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Crônica | Lembranças gravadas em prateleiras de CDs

Memórias de uma infância regada a filmes de animações e um grande laço paterno trazem uma nostalgia de tempos que não voltam
Por: Aline Fiori (alinefiori05@usp.br)

2009

Meu pai chegou! Meu pai chegou do trabalho! Como de costume, eu estava com dois filmes da locadora para devolver, mas, enquanto criança, já queria outros desenhos. Ir até lá e ver todos aqueles filmes com suas capas chamativas nas prateleiras sem pegar mais um não passava pela minha cabeça. Era comum brincarem na minha casa sobre a quantidade de filmes que eu alugava. “A locadora fatura só com você!”.

Assim, junto ao meu pai, caminhávamos de mãos dadas na noite recém-chegada pelas ruas do centro. Dava tchau para a vizinha, comentava sobre tudo – mesmo que o trajeto fosse sempre o mesmo – e sentia o cheiro do carrinho de cachorro quente que tinha no caminho. A ida até a locadora envolvia também passar no banco ali perto para que ele resolvesse suas pendências adultas, já eu desenhava em pacotes de boletos, chifrinhos em panfletos e olhava a praça que tinha logo em frente, enquanto esperava ansiosamente para ir na locadora. 

A chegada na locadora Quintino me enchia de emoções. A felicidade de chegar e ver todos aqueles filmes, acompanhado pelo meu futuro iminente onde eu estava no meu quarto assistindo ao CD na minha televisão de tubo rosa  e corações roxos, e a grande indecisão e expectativa de o que eu queria assistir com o meu limite de dois filmes por vez. Eu com meus poucos metros de altura, me perdia em meio aqueles imensos corredores preenchidos por filmes em todos os cantos. Apesar de eu olhar por tudo, nenhum outro filme me interessava que não fosse os infantis com desenhos na capa. Mas ainda tinham centenas daqueles para eu escolher! 

Toda aquela diversidade de filmes não enganava meu pai, nem a moça do caixa. Eu ia pegar os mesmos filmes que já havia visto. Eu assistia muitos desenhos e todos me agradavam, mas sempre temos os preferidos, e no meu caso sempre eram os da Disney ou da DreamWorks. Não só o meu pai, como minha família inteira acabava decorando as falas de filmes como Procurando Nemo, Carros e Shrek que sempre estavam em casa depois de uma visita à locadora. Mesmo que a curiosidade de ver todos aqueles títulos tomasse conta de mim – e de um pouquinho de tempo – Pronto! Escolhi! Vou levar esses dois! Meu pai pegava as caixinhas dos CDs escolhidos  – dessa vez, A Fuga das Galinhas e Procurando Nemo – e passava para a moça do caixa, que olhava o histórico da nossa conta da locadora e falava “Esse já foi alugado antes, vai levar de novo?”. E meu pai esboçava uma risadinha e concordava em alugar aqueles mesmos filmes. Receber a sacola na mão com os filmes escolhidos por mim era um êxtase! E eu ia ver eles repetidamente durante todo tempo de aluguel, e mesmo assim, eu não enjoaria. 

O caminho da volta não era tão diferente da ida. Eu daria minha mão pequeninha para ele e iríamos para casa, quem sabe passaríamos em um mercado para comprar um salgadinho ou um doce para acompanhar o filme. Mas eu sabia que ao colocar meus filmes no meu DVD estaria bem acompanhada dos meus pais, meus brinquedos e minha coleção de adesivos  – com certeza de algum filme –, que eram colados por todos os lados da casa.

As videolocadoras nos anos 1990 e 2000 costumavam ser repletas de filmes e clientes
[Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

Nostalgia

O surgimento dos streamings consolidados na internet e o meu envelhecimento fizeram esse ritual virar uma memória nostálgica e confortante de tempos que não voltam mais. É inevitável a tecnologia desenvolver formatos que facilitem nossas vidas. Porém, ainda que parte das evoluções tecnológicas possam nos ajudar, elas podem liquidificar aqueles laços que existiam. E como eu sinto falta desse costume da mini cinéfila à moda antiga, esta que veria quantos filmes pudesse no tempo que pudesse. Acima de tudo,esta que gostava e podia ser daquele jeito, por causa do seu pai, que a  acompanhava por aqueles mesmos caminhos e tinha a paciência para alugar aqueles mesmo filmes, assistir junto e lembrar as falas até hoje. 

Atualmente, é uma raro ver uma videolocadora enquanto andamos pelas ruas e, a cada dia, mais delas desaparecem. Naquela altura dos anos 2000, existiam várias na minha cidade, assim como em outros lugares, mas hoje em dia resta uma única – a mesma locadora Quintino que eu ia com meu pai. Todo aquele espaço que me deixava animada e ansiosa se transformou em algumas cadeiras com um balcão e equipamentos para fazer churros, açaí e sorvete. Seus corredores imensos se transformaram em apenas algumas prateleiras no fundo da loja, onde ficavam os caixas antes, com alguns poucos filmes em evidência. Seus pôsteres de filmes novos e em destaque foram trocados por propaganda dos açaís e sorvetes que são vendidos lá dentro.

A videolocadora atualmente com propagandas de sua nova fonte de renda e algumas prateleiras com CD’s ao fundo [Imagem: Acervo Pessoal/Aline Fiori]

Mas sempre que passo lá na frente, não hesito em olhar para dentro e ver como estão as coisas, ainda consigo ver as marcas de móveis que tinham lá e a mesma tintura de  quando eu era pequena. Mesmo que o avanço tecnológico e a internet leve a locadora a sumir como as outras, ou que a tradição fílmica tenha que se reinventar completamente um dia seja pela nova rotina ou pelo meu envelhecimento, eu nunca vou perder o mais precioso: uma das memórias de um dos rituais mais marcantes que eu tinha com o meu pai. Foi o que me tornou quem sou hoje.

*Imagem de capa: Reprodução/Freepik

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