O estúdio americano A24 foi criado em 2012, mas já produziu 24 indicações ao Oscar. Filmes lançados por ele, como Ladybird: A Hora de Voar (Ladybird, 2017), Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2016) e Artista do Desastre (The Disaster Artist, 2017), provavelmente já cruzaram seu radar. Mas nem sempre o sucesso de público vem em concórdia com a crítica e, de acordo com sites que agregam a opinião dos espectadores, a produtora já coleciona alguns insucessos. Seus filmes de terror, A Bruxa (The Witch, 2015) e Ao Cair da Noite (It Comes at Night, 2017) deixam claro esse paradigma. Elogiados pela imprensa especializada na estreia, logo receberam o recado dos espectadores atraídos pela hype: num filme de terror, não importa a intenção artística; ou você se assusta, ou não. Ou você sente um calafrio na espinha quando o som do cinema aumenta, ou você boceja desolado. Ou seus pensamentos são invadidos pelas aparições mais macabras na próxima vez que você apaga a luz sozinho, ou é tudo uma perda de tempo.
O novo filme da empresa, Hereditário (Hereditary, 2018), primeiro perturba, depois assusta e faz isso sem pressa. Primeiramente, somos apresentados a tradicional família de quatro membros – pai, mãe, filho mais velho e filha caçula. Eles estão indo ao enterro da mãe de Annie (Toni Collette), cuja morte põe-se como um mero detalhe na forte influência que ela exerce sobre todos. Com exceção de algumas imagens desnorteantes e trilha sonora ameaçadora no início, a primeira parte do filme abandona qualquer pretensão do gênero terror e traz algo mais próximo de um psicodrama familiar com inclinações sobrenaturais. Esquecemos a possibilidade de um susto repentino e passamos a penetrar na complexa história familiar e no mistério que cerca aquelas pessoas. A filha caçula (Milly Shapiro) parece ter uma conexão extrassensorial com a falecida que, aparentemente, praticava magia negra. A tensão inexplicada entre os personagens faz-se sentir nas interações mais mundanas
O que provoca o medo? O que faz com que desviemos o olhar e tentemos desassociar nossas mentes? Na primeira parte do filme, são os sentimentos que desejamos manter guardados. Animosidades que não deveriam existir entre pessoas que se amam. Arrastando-se, por vezes, demasiadamente devagar, Hereditário desfere seu primeiro grande golpe. A cena em que o filho mais velho (Alex Wolff) retorna para casa depois de uma festa é feita para sufocar. Somos jogados de um lado paro o outro, sem cinto de segurança, impotentes, como as grandes tragédias nos fazem ser. O rapaz chega ao seu quarto e deita-se de olhos abertos: ele está prestes a aprender as mesmas lições que nós. Ações têm consequências. Não se pode voltar no tempo. Ignorar um problema não o faz desaparecer. E os gritos lancinantes de Toni Collette nunca saem da memória.
E assim como na vida real, a história continua. Sempre há um amanhã depois do clímax. Com uma tonalidade maleável, o filme atravessa a morbidez insuportável para nos trazer mistérios a serem desvendados e até mesmo momentos de leveza e ternura. O lado paranormal do enredo é ativado e a partir daí, o medo passa a vir de outros lugares. Com um estilo inspirado visualmente e tonalmente por filmes como O Iluminado (The Shining, 1980), Carrie: A Estranha (Carrie, 1976), e os primeiros sucessos de M. Night Shyamalan, Hereditário certifica-se de sempre surpreender, mudando a direção e o humor das situações, dando voltas ao redor do espectador antes de desferir seus golpes, agora, mais próximos das tradições do gênero.
É sensato não revelar mais detalhes sobre a trama, mas cabe dizer que, com pouco mais de duas horas de duração, Hereditário é uma experiência intensa. Você pode assistir ao filme numa manhã ensolarada, acompanhado, seguido de uma praça de alimentação e show stand-up; ou sozinho, introspectivo e esperando o pior. Não importa. Existem personagens, imagens, sons e trama suficientes para dissolver qualquer defesa e deixar sua imaginação fervilhando. A estreia direcional de Ari Aster veio para incomodar e, como toda história que busca assustar, é uma experiência extremamente pessoal. Cada um encontra o medo aonde menos quer. Aplaudido no festival de Sundance e recipiente de críticas entusiasmadas até o momento, pode-se dizer que o espectador ‘especializado’ já deu seu parecer. Agora, como sempre, o tempo e o público geral podem dar o seu.
Hereditário estreia dia 21 de junho nos cinemas. Assista ao trailer abaixo:
por Hugo Reis
hugo.vaz.reis@gmail.com