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Clássico para quem?

É muito comum ouvir falar de obras consideradas “clássicos atemporais”, “consagradas por sua genialidade”, e até mesmo que “são importantes por marcarem gerações”. Mas, de fato, o que elas são?

É muito comum ouvir falar de obras consideradas “clássicos atemporais”, “consagradas por sua genialidade”, e até mesmo que “são importantes por marcarem gerações”. Mas, de fato, o que elas são?

 

A DEFINIÇÃO (OU DEFINIÇÕES)

 No dicionário Aurélio, a palavra “clássico” é um adjetivo relativo à cultura dos antigos gregos e romanos, e que segue, nas artes, na música, na cultura e na literatura, o padrão deles. É também  classificada como “da melhor qualidade; exemplar”. Ainda que essa seja a explicação universal do significado, sua aplicação prática varia dependendo do assunto a que é aplicada. 

 

Segundo João Teixeira, estudante de composição musical da Universidade de São Paulo (USP), a música clássica, para os estudiosos da área, é restrita apenas a compositores pertencentes ao conjunto de Viena, como  Joseph Haydn, Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig van Beethoven e Franz Schubert. Então, em teoria, as produções, independentemente do seu caráter universal e marcante, só poderiam receber a denominação de “clássicas” se tivessem sido produzidas em Viena no século 19. O músico Frédéric Chopin, considerado pela população não estudiosa um musicista clássico, estaria fora da classificação, já que não faz parte do grupo de Viena.  “O que é feito nesse período, fora da Alemanha, não consideramos como música clássica.  A música da Itália por exemplo, do fim do século XVIII e começo do século XIX, chamamos de música galante, A  classicista é a desse pequeno grupo de compositores famosos de Viena”, diz o estudante. Para os leigos, entretanto, a classificação geralmente muda. Segundo João, a música clássica seria entendida como toda a produção europeia feita para orquestras. 

 

A imagem é uma pintura com o fundo verde-água do músico clássico Mozart.
Pintura de Wolfgang Amadeus Mozart, grande compositor clássico. [Imagem: Reprodução/ Flickr]

 

Já no teatro, a denominação difere dependendo do país estudado. Em Portugal, o classicismo engloba as obras de Gil Vicente, produzidas no século XIV. Na França, o teatro clássico atingiu seu apogeu no século XVII, durante o reinado de Luís XIV, e as produções precisavam estar elegantes e refinadas para o gosto da elite., Já na Grécia, o teatro clássico abarca obras produzidas na Grécia Antiga, especificamente dos séculos VI e II antes de Cristo.

 

Na literatura, assim como na música e no teatro, a definição varia. Os clássicos dizem respeito àquelas produções realizadas no chamado Período Classicista, em que os artistas europeus exaltavam a arte na Antiguidade Clássica — o que se aproxima da significação mais aceita dos dias de hoje do que é um clássico. Segundo Tatiane Sardinha, professora formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), as obras clássicas são aquelas que possuem caráter universal, ou seja, que podem ser interpretadas e entendidas independentemente do seu contexto. 

 

Cada uma das áreas analisadas é muito ampla, e é difícil encontrar apenas uma explicação para o que são os clássicos de modo geral. Entretanto, é possível traçar uma convergência entre os três universos; as produções clássicas, quando entendidas literalmente, dizem respeito a um pequeno período de tempo, como as produções do grupo de Viena no século  XIX, e as obras de Gil Vicente, produzidas em Portugal no século XIV, por exemplo, e são levadas em consideração, nessa classificação, apenas as produções culturais europeias. Então, fora da Europa nos períodos analisados, não existem outras obras clássicas? 

 

O EUROCENTRISMO NAS PRODUÇÕES CULTURAIS 

Desde o início das Grandes Navegações, período em que a Europa passou a explorar o globo em busca de novas terras e rotas comerciais, o continente foi classificado centro do mundo comercial, político e econômico. A maioria das divisões literárias — período romântico, gótico e clássico, por exemplo — e até historiográficas, levam em consideração acontecimentos exclusivamente europeus, consagrando o continente como o único consolidador de momentos importantes. Na produção cultural, tal padrão se mantém.  Existe um estigma que considera as obras clássicas como aquelas de difícil entendimento e acesso, uma vez que elas são restritas a um seleto grupo de indivíduos. A classificação, entretanto, é ainda mais específica, pois, na maioria dos casos, a produção cultural considerada clássica é derivada de artistas europeus. Ainda que grandes obras sejam criadas, não poderiam ser consideradas “clássicas” porque não são de um determinado país ou período?

 

João acredita que as canções receberam tal consagração por terem sido produzidas, em sua maioria, para a corte —enfatizando que que eram específicas a esse grupo, não era nem para a elite ou burguesia, —, e, por isso, receberam tal aclamação. 

 

A classificação socialmente aceita de que as obras clássicas possuem um caráter universal e são importantes para a geração em que foram produzidas e para as gerações futuras, parece mais democrática pela possibilidade de abarcar produções mais diversas e de locais mais variados.

 

NA ATUALIDADE

Como a maioria das obras consideradas clássicas foram produzidas há anos — se não há séculos — é notável que os jovens não se interessam muito por elas, uma vez que as próprias histórias contadas e as formas que são diferem-se muito da realidade dos leitores atuais; salvo, talvez, aqueles que estudam o tema. Não é comum que este grupo frequente orquestras, ou leia literaturas antigas por interesse próprio. De acordo com a professora Tatiane, essa falta de procura pela literatura clássica se dá pela dificuldade linguística e estrutural das obras, além de serem de difícil acesso.

 

Para João, o não interesse pelas obras clássicas é que elas não estão “na moda”: “Na cultura jovem brasileira, o que está em alta é o funk, o sertanejo, o pop, o rap”. Ele acrescenta, ainda, que algumas músicas clássicas, como a 5ª Sinfonia de Beethoven, são reconhecidas pelos jovens quando utilizadas como memes. 

 

O meme de Beethoven, com uma pintura do musicista.
Meme com imagem de Beethoven, grande músico clássico. Uma de suas composições é, no Brasil, o som do carro que anuncia a venda de botijões de gás [Imagem: Reprodução/Twitter]

 

As redes sociais, atualmente, têm grande influência nas escolhas culturais da nova geração. A aplicação das músicas clássicas, por exemplo, em vídeos de humor, simboliza, de certa forma, o que faz sentido para os jovens. Além disso, se a explicação universal de que os clássicos são obras atemporais, passíveis de serem analisados em qualquer contexto e considerados geniais for levado em conta, porque uma produção da geração Z não pode entrar nessa classificação? 

 

O senso comum considera Harry Potter (Editora Rocco, 2000) e Senhor do Anéis (HarperCollins, 2019), por exemplo, clássicos da literatura ficcional. As obras são relevantes para inúmeros grupos e, de certa forma, são “clássicos” mais acessíveis, pois, além de serem encontradas com facilidade, são leituras de fácil entendimento. O livro O Pequeno Príncipe (HarperCollins, 2018), de Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, é considerado um clássico infanto-juvenil contemporâneo. O livro, que tem aproximadamente 150 milhões de cópias vendidas e foi traduzido para mais de 250 idiomas, tem seu sucesso derivado do enredo marcante, o qual possibilita que públicos de variadas faixas etárias se identifiquem com a história.  

 

A série televisiva Friends (Warner Bros, 1994) devido à sua atemporalidade e linguagem universal, continua sendo uma das produções audiovisuais mais assistidas, mesmo com os quase 30 anos desde a estreia. Os problemas enfrentados pelos seis amigos dificilmente são estranhos ao público que os assiste, e os temas abordados na série fazem sucesso até os dias de hoje. No ramo musical também é possível encontrar artistas que marcaram gerações com suas obras, as quais fazem parte da cultura de um grupo, como Doja Cat e Justin Bieber. Qual é, então, o impasse para considerar essas obras como clássicas, pelo menos para uma geração específica? Pode, um clássico, ser uma produção popular de fácil acesso e de fácil entendimento, e que tem caráter universal?

 

A imagem é um show da cantora Doja Cat, com o palco no centro e a cantora nos telões.
Show de Doja Cat, cantora Norte Americana que esteve no Brasil em Março, durante o festival Lollapalooza. Por ser uma das principais atrações, reuniu milhares de pessoas durante sua apresentação. [Imagem: Reprodução/Twitter]

 

E NO FUTURO?

Mesmo com a imprevisibilidade do futuro, para Tatiane, é improvável que alguma obra literária popular entre os jovens torne-se clássica. Segundo ela, seria necessário analisar de que modo as obras impactam socialmente a partir da leitura, para que elas alcancem essa consagração.

 

Já para João, o cenário é promissor. O aluno afirma que, para estudiosos de observatórios, e até da própria Universidade, é difícil acreditarem que qualquer outra música, que não aquelas produzidas em Viena, seja considerada clássica. Porém,  ele afirma que é possível pensar em um cenário futuro em que  o sertanejo universitário, por exemplo, possa se tornar um gênero reconhecido como clássico. 

 

Quando a Música Popular Brasileira  MPB , surgiu, em meados dos anos 1960, o gênero não era reconhecido como uma produção musical válida, uma vez que tinha origem na rua, e muitos de seus cantores eram oprimidos durante a Ditadura Militar. O gênero de prestígio da época era a Bossa Nova, produzida dentro dos apartamentos, e cultuada pela elite. Anos depois, os dois gêneros musicais são estudados com quase igual importância, o que demonstra a circularidade do que é escolhido como refinado. 

Dentro da literatura, é possível, também, atestar essa circularidade. As obras de Machado de Assis, se forem analisadas friamente, não poderiam ser consideradas clássicas por não terem sido produzidas no Período Classicista. Entretanto, anos depois de sua publicação, elas são cultuadas e sua importância é reconhecida por todas as gerações, além de que seus livros são considerados clássicos da literatura brasileira. 

 

É possível que nenhuma das obras populares algum dia alcance o patamar de clássica, ou que, daqui alguns anos, algum artista ou escritor em alta no século XXI tenha suas produções nomeadas como grandes clássicos. Independente do cenário reservado para o futuro, o importante é questionar-se, agora: é clássico para quem? E por quê?

 

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