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Cinéfilos entrevista elenco e diretores de As Boas Maneiras

As Boas Maneiras (2017) estreou dia 7 de junho em todo o Brasil, e nós do Cinéfilos além da resenha, também tivemos a chance de participar de uma entrevista com os diretores do filme, Marco Dutra e Juliana Rojas, e também com as protagonistas, Marjorie Estiano e Isabel Zuaa. Marco e Juliana responderam diversas questões, …

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As Boas Maneiras (2017) estreou dia 7 de junho em todo o Brasil, e nós do Cinéfilos além da resenha, também tivemos a chance de participar de uma entrevista com os diretores do filme, Marco Dutra e Juliana Rojas, e também com as protagonistas, Marjorie Estiano e Isabel Zuaa.

Marco Dutra e Juliana Rojas (Foto: Gabrielle Torquato/Jornalismo Júnior)

Marco e Juliana responderam diversas questões, mas inicialmente explicaram como usaram a cidade de São Paulo para criar o cenário do filme.

MARCO – Tem uma coisa que parte um pouco da cidade, que é uma coisa que tem em vários dos nossos filmes, tem no Trabalhar Cansa (2011) que é a coisa de trabalhar no contexto de São Paulo. E nesse filme, a gente queria deixar mais alegórico ainda, uma das primeiras imagens que a gente tinha, até nos primeiros esboços da Ju, de anos e anos atrás, essa ideia de centro, a periferia e a ponte, que é uma coisa que tem em São Paulo. A gente gostava da ideia de ver num plano uma espécie de centro com arranha-céus, um rio, uma ponte e uma periferia. Era um jeito de fazer meio um conto, como se fosse um castelo e um feudo, de um conto medieval, conto de fadas. Então a gente queria trazer para o universo da alegoria, mas usando coisas que são da realidade, da nossa experiência social em São Paulo e de certa forma, no Brasil.

Uma das perguntas questiona a forma como o lobisomem do longa foi criado, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Uma das críticas feitas ao filme é exatamente sobre a neutralidade do lobisomem, que foi explicada por Juliana.

JULIANA –  Pra gente, era importante mostrar que o protagonista era o monstro, para humanizar, e aí ter um grande trabalho de efeito. A gente trabalhou com duas empresas francesas e com o Atelier 69, com os efeitos mecânicos, e com a Mikros Image, para os efeitos digitais. O bebê é efeito mecânico, é um robô que teve parte dos movimentos pela técnica de marionete, e no caso do lobisomem é completamente computação, mas alguns elementos dele eram de maquiagem também, a pata, o topo da cabeça. A gente queria fazer uma mescla para que fosse possível ter contato físico com a criatura, e a gente trabalhou muito próximo das duas empresas. E depois que selecionamos o Miguel [Miguel Lobo, ator] a gente trabalhou para que as características físicas do lobisomem lembrassem o ator, a gente chegou a fazer um scan 3D pra pegar o formato dos olhos, da cabeça, pra lembrar o Joel humano.

A gente queria que fosse terror, mas ao mesmo tempo é um personagem, que possui sentimentos. E é um lobisomem criança, a gente tentou pensar nisso, como seria um lobisomem pré adolescente? Então, ele não tem todos os pelos desenvolvidos, ele ainda não fica de pé, fica só de quatro patas, alguns dentes são de leite, nem todos são presas. A gente quis ter essa particularidade, que você sente medo, mas também consegue sentir compaixão por essa criatura, por ela estar machucada e chorando, e acho que a gente se interessa muito, em todos os nossos filmes, a gente gosta de trabalhar isso, estar no universo infantil, mas buscar uma perversidade, um lado sombrio. Tem uma doçura, mas ter também o medo.

MARCO – Sempre que você fala de um gênero, tem um conjunto de regras internas, que é bom respeitar, tem um “chão”. A gente tá falando de fantasia, mas é bom ter um chão para as pessoas conseguirem se conectar. A gente tomou a liberdade de ter as nossas próprias regras, a gente discutia o que era mais interessante para o filme. Uma das coisas que a gente decidiu é que seria um período mensal de 4 dias para a transformação, em vez de algumas histórias que é uma noite por mês. Outra coisa foi que o Joel quando volta da transformação tem resquícios, esse é um momento que a gente achou bonito, a ideia de ter uma ressaca da transformação sempre que ele volta tem um processo de ajudá-lo a ser o que era, mas é uma coisa que a  gente decidiu para o personagem, pra criar o mundo de fantasia.

Sobre a decisão dos diretores de mostrar o lobisomem logo de cara, não brincando com a questão da sugestão, já utilizada por eles em obras anteriores, Juliana comenta:

JULIANA – É curioso, porque a gente gosta muito de filme de sugestão, mas ao mesmo tempo, no nosso filme, o monstro é um dos protagonistas, o que ele sente é importante, então a gente sabia que alguma coisa a gente ia ter que ver. O trabalho que a gente vê em cada cena foi muito específico, foi muito humano.

Por fim, Juliana explica o título e as intenções do filme.

JULIANA – O filme chama As Boas Maneiras, mas na verdade é um título irônico, as boas maneiras passa essa ideia de civilidade, mas também pode ser muito opressora, por parte de quem põe essas boas maneiras. Então na verdade nossos personagens são pessoas que não tem essas boas maneiras e que estão à margem, mesmo a personagem da Ana que é de uma classe privilegiada, é uma mulher branca, rica, ela foi exilada, expulsa desse núcleo social e tá numa situação de marginalidade, e isso faz também com que esses personagens se conectem e formem uma família diferente.

Marjorie Estiano (Foto: Gabrielle Torquato/Jornalismo Júnior)

Em seguida, tivemos a chance de saber da Marjorie Estiano, intérprete da Ana, suas impressões do filme desde o contato com o roteiro.

MARJORIE –  Eu fiquei encantada com a riqueza do roteiro, o quão livre ele era, quanta coisa ele sugeria, o poder de síntese dele, ele fala de muita coisa e muito rápido, não era superficial, ele propunha com precisão muitas coisas.

Quando perguntada sobre a criação do relacionamento de sua personagem com Clara, a atriz responde:

MARJORIE –  Foi muito fácil, a gente teve uma sintonia rápida. A [Isabel] Zuaa se coloca de uma maneira muito clara, e as personagens em si estão vivendo momentos que o que falta em uma é o que a outra tem de mais exuberante. A Ana é uma mulher que sempre teve tudo na vida, e a Clara é uma personagem que sofreu muito, que é negra, pobre e trabalha arduamente para ganhar o seu espaço. A minha personagem tá desamparada, sem referência, e a Clara trás essa segurança. A partir daí a Ana trás muita ternura pra ela, talvez um universo de abertura e afeto que a Clara também não tivesse disponível.

Isabel Zuua (Foto: Gabielle Torquato/Jornalismo Júnior)

Por fim, tivemos Isabel Zuaa, que respondeu algumas perguntas em relação a sua personagem, principalmente sobre a questão da representatividade de minorias, uma vez que a personagem de Zuaa é negra, periférica, mulher e lésbica.

ISABEL Ela só falta ser gorda pra ter todos os requisitos que a sociedade exclui como sendo algo de positivo. Que bom que as coisas estão mudando. Ter um personagem com essa vivência e características é muito importante, mas ao mesmo tempo é muito delicado, porque não é sempre que temos uma protagonista negra. Ela tem na sua vivência coisas não tão positivas, é uma estudante de enfermagem que não conseguiu terminar [os estudos] e acaba sendo empregada na casa da Ana. Ela vai pra ser babá e acaba fazendo outro tipo de tarefa, então, acaba sendo muito delicado por isso. Essa transformação, esses abusos de poder que estamos acostumados a ver, vai sendo alterado pelo afeto, e isso é a reviravolta do filme. Porque se fosse só isso, pra mim não seria interessante, pra mim é interessante quando o personagem tem características que a gente já conhece, estereótipos e preconceitos, mas quando isso é de alguma forma transformado. Então, pra mim é muito importante ter esse afeto que afeta os personagens e que logo vai afetar o espectador e o público.

Zuaa é portuguesa, e explicou como o filme afetou a visão dela do Brasil.

ISABEL – Na verdade, eram realidades que eu já tinha próximas. A Clara traz a solidão da mulher negra, a Ana também trás a solidão da mulher branca que não corresponde aos padrões sociais, idealizados pela família, tentou ser livre e acabou ficando sozinha. E a mulher negra que ou não conhece o pai ou não conhece a mãe, ou a mãe morreu no ponto de ônibus indo para o trabalho, ou cuidou da avó e é sozinha, lésbica, que tem um passado lésbico. A gente não vê, mas a gente pode intuir que isso seja assim, que não é a primeira relação homoafetiva que ela tem, não é? Durante muito tempo a gente não era preterida nem pelos negros, nem pelos brancos. A gente fica meio ali tentando se relacionar. Essas realidades eu já ia conhecendo, que também são convenções diferentes em Portugal, mas que acabam levando pro mesmo lugar, de realidade, institucionalizado, esse racismo institucional. O elevador de serviço, independentemente do que você for fazer na casa de outra pessoa, se você for negro. Isso aconteceu comigo muitas vezes, de ir pra casa de uma amiga minha e a forma que falavam comigo na portaria já era uma violência muito grande. E depois, me direcionarem pro elevador de serviço, por acharem que eu, como negra, não tenho legitimidade de usar o social. São realidades que eu já conhecia, e claro, aprofundando em um personagem mais diferente de mim é muito rico, a gente cresce artisticamente, mas cresce humanamente também.

 

O longa tem recebido críticas positivas, e é a prova de que existe bons filmes de gênero no Brasil. Além disso, o filme recebeu prêmio no Festival do Rio 2017 e no 70º Festival de Locarno. Aproveite essa oportunidade de conhecer melhor o cinema nacional e vá ver As Boas Maneiras no cinema.

Confira o trailer:

Por Gabrielle Torquato
gabrielletorquato17@usp.br

 

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