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Amor & Outras vírgulas – Um milagre de natal

Era o início da década de 90, fim de ano e o litoral estava lotado. Combinei de passar uns dias na praia com uns amigos e foi por meio deles que eu conheci a Helena. No começo, eu achei que a nossa história não ia passar de um romance de verão. Ela era linda, sorridente …

Amor & Outras vírgulas – Um milagre de natal Leia mais »

Era o início da década de 90, fim de ano e o litoral estava lotado. Combinei de passar uns dias na praia com uns amigos e foi por meio deles que eu conheci a Helena. No começo, eu achei que a nossa história não ia passar de um romance de verão. Ela era linda, sorridente e amava falar sobre tudo e qualquer coisa. 

Aquela semana foi tranquila e, apesar de ter gostado da Helena, eu tinha decidido, meses antes, que ia aproveitar um pouco da vida de solteiro. Namorar dava trabalho demais e eu queria um pouco de tranquilidade depois de ter passado por alguns relacionamentos complicados. 

“Vai ser só uma ficada”, dizia pra mim mesmo. No fundo, porém, sentia que aquele rolo de verão merecia virar algo a mais. 

Acabei voltando pra São Paulo sem pedir o número dela, convencido de que eu ia acabar esquecendo da pele bronzeada, da voz doce e da risada tímida que me acompanharam naqueles dias de verão. 

Não esqueci. 

Nunca acreditei muito no destino, mas o sorriso da Helena não saia da minha cabeça e eu resolvi arriscar. Pedi o número dela pro Rafa, amigo que tinha ido pra praia com a gente, pensei que o máximo que poderia acontecer era ela recusar o convite e eu ia acabar, eventualmente, seguindo em frente. 

– Alô, oi Helena, tudo bem? Aqui é o Thomas

– Thomas? – maravilha, passei todas essas semanas pensando nela e ela nem se lembrava do meu nome.

– Sim, Thomas de Maresias, lembra? Amigo do Rafa, peguei seu número com ele

– Ah! Lembrei! Oi Thomas, tudo bem? 

Nesse mesmo dia convidei Helena para um encontro, ela aceitou e em um piscar de olhos nós estávamos namorando. 4 anos depois e eu já conhecia as manias dela, sabia que ela odiava o cheiro de amendoim, achava que palmito deveria ser incluído em qualquer receita culinária e amava o Natal. Helena era obcecada pela data de uma forma como eu nunca tinha visto. O sinal das luzes de pisca-pisca eram capazes de animar ela em qualquer situação e, todo fim de ano, a felicidade dela parecia depender de uma boa playlist natalina. 

Ela sempre falava que eu precisava conhecer Nova York, quase como se minha vida dependesse de uma cidade que ficava a 7686 quilômetros de distância. O irmão dela, Vicente, morava lá há um tempo e, por isso, nossa viagem seria muito fácil de ser planejada. Sendo sincero, eu não queria passar 10 horas em um pedaço de metal que flutua no ar, mas eu queria passar o feriado com ela. 

– Helena, eu realmente não entendo a sua obsessão com esse lugar! Eu gosto de verão, praia e caipirinha. Passar o fim de ano congelando em uma cidade não se encaixa muito bem nos meus planos de fim de ano perfeito

– Thomas, você não entende! – eu realmente não entendia – Nova York tem o melhor natal do mundo, sua primeira viagem pro exterior tem que ser pra lá! 

Depois de algumas discussões, eu acabei cedendo. Eu não gostava do inverno, mas eu realmente gostava da Helô e, se passar alguns dias no frio era tudo que eu precisava fazer pra ver ela feliz, era isso que eu ia fazer. Meses antes da viagem acontecer nós começamos a organizar tudo o que seria necessário pra tornar cada segundo dela perfeito. 

Consegui tirar meu passaporte, ganhamos nossos vistos, compramos nossas passagens e, com o tempo, eu ficava cada vez mais animado com a ideia de conhecer um lugar novo. Meu relacionamento com Helô era, sem dúvidas, o melhor que eu já tinha tido em minha vida e nada poderia arruinar esse momento, né? 

24 de Dezembro de 1997 – 6h

O dia da viagem finalmente tinha chegado, eu acordei cedo, tomei um banho, comi um café da manhã reforçado e coloquei todas as malas e documentos que eu precisava dentro do carro. Eu estava saindo muito cedo de casa como forma de precaução, era melhor chegar horas antes e ficar matando tempo dentro do aeroporto do que chegar na correria. A única coisa que faltava era buscar Helena na sua casa e então partiríamos para o melhor natal de nossas vidas.

 Ou não. 

Tudo aconteceu muito rápido, eu girei a chave na ignição do carro e esperei por alguns minutos para o motor esquentar. Antes mesmo de tirar o veículo da garagem, o meu sonho de natal se transformou no pior pesadelo que eu poderia imaginar. 

– Desce do carro agora! – foram as palavras que saíram da voz de um homem que eu nunca tinha visto antes – Acelera! Desce! 

– Rápido! Sem enrolação e fica quieto! 

Foi quando o segundo homem começou a gritar que o meu raciocínio voltou a funcionar e eu passei a entender o que estava acontecendo. 

– Se você abrir a boca, a coisa vai ficar feia pro teu lado, vaza do carro, agora – quando o terceiro deles começou a gritar, o resto de discernimento que parecia ter me restado sumiu

Eu congelei. Na minha frente estavam três homens, armados, me xingando de todos os nomes possíveis e mandando eu descer do meu carro. Meu carro. Que tinha tudo aquilo que eu precisava pra viajar: as malas, a documentação, o passaporte. Tudo. Aquilo não podia estar acontecendo, né? Não comigo.  

– Vocês podem levar o carro e todo o resto, só me deixar pegar o meu passaporte e as malas, por favor? – eu implorava para os homens – Eu só preciso da documentação, não posso perder essa viagem! 

Não teve conversa, eles me arrancaram do banco e eu fiquei parado tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Os bandidos levaram o carro, as malas, os documentos e um pedaço do meu coração quando eu me dei conta de que isso ia acabar com o que deveria ser o melhor dia da vida da Helô. 

Eu estava vivendo o maior clichê de um filme de natal mal feito e, o pior, eu tinha me acostumado com a ideia de passar o natal naquela cidade fria. O que realmente importava pra mim era ficar perto da Helena e pensar em passar essa data longe dela me deixava mais chateado do que eu gostava de admitir. Foram meses planejando e organizando a viagem pra tudo ser arruinado em poucos minutos. 

24 de Dezembro de 1997 – 6h27

– Alô, Thomas? Você já tá chegando? Tô fazendo um cafézinho pra gente ir tomando no caminho 

– Helô, acabou. Não tem mais viagem, deu tudo errado

–   Que? Do que você tá falando? Thomas, você sabe que eu odeio quando você fica brincando com assunto sério! 

– Não tem brincadeira, eu tava saindo de casa pra te encontrar e fui assaltado. Levaram o carro com tudo, Helô. Não tem mais o que fazer, desculpa

A linha ficou muda. Não sei exatamente quanto tempo nós ficamos juntos naquela ligação sem dizer nada um para o outro, eu sentia o desapontamento dela e qualquer coisa que eu fosse falar parecia não ser o suficiente para demonstrar como aquilo tinha mexido comigo.

Depois de alguns instantes, Helena voltou a falar.    

–  Pelo amor de Deus, Thomas! Você tá machucado? Vou ligar pro meu pai pra gente te levar no hospital, fica tranquilo que a gente vai dar um jeito! – Helena tentava me acalmar, mas o desespero em suas palavras apressadas eram evidentes

– Helô, eu tô bem. Não precisa se preocupar, vou ir na delegacia registrar um BO. Mas a viagem não vai rolar, eles levaram tudo

– Tô indo aí, me espera que a gente vai resolver isso juntos. – foi a última coisa que eu ouvi antes dela desligar o telefone e vir para minha casa

24 de Dezembro de 1997 – 7h14

Ding Dong

Abri a porta e recebi o abraço mais apertado da minha vida. Helena falou:

– Eu fiquei tão preocupada! Você tá bem mesmo? 

– Tá tudo bem comigo, eles não fizeram nada, só levaram o carro e foram embora. Mas você precisa se arrumar e ir pro aeroporto, você ainda pode ir

– A gente ainda tem tempo até dar o horário da viagem, vamos correr pra delegacia e tentar resolver isso tudo

Eu não tinha tantas esperanças como a Helô, naquele momento eu me sentia completamente desapontado e incapaz de fazer qualquer coisa para resolver essa situação. Mas a gente ainda tinha um tempo até o horário da viagem chegar e eu não ia desistir do nosso planejamento de meses em poucos minutos.

Corremos para a delegacia e registramos o BO, relatei tudo o que tinha acontecido para os policiais e expliquei que eu precisava dos documentos o mais rápido possível, já que em poucas horas deveríamos estar pegando um avião. Eles falaram que iam fazer o possível para nos ajudarem, mas no momento a única coisa que poderíamos fazer era esperar. 

Esperar? Eu tinha esperado meses por aquela viagem, e eu sabia que a Helena não ia conseguir ficar sentada esperando por alguma solução. Depois de registrarmos o que havia acontecido para os policiais, eu e Helô corremos para emitirmos a maior parte dos documentos que conseguíssemos. 

 Apesar da correria, começamos a ficar esperançosos quando percebemos que estávamos conseguindo a maior parte da documentação que era necessária. 

O nosso problema agora era outro:conseguir o visto. Receber o visto americano da primeira vez já tinha sido um sufoco e, provavelmente, o momento mais tenso do nosso planejamento inteiro. E agora a gente ia ter que conseguir ele em um tempo extremamente curto. A gente sabia que as chances de conseguirmos ele a tempo eram baixas, mas desistir não era uma opção naquele momento.

24 de Dezembro de 1997 – 14h27 

Em duas horas, nós deveríamos estar embarcando no avião para aquilo que seria o melhor natal de nossas vidas. E nada do visto. Fizemos tudo o que conseguimos para que ele chegasse o mais rápido possível, mas nada adiantou. Eu precisava dele pra viajar e os bandidos tinham levado ele embora com tudo o que eu tinha arrumado para a viagem. Era realmente o fim, nós iríamos passar o natal longe um do outro e, apesar de estar completamente arrasado com esse fato, eu não queria que Helô perdesse esse momento. 

Decidi que estava na hora de irmos para o aeroporto, eu ia perder a viagem, mas a Helena ainda ia ter a chance de aproveitar tudo o que tínhamos organizados juntos.

– Esse não é o último natal das nossas vidas, eu prometo que nós vamos passar essa data juntos em algum momentos, as vezes a vida só não queria esse dia fosse hoje. – eu tentava animar ela, não era justo que o seu feriado preferido fosse arruinado desse jeito

– Eu sei, é só que a gente planejou isso por TANTO tempo, não é justo que só eu tenha chance de aproveitar tudo

– Vai e aproveita cada segundo que você conseguir, tira foto de tudo e anota qualquer coisa que você quiser me contar sobre a viagem. Eu vou estar aqui te esperando pra ouvir tudo

E ela foi. 

Eu fiquei ali olhando Helena caminhar até a área de embarque, esperei até o último segundo como se, por algum motivo, um milagre fosse acontecer e magicamente eu conseguiria entrar no mesmo voo que ela. Nada aconteceu.

Voltei para casa desolado, eu não acreditava que aquilo tinha realmente acontecido. Fiquei sentado na sala de casa pensando em como aquilo parecia uma grande brincadeira,  olhava para os ponteiros do relógio esperando que alguém fosse aparecer e dizer que era tudo uma grande piada de mau gosto. Eu pedia para que aquilo fosse só a Helô fazendo uma grande pegadinha como forma de vingança por todas as brincadeiras bestas que eu costumava fazer. 

Mas é claro que não era. 

24 de Dezembro de 1997 – 17h54 

A aceitação começou a entrar em meu corpo, tomei um banho quente e decidi assistir um filme para distrair a minha cabeça de toda essa situação. Quando de repente… 

Ding Dong 

O som da campainha toca novamente. Quem poderia ser? Era véspera de natal, a maioria das pessoas estavam se preparando para jantar com suas famílias, abrir seus presentes e comer até não conseguirem sair do lugar. 

Quando abri a porta me deparei com dois policiais, levei um susto, o único momento em que eu tinha falado com a polícia foi logo após o acontecido e eles deixaram a entender que, para conseguirem recuperar o carro, precisariam de muito mais de um dia (prazo que provavelmente se estenderia ainda mais por conta das festas de fim de ano de que estavam acontecendo). 

Os oficiais pediram para que eu os acompanhasse até a porta e quando cheguei até a rua uma surpresa me esperava. Era o meu carro. Na minha frente estava o mesmo carro que havia sido roubado poucas horas antes, o mesmo veículo que tinha tudo aquilo que eu precisava para viajar. Não sei se sou capaz de descrever o susto que tomei no momento, mas a esperança voltou ao meu corpo e a possibilidade de viajar naquele mesmo dia parecia mais próxima. 

– Me desculpe por acabar com a sua felicidade – o policial começou a falar, eu mal tinha recuperado o último resquício de alegria que ainda restava de mim e ele já ia embora mais uma vez – conseguimos recuperar o veículo, mas os ladrões reviraram o carro inteiro e provavelmente levaram a maioria das coisas. Além disso, de brinde deixaram o seu carro amassado

Eu não acreditava naquilo. Era como se a vida jogasse um grande jogo de ping pong com as minhas emoções, todas as vezes em que as coisas pareciam ser direcionadas para um bom caminho eu era puxado de volta por uma onda de azar. Os policiais me pediram para checar se ainda havia restado alguma coisa minha, e, apesar de não ter muita fé, decidi entrar no carro para conferir se eles não tinham deixado nada de valor para trás. 

As malas que eu tinha organizado com tanto cuidado realmente não estavam mais no porta-malas do carro, a pasta em que eu tinha colocado os meus documentos também não parecia estar em nenhum lugar. Prestes a declarar derrota, passei os olhos pelo chão do banco dianteiro e um brilho dourado cruzou seus olhos. Era o mesmo brilho dourado que existe nas capas de passaportes, e coincidentemente era o único documento que eu precisava para conseguir fazer a viagem. 

Pulei em direção ao banco dianteiro e alcancei o passaporte. Eu segurava aquele documento em minhas mãos quase como se ele fosse um objeto sagrado. Eu precisava encontrar uma passagem naquele mesmo momento. Nada mais parecia cruzar a minha mente, se eu conseguisse encontrar uma passagem cedo o suficiente eu ainda teria tempo de passar o Natal com a Helô. 

Eu não me importava com encontrar o resto das coisas que eu tinha perdido, não me importava com resolver as questões burocráticas na delegacia, não me importava com o resto das coisas que eu ia precisar durante a viagem. Eu só precisava me enfiar dentro de um avião e me encontrar com a Helena em Nova York. 

Procurei em todos os sites de viagem, liguei para amigos e perguntei se alguém conseguiria arrumar uma passagem, enchi o saco de todas as agências de turismo que existiam. Mas a resposta de todos era sempre a mesma: era natal. 

Quem é o maluco que compra uma viagem de São Paulo para Nova York na véspera de natal? Eu era aquele maluco. Logo quando eu achei que tudo daria certo, mais um banho de água fria. Dessa vez eu tinha a documentação que eu precisava para viajar, mas não tinha a passagem. Não é possível, o universo só podia estar usando a minha vida como uma grande piada. 

Triiim Triiim

– Alô? 

– Alô, Thomas? Aqui é o Lorenzo, eu chequei aqui na agência e consegui encontrar uma passagem de São Paulo para Nova York daqui a 2 horas. Você acha que consegue chegar a tempo? 

– Consigo! – eu respondi em total desespero – Lorenzo, pelo amor de Deus reserva essa passagem! Eu tô saindo de casa agora mesmo pro aeroporto

– Relaxa Thomas, acabei de reservar a passagem e ela é sua. Boa viagem! Aproveite a viagem e não se esquece de me contar como foi quando voltar

– Cara, muito obrigado! Vou ficar te devendo essa pro resto da vida

Desliguei o telefone e saí correndo para o aeroporto. Eu ia conseguir passar o feriado como tinha sido planejado desde o começo. Helena ia chegar algumas horas antes de mim, mas o que importava é que iríamos conseguir passar o dia 25 juntos. Um pouco de medo tomou conta de mim quando me lembrei que aquela era minha primeira viagem internacional e eu estava indo completamente sozinho.

Aquelas tinham sido, sem dúvidas, as 10 horas mais malucas e exaustivas de toda a minha vida. Mas tudo parecia valer a pena no momento em que sentei no avião e me dei conta de que tudo aquilo estava realmente acontecendo.

25 de Dezembro de 1997 – 9:38 (Horário em nova York) 

Passei a viagem toda extremamente ansioso e desesperado para me encontrar com a Helô. Resolvi não pedir pra ninguém avisar pra ela que eu tinha conseguido viajar, apesar da correria, era uma forma de fazer uma surpresa legal pra ela. 

Assim que pousamos em Nova York, procurei um telefone público e liguei para a casa do irmão da Helena. Tudo aquilo ainda parecia irreal e eu não acreditava que depois de tantos altos e baixos eu ia me encontrar com ela. Conversei com o Vicente e expliquei o que tinha acontecido, depois disso ele passou o telefone pra Helena falar comigo. 

– Alô? Thomas?

– Oi Helô! Feliz natal! Como que tá a viagem? 

– Ah, deu tudo certo! Mas ia ser muito melhor se você estivesse aqui com a gente pra comemorar

– Então me passa o endereço do seu irmão que daqui a pouco eu tô chegando ai

– Que? Do que você tá falando? 

– Eu consegui recuperar o passaporte, Helô. É tudo uma história muito longa, quando a gente se encontrar eu te explico tudo

Depois disso, peguei um táxi e fui me encontrar com ela na mesma hora. Nós não acreditávamos que aquilo tudo tinha realmente acontecido, parecia que todas as dificuldades pelas quais nós passamos tinham sido inventadas, aquela história toda parecia ter saído de um filme da sessão da tarde e o final só podia ter sido um milagre de natal. 

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