“A Bahia criou um gênero de música dançante para o mundo inteiro” – Daniela Mercury.
Estreou quinta-feira (19) nos cinemas o filme Axé: Canto de Um Lugar. Com presenças ilustres de grandes nomes da música nacional, o longa de Chico Kertész se debruça sobre as origens que deram vida ao Axé-music, com nomes como Neguinho do Samba, Chiclete com Banana, Ivete Sangalo, Caetano Veloso e Daniela Mercury.
Embalado por músicas e vídeos de trio-elétricos carnavalescos, o filme remonta às raízes do Axé baiano: inicia-se na década de 80 – em que blocos de carnaval invadem a Bahia com a estética negra – e chega aos dias atuais com opiniões de artistas do presente e comentários dos cantores antigos que deram voz ao Axé no passado.
O documentário apresenta diferentes gerações do Axé e dá a elas espaço para críticas e elogios sobre a forma pela qual o ritmo foi condicionado ao longo do tempo. Dentre as narrativas, os músicos contam histórias de racismo contra membros dos blocos africanos na Bahia, da violência policial contra a manifestação cultural negra, e explicitam, sobretudo, a apropriação cultural do Axé que, devido ao crescimento comercial do ritmo, ofuscou a imagem do negro como criador do gênero musical.
O destaque para a importância da figura negra no Axé não é à toa. Os blocos afros foram o combustível que permitiu a popularização do ritmo. Nos anos 80, a figura do instrumentista Luiz Caldas sobre um trio-elétrico afro embalou o carnaval da Bahia com originalidade e inovação. O músico tirou a guitarra baiana das introduções das músicas e colocou o teclado; trouxe um novo estilo que definiu a linguagem do Axé, como o próprio filme narra. “O verdadeiro Pai do Axé é o carnaval e Luiz Caldas é o primeiro filho, o primogênito”, afirma Caetano Veloso no documentário. Segundo o produtor de Axé Wesley Rangel, Caldas foi o cantor que definiu o estilo e levou a música baiana para o business nacional. Em seguida, nomes como Gerônimo, com o hit “Eu sou Negão”, tomam as ruas e o Axé começa a virilizar ainda mais em território nacional.
O longa de Chico Kertész é estruturado em filmagens festivas do carnaval baiano em diferentes períodos de sua história. No entanto, os depoimentos dos produtores e músicos no documentário carregam uma reflexão sobre a consciência étnica, econômica, cultural e de classe que há por trás do estilo musical. A diversidade artística é levada ao espectador. O filme, desse modo, é direcionado à desconstrução dos preconceitos contra o Axé, escalando um amplo repertório histórico para embasar a importância do gênero carnavalesco na formação cultural do Brasil.
Nessa perspectiva, o sincretismo músico-cultural ilumina a narrativa com um conjunto de células rítmicas do Candomblé – religião que trouxe vida ao Axé e serviu de base para enriquecer a produção das bandas no decorrer dos anos. Chico Kertész expõe essa marca religiosa e transmite a ascendência internacional do gênero com a chegada de Michael Jackson em terras baianas, por exemplo, onde o astro compôs They Don’t Care About Us com o apoio percussionista do ‘Olodun’, grupo musical de Axé baiano rico em ritmos da África oriundos da fé e da musicalidade trazidas para o Brasil pelos negros africanos na época da escravidão.
Axé: o canto do povo de algum lugar é uma miscelânea de gerações cujas vozes se encontram para refletir sobre a passagem do Axé dos anos 80, as explosões comerciais do gênero nos anos 90, o Segura o Tchan – que rebolou milhões de quadris nos anos 2000 – e os rumos que o Axé tomou até chegar nos dias de hoje, com celebridades como Claudia Leitte e a carreira solo de Ivete Sangalo.
Na esteira desses sucessos, Chico Kertész elegeu uma diversidade crítica de depoimentos silenciados pela história, lembranças e significados culturais, e a colaboração artística que o ritmo agregou à arte brasileira. O número de falas combina-se com os inúmeros ângulos de abordagem ao longo da narrativa e amplia nosso espectro de compreensão. Assistir Axé: Canto do Povo de Um Lugar é dar-se a oportunidade de beber de uma fonte de sabedoria e escavar a profunda riqueza cultural que se alastrou sobre os quatro cantos do nosso Brasil.
Trailer:
por Caio Nascimento
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