A dança convida você a conhecer uma história. Uma história de amor, uma fantasia, uma tragédia, a busca pela liberdade. Ela leva o público a experimentar emoções e sensações que só são possíveis vivenciar quando os olhos estão diante de um espetáculo. A dança nos faz repensar opiniões, quebrar paradigmas, questionar e transcender o que um dia nos foi ensinado.
Ato I – O Ballet Clássico e o Ballet de Repertório
O ballet clássico, ao contrário do que se pode imaginar, não surgiu na Rússia. É normal que se chegue a essa conclusão, porque, hoje, alguns dos grandes e mais conhecidos bailarinos são russos e dançam em algumas das companhias mais renomadas. Mas não. O ballet clássico, na verdade, nem existia como o ballet propriamente dito. Ele originou-se das danças de corte, por volta do século XVI, que eram danças muito coreografadas e cheias de técnica, como aquelas que vemos muitas vezes nos filmes de época.
Foi só mais tarde que começaram a surgir coreógrafos empenhados em fazer das danças de corte o ballet como conhecemos hoje: cheio de técnicas difíceis, passos bem elaborados, postura rígida. Foram surgindo também os métodos de ensino do ballet, que não se aplicam a outras modalidades de dança. Hoje, existem sete métodos, além de suas variações, utilizados em todo mundo. A bailarina e professora de ballet clássico, Thaís Sinhoretti, disse que no Brasil o método mais utilizado é o Vaganova – criado na Rússia pela bailarina Agrippina Vaganova – em função da presença da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil na cidade de Joinville, em Santa Catarina. O método russo consiste, basicamente, na valorização a pequenos detalhes, como a atenção dada a posição de braços, pés e cabeça, flexibilidade e fortalecimento muscular e a exigência de que o alinhamento do corpo seja mantido durante toda a aula. E o mais importante, o método busca respeitar e adequar o exercícios a cada idade, o que garante que os alunos não pulem etapas e que tenham uma formação consistente. “Eu gosto dele porque ele deixa você mais limpa. Ele trabalha desde o começo tudo muito lento. Alguns outros métodos não fazem isso. Hoje, as meninas russas são a explosão no Instagram e no Facebook, tudo bem que é um pouco de exagero, mas é o método que deixa daquele jeito.”
O ballet clássico é a base e a essência de muitas outras modalidades, mas o ballet de repertório nasceu do clássico. Os ballets de repertório, normalmente, contam histórias e são divididos em atos. A grande maioria desses ballets foram montados por volta de 1700 e 1800 a pedido das grandes companhias e foram eternizados até hoje. Mesmo tendo sido criados há tantos séculos, apresentam sempre as mesmas coreografias, as mesmas músicas e a mesma história, sendo, às vezes remontados, para que alguns detalhes sejam adequados ao estilo de cada academia.
Essas grandes apresentações, geralmente, são marcadas pelos figurinos cuidadosamente desenhados e decorados, pelo cenário detalhado, pela grande quantidade de bailarinos, pelas coreografias e movimentos que prendem a atenção do público. Existem dezenas desses ballets, mas os mais famosos devem ser O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida, O Quebra Nozes, Romeu e Julieta. Alguns deles até foram adaptados em filmes e desenhos infantis, mas as histórias são completamente diferentes.
Assista a um trecho do ballet de repertório O Quebra Nozes:
Ato II – O Estilo Neoclássico
O ballet neoclássico ainda tem muito do clássico, mas tudo o que de fato caracteriza o ballet clássico desaparece na dança moderna: não existe mais uma história, o figurino e o cenário já não são tão importantes, o uso das sapatilhas de ponta é uma questão de escolha, – e quando utilizadas, a intenção é manter a linha do ballet clássico – os movimentos deixam de ser tão rígidos e começam a dar lugar a mãos e joelhos flexionados. O que passa a ser importante é o bailarino em si e os movimentos que são realizados.
George Balanchine, um dos criadores do método americano, tem uma significativa influência para o neoclássico. Seu método clássico de ensino já quebrava alguns paradigmas do ballet clássico e era alvo de críticas de grandes coreógrafos, pois possuía uma técnica mais solta e valorizava movimentos menos rígidos. “Isso inspirou coreógrafos a experimentar suas ideias, expressar as emoções internas, usando um estilo livre e interpretativo, em vez de seguir as rígidas regras características de muitas disciplinas da dança.”, afirma Nathália Massa, também bailarina e professora de ballet.
Essa liberdade de movimentos e expressividade não teve uma boa recepção quando chegou aos palcos, muitos bailarinos recusavam-se a ensaiar coreografias que vinham dessa vertente mais moderna e o público demorou a aceitar as propostas do neoclássico. Hoje, entretanto, muitos dançarinos praticam os dois estilos. “A minha preferência é o estilo neoclássico. Acredito que para isso não tem um porque técnico, apenas quando danço me sinto realizada, me encontro fazendo o que amo, buscando sempre encantar o público.”, contou Nathália.
Confira abaixo um trecho de um espetáculo de dança neoclássica da companhia de dança norte-americana Pacific Northwest Ballet:
Ato III – A Dança Contemporânea
A dança contemporânea surgiu depois da dança moderna e causou mais estranhamento. Ainda hoje causa. “A companhia Deborah Colker abriu as olimpíadas e na internet comentaram ‘Nossa, mas isso era dança?’. É algo que fica entre a dança e quase o teatro. Não porque as pessoas falam, mas porque é tão diferente, é tão mais vivo e mais dentro da nossa realidade do que uma fada, por exemplo.”, disse Thaís.
Esse estilo é a marca de quando realmente os bailarinos deixam de lado as sapatilhas e optam por dançar descalços. O que caracteriza a dança contemporânea é o poder que a modalidade tem de passar emoções, de ainda chocar e causar certo incômodo ao público, de se misturar a elementos teatrais e até circenses.
Para as professoras, o estilo regularmente aborda temas que, muitas vezes, ou não são muito discutidos pelas pessoas ou causam desconforto. Ou seja, de forma geral, a dança contemporânea tem como foco romper com os padrões técnicos do ballet clássico.
Hoje, já não se tem o mesmo problema recorrente do século XIX e início do XX, em que dançarinos se recusavam a dançar estilos que fugiam muito ao clássico. É muito difícil encontrar, atualmente, bailarinos contemporâneos ou neoclássicos que não tenham passado por longas aulas de ballet clássico e que previamente não tenham dançado esse estilo. No entanto, nem sempre é possível se adaptar a todos os estilos e vertentes, uma vez que “cada modalidade tem suas dificuldades, exigências, consciência corporal, estilos de movimentações. Cada bailarino tem um estilo próprio dançando, nem sempre será possível dançar todos as modalidades, por questões estéticas.”, disse Nathália.
Ato IV – A Incorporação dos Novos Estilos
Dançar sempre foi caro e ainda é. Antigamente, porém, só tinha acesso a dança aqueles que faziam parte da nobreza. Hoje, o que existe é uma questão financeira. Para Thaís, mesmo com a popularização dos estilos e com o aumento das escolas de dança, ainda é preciso fazer parte de uma classe com uma condição financeira mais confortável para fazer parte de uma companhia. “O acesso a dança sempre foi muito restrito, sempre foi muito fechado. O cenário só foi recolocado para o mundo de hoje. Se você fazia parte de uma elite, você entrava em uma escola, em uma companhia de dança.”
Nathália, por outro lado, acredita que com o surgimento dos novos estilos de dança que quebravam certos paradigmas e a rigidez do ballet clássico, o acesso a dança, independente de classe social, objetivo ou condição financeira tornou-se, de fato, mais fácil. “Com a entrada dessas modalidades, a dança como um todo se tornou mais popular, com mais escolas de dança, mais profissionais; com isso é possível atender a todos os estilos de dança e também condições financeiras.”
Segundo Massa, a tradição do ballet clássico sempre foi muito forte, mas o século XX, tendo sido uma época de intensas transformações nas áreas social e de pesquisa, aos poucos a sociedade passou a entender que as danças modernas eram a expressão da interioridade, representação e ilustração de fatos sociais. “O corpo é capaz de mostrar absolutamente tudo o que pode sentir o homem, o corpo revela o que está ocultado e responde às pulsões emocionais e físicas. Com isso conquistando um espaço, escolas de dança começaram a ensinar essas novas técnicas e hoje em dia as danças moderna e contemporânea, no Brasil, são alguns dos estilos mais fortes.”
Por Ana Carolina Cipriano
ana_cipriano@usp.br