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Das “vassourinhas” aos “celtinhas”: os jingles de campanha política na história do Brasil

Nos alto falantes de carros, nas rádios, televisões e na internet. Os jingles de campanha são marca do período eleitoral brasileiro, ficando na história e na mente do eleitor

2022: ano eleitoral. Você já está com alguma música de campanha presa na cabeça? Os famosos jingles são elementos essenciais na campanha dos políticos: passam mensagens de forma rápida, apresentam os candidatos e, se atingirem o objetivo desejado, ficam “na boca do povo”. Pensando em atender os interesses eleitorais dos partidos e indivíduos, existe toda uma indústria ao redor da produção dessas canções, que segue regras do direito eleitoral e da publicidade. 

 

“Varre, varre, varre, vassourinha”

Os primeiros jingles eleitorais no Brasil remontam à década de 1930, quando a expansão do rádio permitiu que esse meio de comunicação fosse usado de forma comercial. Desde então, as canções políticas são marcas do período de eleições, tocando em carros de som, alto falantes, sendo cantadas em comícios, veiculadas na televisão e, mais recentemente, na internet. 

Algumas dessas músicas ficaram famosas a ponto de serem repassadas por gerações e comentadas nas aulas de história. É o caso de “Varre vassourinha”, tema da campanha de Jânio Quadros à presidência, em 1960. 

 

“Varre, varre, varre, varre vassourinha!

Varre, varre a bandalheira!

(…) Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!

Jânio Quadros é a certeza de um Brasil, moralizado!”

 

A ideia da “vassourinha”, apesar de caricata, deu certo: Jânio Quadros foi eleito e governou até 1961, quando renunciou ao cargo. É justamente a possibilidade de impulsionar campanhas por meio de canções, o que incentiva os candidatos a procurarem produtoras especializadas para a criação de seus jingles.

 

Mas como acontece o processo de criação de um jingle?

De acordo com Antônio Flávio Pereira de Mendonça, representante da produtora especializada em jingles Desert Studio, “esse é um processo que, na verdade, começa muitos meses antes do período eleitoral, porque os jingles são encomendados pelos políticos com antecedência”. Mendonça relata: “Primeiramente a gente faz a coleta de informações, número, cidade, histórico do político, para só depois ‘musicar’. A parte mais difícil, normalmente, é conseguir incluir tudo isso e ainda rimar, em uma música curta.”

Com o desejo de vencer a corrida eleitoral em jogo, aumenta a pressão sobre os compositores dos jingles, que trabalham com prazos curtos, e briefings – documentos publicitários que orientam a execução de um projeto – extensos. “Uma guia, a prévia da letra e da música, é mandada em mais ou menos 12 horas e em até 48 horas o jingle final fica pronto”. Essa dinâmica se altera com as paródias: “[A paródia] é um pouco mais rápida, em torno mais ou menos de 24 horas. Também depende um pouco do tipo de jingle, aqueles com letras mais repetitivas, por exemplo, ficam prontos mais rápido”, afirma Mendonça.  

As diferenças de tempo e detalhes na produção entre paródias e jingles autorais, também afeta a precificação desses produtos. Cada produtora possui uma tabela de preços própria, mas no caso da Desert Studio, as músicas ficam entre 299 e 3000 reais, dependendo do tipo do produto e das especificações do cliente. O representante da produtora comenta o caso de um político em particular que queria um violino na composição: “Para esses casos mais elaborados, aumentam os custos da produção.”

 

https://youtu.be/UNt4GXfSofA

 

 “Brasília é seu lugar”

Além dos detalhes de caráter publicitário, ainda há toda a questão legal por trás da produção dos jingles. O Código eleitoral brasileiro define leis e normas que os candidatos e partidos devem seguir ao criar e veicular suas propagandas. 

Segundo o professor Filipe Cesar Lopes, especialista em Direito Eleitoral, “tanto a Lei n° 9504, que é a Lei das Eleições, quanto o Código Eleitoral e as resoluções do TSE ― no caso, hoje, a resolução vigente é a Lei n° 23610, de 2019 ― trazem para nós alguns parâmetros”. O professor comenta: “A nossa Constituição garante o princípio da liberdade de manifestação e informação, então essa propaganda não passará por nenhum tipo de censura prévia. Também há o princípio da isonomia, que assegura que todos, caso queiram, possam criar seu jingle, sua propaganda”. Ele continua:  “Além disso, há o princípio da transparência, que obriga os políticos a esclarecerem quem é o partido por trás da propaganda, o nome do candidato.”

Mas, para além da questão do direito eleitoral, há os meandros dos direitos autorais. Esses, por sua vez, também são muito importantes durante o período das eleições, visto que alguns políticos optam por apresentar e divulgar suas candidaturas por meio de paródias. 

 

Muitos políticos tocam seus jingles em comícios para animar o público presente [Imagem: Reprodução / Fotos Públicas]

Durante a campanha eleitoral de 2014, o então candidato Tiririca utilizou desse artifício musical, usando como base a música “O Portão”, de Roberto Carlos. Tendo conhecimento da propaganda, a gravadora EMI Songs do Brasil entrou em ação contra o atual deputado federal, alegando plágio na criação do jingle. Sobre esse caso, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em favor de Tiririca, baseando-se no artigo 47 da Lei de Direitos Autorais, que determina “livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”.

 

“Eu votei, de novo eu vou votar. Tiririca, Brasília é seu lugar”

 

O professor Filipe Cesar Lopes ainda destaca a dificuldade que se tem em supervisionar a veiculação de jingles e a propaganda eleitoral como um todo, no ambiente da internet. “Atualmente, com as propagandas exibidas nas rádios e na televisão, a gente consegue fazer um controle mais eficiente em relação a, por exemplo, conteúdos vexatórios, difamadores, caluniadores, ao contrário do que acontece na internet. Nesse espaço a gente tem uma dificuldade muito grande ainda para conseguir fiscalizar e evitar a disseminação de fake news.”

Caso ocorra o descumprimento das leis de propaganda eleitoral, o professor ainda reitera: “Os partidos podem ser punidos com perda de tempo de propaganda, aplicação de multas […] Até mesmo os próprios veículos, que forem coniventes com esses excessos podem ser penalizados”. O professor ainda comenta que “tudo acontece de forma muito rápida, até porque os prazos para entrar com representações legais são de 48 horas. Quanto mais tempo demorar para acionar a justiça, mais difícil é reparar os estragos advindos de uma propaganda eleitoral inadequada.”

Os próprios eleitores podem denunciar propagandas eleitorais irregulares. Em agosto de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral lançou o aplicativo “Pardal“, no qual os cidadãos podem fazer denúncias de ilicitudes nas eleições, além de encontrar informações sobre o que pode ou não ser feito durante esse período. De acordo com informações do próprio TSE, logo na primeira semana de funcionamento o aplicativo registrou mais de 1,3 mil denúncias.

 

 

“De Celtinha”

A propaganda eleitoral pela internet, em 2022, é inclusive uma das grandes apostas dos candidatos e partidos, e os jingles de campanha não ficam de fora. Memes, “dancinhas” e mesmo a apresentação visual das redes sociais são elementos essenciais para chamar a atenção dos eleitores e acabam influenciando no processo de criação dos jingles. 

Quem explica um pouco sobre o assunto é Iran Ribas, um dos responsáveis pela produção e composição dos jingles de campanha de Guilherme Boulos para prefeito, em 2020, e para deputado federal, neste ano, em São Paulo. “Na campanha de 2020, nós estávamos muito ligados em ser uma campanha contemporânea, que pudesse se apropriar de mecanismos que são as redes sociais para fazer crescer”, afirma. “Ver onde está ‘rolando’ a comunicação, onde as coisas estão acontecendo e entrar de uma forma natural, não forçando, simplesmente cantando o número do candidato e sendo patrocinado.”

De fato, a naturalidade do processo é essencial nas grandes campanhas. Com a proximidade promovida em tweets ou stories do Instagram, não é difícil para o público identificar o que é ou não genuíno, em campanhas políticas. Tanto, que os famosos memes de candidatos comendo pastel nas feiras pelo país, são amplamente veiculados. 

 

 

Sendo assim, como garantir que a imagem desejada pelo político seja aquela veiculada nas campanhas, em específico, nos jingles

Ribas usa como exemplo o processo criativo da música “De Celtinha” criada para a campanha de Boulos em 2020. “Já estavam ‘tirando um pouco de onda’ na época (2020) com o fato dele (Boulos) ir de Celta ― carro popular ― para os debates presidenciais. Do ponto de vista de quem quer comunicar quem é o Guilherme Boulos, o ‘celtinha’ é um exemplo de simplicidade da pessoa dele. Ele não tem um Celta porque é algo que o torna simples, é o contrário”. O produtor continua: “A gente acabou enxergando dentro de quem ele é, que vem através do, entre outras coisas, carro que ele usa.”

Além da apresentação dos candidatos, também é essencial demarcar suas propostas e pensamentos políticos. Em um ano em que o cenário eleitoral está tão polarizado, a equipe das campanhas também se preocupa em apresentar suas críticas à oposição, seja ela qual for, por diferentes estratégias. “Existe muito uma questão do poder que você dá quando você está fazendo uma menção e às vezes de um ataque se tornar algo a favor de alguém […]. É necessário [para a campanha do Boulos] apontar as fraquezas do atual governo, mas a gente aprendeu uma lição muito válida em 2018”, diz o produtor.

“Naquele momento a gente, sem querer, deu voz a alguém”. Ribas ainda ressalta: “Esse é um cuidado que a gente tem que ter, quando se coloca como porta-vozes de figuras públicas.”É com jingles na cabeça e título de eleitor nas mãos que os eleitores de todo o país vão às urnas esse ano. Entre tantas decisões de extrema importância para seu futuro, não poderiam faltar melodias para entoar na grande “festa da democracia” brasileira.

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