Tanto porque a umidade é inimiga dos equipamentos óticos e eletrônicos, mas também porque o vapor de água na atmosfera atrapalha a observação de algumas frequências, de alguns comprimentos de onda”, como o infravermelho. À medida que adentram na atmosfera, certas frequências são impedidas de chegar à superfície por diferentes componentes, como a poeira, a fumaça e as moléculas de água. Tais moléculas conseguem absorver parte da luz incidente ou difundir a mesma em outras direções. É em razão disso que a cobertura de nuvens no lugar não é bom sinal: primeiro porque a presença de nuvens pode ser relacionado à chuva e mais umidade, o que dificultaria que as frequências fossem captadas, e, também, porque as nuvens encobrem o céu, bloqueando a visualização.
É válido destacar que tais características que prometem uma boa observação astronômica podem ser alteradas ao longo do tempo. Com o crescente desenvolvimento de centros urbanos, não é certo que o local escolhido para a construção do sítio irá permanecer longe de poluição luminosa, ou que irá conservar-se sem o reflexo do mesmo. Há também outras mudanças naturais que ocorrem com o passar do tempo, modificando aspectos geográficos de algumas áreas, como a umidade e a temperatura, as quais vêm sendo aceleradas, muitas vezes, por ações antrópicas.
Chile e o Deserto do Atacama
Famoso pela sua superfície árida, o Deserto do Atacama é atualmente o melhor lugar do mundo para realizar a observação dos corpos celestes. Com uma variação de altitude entre 2.300 a 4.300 metros acima do nível do mar, o território abriga muitos observatórios em sua extensão pelas suas características.
Localizado na região norte do Chile e indo até o Peru, o Deserto do Atacama apresenta baixíssima pluviosidade, sem a formação de nuvens em 90% do ano. A aridez do local também deve-se às barreiras que existem ao seu redor, impedindo que o ar úmido chegue ao Deserto. Em seu lado leste, a Cordilheira dos Andes bloqueia a umidade vinda principalmente da Amazônia, enquanto, a oeste, a corrente marítima fria de Humboldt, ao se aproximar da costa, provoca chuvas no oceano, diminuindo a umidade que passa para o continente. Por isso, cenários como o Valle de La Luna, em São Pedro do Atacama, são muito comuns, com bastante areia, sal e pedregulhos em toda sua extensão.
Suas particularidades atraem astrônomos de todo o mundo para estudos e para a construção de sítios. Alguns dos principais são os observatórios La Silla, Paranal e ALMA, construídos pela European Southern Observatory (ESO), ou Observatório Europeu do Sul, em português. O ESO é uma organização intergovernamental financiada por vários países visando a pesquisa astronômica, com a missão de fornecer instalações de qualidade para a realização de pesquisas na área. Com contribuições anuais dos Estados-membros, foi possível construir o maior e mais complexo observatório do mundo, o Grande Conjunto de Radiotelescópios do Atacama (ALMA, na sigla em inglês), que abriga 66 antenas de alta precisão. Situado no alto do planalto de Chajnantor, nos Andes chilenos, o observatório ALMA estuda a radiação com comprimento de onda de um milímetro, aproximadamente, entre a luz infravermelha e as ondas de rádio, conhecida como radiação milimétrica e submilimétrica. Esse estudo na área da Astronomia submilimétrica possibilita aumentar os conhecimentos sobre o Universo frio, as regiões densas de gás e poeira, local onde nascem as estrelas.
Seus associados também apresentam estudos inovadores: La Silla, por exemplo, foi o primeiro observatório do mundo a empregar engenharia de óptica ativa em um de seus telescópios, tecnologia que corrige pequenas deformações causadas pela força da gravidade. O observatório Paranal, por outro lado, se destaca pelo seu telescópio VLT Survey Telescope (VST). Este instrumento de última geração é equipado com uma câmera de 268 pixels, capaz de fotografar grandes áreas com riqueza de detalhes, contribuindo para o estudo de corpos remotos do Sistema Solar.
Fora os observatórios do ESO, alguns outros igualmente tecnológicos foram construídos no deserto do Atacama. Dentre todas as construções, destacam-se dois: o centro de Las Campanas e o de Cerro Tololo. Fundado em 1969, o primeiro, próximo à cidade de La Serena (Chile), apresenta telescópios enormes de última geração, como os refletores gêmeos de 6,5 metros, operados pelo Instituto Carnegie para Ciência de Washington. É também o lugar escolhido para abrigar o Gigante de Magalhães (GMT), instrumento que ainda está em desenvolvimento, mas que promete ser capaz de estudar as possíveis evidências de vida além da Terra e planetas que orbitam estrelas distantes. Já o segundo conta com um radiotelescópio e outros sete telescópios ópticos, todos situados a 80 km de La Serena. Este centro faz parte do National Optical Astronomy Observatories (NOAO), que é operado pela Associação de Universidades para Pesquisa em Astronomia (AURA).
E o Brasil?
O Brasil já participou da construção de alguns centros de observação presentes no Chile. A partir de financiamentos por consórcio com universidades estrangeiras, o país tem acesso, atualmente, ao observatório Gemini e Southern Astrophysical Research Telescope (SOAR), ambos em Cerro Pachón. O projeto Gemini é composto por dois telescópios gêmeos de 8,1 metros, um no Chile e outro no Havaí, que atuam no meio óptico e infravermelho, sendo operados por uma parceira entre seis países: Estados Unidos, Canadá, Chile, Brasil, Coréia e Argentina. Juntos, os dois telescópios conseguem enxergar o céu inteiro, do hemisfério sul ao norte. O SOAR, apenas 400 metros afastado do Gemini, foi financiado pelo NOAO, pela Universidade da Carolina do Norte (UNC) e a Universidade Estadual de Michigan (MSU), fora o Brasil. Utilizando um único telescópio com abertura de 4,2 metros, foi desenhado para capturar a melhor qualidade possível de imagens astronômicas.
Conheça mais sobre a captura da imagem pelo telescópio com o vídeo abaixo:
O Brasil, por sua vez, não apresenta a mesma visibilidade do céu chileno, mas possui uma série de observatórios astronômicos e tem seu destaque na Astronomia. O Laboratório conversou com Teixeira e Daniel Mello, astrônomo e coordenador de extensão universitária do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a situação geral dessa área de estudo no país, e o que ambos destacaram é que, apesar dos desafios que enfrenta, a Astronomia brasileira tem reconhecida importância internacional.
Segundo Mello, as condições estruturais e de financiamento da pesquisa astronômica no Brasil estão muito abaixo do ideal, e nossa comunidade de profissionais em Astronomia é relativamente pequena. Ainda assim, nos destacamos em vários setores da área, como a Astronomia observacional nos ramos da Astrofísica estelar, da Astronomia extragaláctica, da Cosmologia, da Astrometria, a Astroquímica e a Astronomia dinâmica.
Teixeira lembrou que chegamos a participar do European Southern Observatory (ESO), mas que, infelizmente, esse cenário mudou. O Brasil foi convidado a participar do ESO enquanto país membro em 2010 e, no ano seguinte, assinou um acordo para tal, mas sua participação não foi efetivada, já que deixou de pagar a quantia que lhe cabia.
Isso não significa que o Brasil não possa utilizar as instalações do ESO. Teixeira explica que os pesquisadores, seja qual for seu país de origem, que desejam usar algum telescópio da organização, por exemplo, têm seu projeto julgado por uma comissão e, assim, são classificados segundo a avaliação para poder fazer uso dos equipamentos. O que acontece é que os países membros possuem uma certa preferência. Desse modo, a perspectiva de utilizar as instalações do ESO com a prioridade de país membro ficou distante para o Brasil.
Apesar disso, pesquisadores brasileiros podem realizar projetos em colaboração com pesquisadores europeus, por exemplo, para que a utilização dos equipamentos do consórcio europeu seja facilitada. Do mesmo modo, pesquisadores europeus (ou de outros países) podem trabalhar com pesquisadores brasileiros para usufruírem em conjunto dos telescópios Gemini e SOAR, dos quais o Brasil participou do financiamento e tem, portanto, preferência para a utilização. Segundo Teixeira, “os pesquisadores brasileiros dessa área têm uma colaboração internacional que funciona muito bem nos dois sentidos”.
O pesquisador também aponta que o idioma é outra barreira que a Astronomia e outras áreas acadêmicas enfrentam, já que o português implica em algumas dificuldades para o intercâmbio com outros países: “a gente recebe muitos alunos de fora do país, mas poderíamos ter muito mais se nossa língua fosse inglesa e não portuguesa”. Apesar disso, existe um esforço nos institutos e universidades para o oferecimento de cursos em inglês que auxiliam no enfraquecimento dessa barreira.
Quanto aos observatórios astronômicos, apesar de não fazer frente com os chilenos, o Brasil possui vários importantes, como:
Observatório Nacional: localizado na cidade do Rio de Janeiro (RJ), é subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e é uma das instituições científicas mais antigas do país.
Observatório Abrahão de Moraes: localizado em Valinhos (SP), pertence ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e é onde o pesquisador Ramachrisna Teixeira trabalha, coordenando atividades como sessões de observação noturna dos astros, palestras e visitas guiadas às instalações do observatório.
Observatório do Valongo: localizado na cidade do Rio de Janeiro, é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro e é onde o pesquisador Daniel Mello trabalha, coordenando projetos de extensão científica da mesma natureza dos coordenados por Teixeira.
Observatório Pico dos Dias: localizado em Brazópolis (MG), está a 1.864 metros de altitude e é operado e mantido pelo Laboratório Nacional de Astrofísica.
Observatório Sonear: observatório particular localizado em Oliveira (MG). Sonear é sigla para “Southern Observatory for Near Earth Asteroids Research”, ou em português, “Observatório Austral para Pesquisa de Asteroides Próximos à Terra”. É o único observatório astronômico do tipo no hemisfério sul.
Observatório Astronômico do Sertão de Itaparica (OASI): localizado em Itacuruba (PE), foi instalado pelo Observatório Nacional, é equipado com um telescópio com espelho principal de um metro de diâmetro dedicado ao estudo das propriedades físicas de pequenos corpos do Sistema Solar.
Observatório Astronômico da Serra da Piedade: também conhecido como Observatório Astronômico Frei Rosário, está localizado na Serra da Piedade, no município de Caeté (MG) e é operado e mantido pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini: localizado em Campinas (SP), foi o primeiro observatório municipal do Brasil.
Rádio Observatório de Itapetinga: localizado em Atibaia (SP), o rádio observatório é administrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e possui três sistemas rádio-telescópios, além de alojamentos que permitem aos pesquisadores passar algum tempo em campanha no local caso necessário.
Existe, portanto, uma série de observatórios que se destacam no Brasil. Mas de qualquer modo, Teixeira afirma que, hoje, investir em instrumentos significa ir para o Chile. Afinal, atualmente é possível utilizar telescópios chilenos a partir de São Paulo, por exemplo. Em muitos projetos, não há mais a necessidade de o pesquisador estar ao lado do equipamento.
Segundo os pesquisadores entrevistados, há grande adesão do público nas atividades de extensão universitária nos observatórios, o que é muito importante não só para a divulgação da Astronomia, como também, nas palavras de Daniel, para promover a cidadania, a inclusão social e aproximar a sociedade da universidade pública.
Astronomia também pode ser turismo?
Uma tendência que tem atraído muitas pessoas é o astroturismo, uma vertente recente do turismo que consiste na visitação de locais que têm o céu estrelado como protagonista. Para essa contemplação dos astros sem finalidade científica, os destinos seguem, naturalmente, as características gerais dos locais apropriados para os observatórios astronômicos já mencionadas anteriormente. Quanto maior a altitude, mais seco o clima e mais longe da poluição luminosa dos centros urbanos, melhor a qualidade do céu noturno e mais visibilidade ganham as estrelas.
Diversos são os destinos procurados para a observação astronômica, seja em centros com equipamentos apropriados, seja em parques e reservas ambientais; sejam os passeios voltados à astrofotografia ou à simples contemplação.
Existem duas organizações que são referências internacionais no assunto, a International Dark Sky Association e a Starlight Foundation, que já certificaram uma série de destinos do astroturismo e realizam iniciativas em prol da proteção do céu noturno e da divulgação da Astronomia.
Apesar da maioria dos lugares certificados por tais organizações pertencerem ao Hemisfério Norte, como Portugal, Espanha e Estados Unidos, o Hemisfério Sul também conta com importantes destinos para o astroturismo. A Austrália e a Nova Zelândia são algumas das alternativas para os interessados no astroturismo no Hemisfério Sul. O Chile é o destino mais famoso, já que possui o melhor céu do mundo para a observação astronômica.
O país sul-americano recebe milhares de pessoas todo ano para a observação de seus céus estrelados e conta com grande infraestrutura para tal prática. Algumas das regiões mais famosas são o Vale do Elqui e San Pedro de Atacama, onde as atrações vão desde visitas aos numerosos observatórios do país aos passeios de observação noturna.
Quanto aos outros países da América do Sul, Mello afirma que a Colômbia recentemente começou a investir na área do astroturismo, e outros países como Equador, Peru, Argentina e Brasil realizam ações muito pontuais, com pouca exploração do setor. Segundo o astrônomo, apesar do astroturismo no Brasil ainda ser recente, o país possui grande potencial a ser explorado: “Regiões como a Chapada dos Veadeiros, Chapada Diamantina, Caatinga, alto da Serra do Mar e da Mantiqueira são algumas das regiões mais promissoras. Há, entretanto, escassez de profissionais capacitados no setor, bem como desconhecimento dessa forma de turismo”.
Temos no país, portanto, ações pontuais como as atividades não comerciais promovidas por diversos de nossos observatórios, como o Observatório Abrahão de Moraes e o Observatório do Valongo, nos quais nossos entrevistados realizam uma série de atividades de extensão, além das ações do Polo Turístico da Usina de Itaipu (Foz do Iguaçu – PR) e das práticas na área de astrofotografia oferecidas por fotógrafos especializados. Entre os locais que mais atraem os interessados pela observação das estrelas para fins de lazer, estão o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, o Parque Nacional do Itatiaia e o Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Atraindo a atenção de tanta gente ao redor do mundo, sem restrições de faixa etária ou necessidade de conhecimentos prévios sobre Astronomia, o astroturismo tem se mostrado uma potencial ferramenta de divulgação científica a partir da contemplação celeste. Segundo Mello, o astroturismo é uma ferramenta importante para propor discussões importantes: a dos impactos nocivos do aumento da poluição luminosa e a do papel da ciência na sociedade.