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Um dossiê da urna eletrônica

A menos de um ano das eleições presidenciais e com a crescente desconfiança dos eleitores no Brasil, esclarecemos todos os pontos do funcionamento de uma urna eletrônica e sua segurança

Nos dias 2 e 30 de outubro de 2022, cerca de 150 milhões de brasileiros estarão aptos para ir às urnas eletrônicas a fim de decidir os próximos deputados, senadores, governadores e presidente da República pelo mandato de 2023 a 2026. Contudo, algo não tão novo vem sendo colocado em debate entre os eleitores de todo o país: o sistema eletrônico de votação. A própria urna, em palavras fáceis. A sua 14ª aparição em eleições do Brasil está mais do que nunca em risco.

Em pesquisa do Instituto Sensus realizada em 2010 realizada em 2010, 94,4% dos eleitores afirmaram aprovar o uso de urnas eletrônicas e 85% relataram não ter dificuldade alguma na hora de votar. Após a eleição do atual presidente Jair Bolsonaro, que já pregou a volta dos votos impressos, os números caíram bruscamente. Em janeiro de 2021, antes das discussões em Plenário acerca da substituição das urnas eletrônicas, apenas 73% dos brasileiros aprovavam a continuidade do sistema, segundo a Pesquisa Datafolha. A tendência é que essa porcentagem seja ainda menor atualmente.

A possibilidade de mudança no sistema eleitoral brasileiro, de características únicas em comparação ao resto do mundo, exige um maior entendimento da urna eletrônica, aparelho que é pivô de uma das várias polêmicas da polarização no país. Ela é segura? Por que outros países não a adotam? Já aconteceram fraudes? A J.Press te convida a esclarecer cada ponto.

 

O que é e como funciona a urna eletrônica?

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define a urna eletrônica como “um microcomputador de uso específico para eleições, com as seguintes características: resistente, de pequenas dimensões, leve, com autonomia de energia e com recursos de segurança”. No Brasil, foi adotada a utilização de números para a indicação do voto, dispostos como em um telefone, para facilitar a experiência do eleitor.

Oito diretrizes foram estabelecidas na criação do equipamento no país: a segurança, a autonomia, o custo reduzido, a facilidade na logística, a perenidade (reutilizável), a solução universal (utilização de números para o voto), a aderência à legislação vigente (criada com brechas para eventuais evoluções) e o processo amigável (fácil utilização). Essas características primordiais surgiram em comparação com o processo anterior, do voto impresso.

A urna ainda conta com vários recursos modernos para que o resultado seja preservado. A memória de resultado, uma espécie de pen drive que armazena os votos, foi inserido em 2008 no lugar de um disquete que executava a mesma função. Ela ainda dispõe de baterias interna e externa (é possível votar em caso de falta de luz), cabos de alimentação, impressoras térmicas (impressão do boletim de cada urna), entradas USB e memórias flash (para redundâncias de resultados em caso de problema com a memória principal), além de áudio e sistema braile para deficientes visuais.

O mesário dispõe de um teclado denominado “terminal do mesário”, no qual ele deve identificar o eleitor pelo leitor biométrico e número do título de eleitor. Ele também tem acesso ao status da urna através de luzes de LED, que indicam se ela está liberada, se o eleitor está votando ou se a bateria interna está em nível baixo.

 

[Imagem: Abdias Pinheiro/Secom/TSE]

Entre as vantagens da urna, de acordo com o TSE, a rapidez na divulgação do resultado, a impossibilidade de identificação do eleitor e a inexistência de ligação com a internet ou com qualquer dispositivo de rede se destacam e proporcionam uma melhor experiência no processo eleitoral. Além disso, as urnas eletrônicas são recicladas e reutilizadas em diversas peças após o descarte.

Um dos grandes questionamentos acerca da urna é a segurança. Não houveram registros de fraudes durante os 25 anos de uso do aparelho no Brasil. O presidente da República, Jair Bolsonaro, no entanto, já promoveu repetidas acusações de violação do resultado em seus discursos recentes, sem apresentar evidências.

Rodrigo Coimbra, chefe da Seção de Voto Informatizado do TSE, apontou os recursos de segurança disponíveis na urna eletrônica: “O voto é gravado no arquivo de Registro Digital do Voto (RDV). No RDV os votos são gravados tal como digitados pelo eleitor, porém, sem qualquer tipo de associação com o eleitor ou com a sequência de comparecimento na seção eleitoral. Durante a votação o RDV é mantido cifrado, utilizando um mecanismo que permite somente à urna fazer a decifração dos votos”.

Segundo Rodrigo, todo o código-fonte do software da urna é aberto para fiscalização e ampla auditoria, sendo possível verificar que ele não possui qualquer tipo de instrução para manter registros que possam associar o voto ao eleitor. “Os processos de lacração e assinatura digital do software garantem que somente esse software previamente auditado pode ser executado na urna eletrônica, o que inviabiliza a inserção de software manipulado para a violação do sigilo da votação.”

Além do RDV e da possibilidade de auditoria, a urna eletrônica brasileira ainda possui defensores digitais e físicos. Entre os digitais, o sistema operacional específico (Uenux), a identidade individual das urnas eletrônicas conferidas por um hardware próprio e os hashes, uma espécie de código-fonte dos programas que é disponibilizado publicamente para conferência, garantem a segurança do aparelho.

Entre os defensores físicos, os recursos são vários: a urna suporta climas adversos, é lacrada por um lacre elaborado pela Casa da Moeda brasileira, tem seu projeto controlado exclusivamente pelo TSE, efetua a impressão de boletins da urna com as votações de cada aparelho e também da zerésima documento emitido antes do primeiro voto para assegurar que nenhum voto foi registrado antes , e guarda a sequência de informações para eventuais erros e falhas.

Outra preocupação comum do eleitor é a possibilidade de hackeamento da urna eletrônica. Rodrigo garante que não há com o que se preocupar: “A urna não está vulnerável a ataques de acesso remoto. Isso se deve ao fato de a urna não possuir hardware ou software capazes de suportar comunicação via rede ou remota de qualquer natureza”.

Ele ainda destaca os recursos de transparência que garantem o acesso do público geral a todas essas proteções citadas: período de abertura do código-fonte dos sistemas eleitorais, Teste Público de Segurança, Cerimônia de Lacração e Assinatura Digital dos Sistemas Eleitorais, Cerimônia de Carga e Lacre das Urnas, publicação das tabelas de correspondências das urnas, auditoria de verificação de autenticidade do software da urna nas seções eleitorais, teste de integridade (votação paralela) e conferência do boletim de urna (cópia digital via QR Code).

Um deles, o Teste Público de Segurança (TPS), é inédito no mundo. O evento reúne especialistas em Tecnologia e Segurança da Informação de diversas organizações, instituições acadêmicas e órgãos públicos de prestígio, que devem tentar corromper a urna e encontrar vulnerabilidades do aparelho. Desde o primeiro teste, em 2009, algumas oportunidades de aprimoramento foram identificadas, mas nada que oferecesse risco à votação nacional.

 

 

Reunião do teste público de segurança, criado para aprimorar o processo de votação na urna eletrônica
Evento do Teste Público de Segurança [Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE]

Em 2022, o TSE ainda disponibilizará na internet uma ampla verificação do RDV e do
log (aparelho similar a da caixa preta de aviões) de todas as urnas do país. Tudo isso almejando a máxima confiabilidade do aparelho. O acesso aos recursos de transparência são variados e possuem mais informações disponíveis no site do TSE.

 

A história da urna eletrônica no Brasil

A urna eletrônica como é conhecida hoje foi criada em 1995 no Brasil por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA), do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e do Exército.

Nas eleições municipais de 1996, 32% do eleitorado brasileiro usou o primeiro modelo de urna eletrônica (até então chamada de Coletor Eletrônico de Votos), a UE 1996, para exercer o direito democrático. Nas eleições seguintes, a porcentagem cresceu para 57,6%, enquanto o modelo foi trocado para o UE 1998, de melhor processamento e memória que o anterior.

Em 2000, com o modelo UE 2000, 100% dos eleitores votaram em urnas eletrônicas. O brasileiro, de vez, encontrara o seu novo sistema eleitoral, o qual prometia mais segurança, precisão e sigilo na votação. Outra novidade nesse ano foi a saída de áudio para fones de ouvido na urna, atendendo deficientes visuais.

Nas eleições seguintes, em 2002, um teste foi realizado: de acordo com a lei nº 10.408/2002, a urna eletrônica deveria dispor de um mecanismo de impressão do voto, sem contato manual do eleitor. 150 municípios (6,18% do eleitorado) dispuseram desse recurso. De acordo com o Relatório das Eleições de 2002, elaborado pelo TSE, o resultado foi “vários inconvenientes”, como filas maiores e defeitos em urnas, e que o voto impresso em “nada agregou em termos de segurança e transparência”. No ano seguinte, então, a lei foi revogada.

 

Urna modelo UE 2002, com mecanismo de impressão de voto [Imagem: Biblioteca Digital/TSE]

Para 2004, a impressão do voto foi substituída pelo Registro Digital do Voto (RDV), um arquivo digital no qual é registrado cada voto. O recurso levou segurança e transparência ao processo eleitoral, tendo em vista também que o sigilo garantido pela Constituição é mantido mediante à impossibilidade de identificação do votante no sistema.

Os modelos mudaram seus sistemas operacionais nos UEs 2002 e 2004, mas foi a partir do UE 2006 que o leitor biométrico de impressão digital foi incluído nas seções. O primeiro teste foi nas eleições de 2008, em três municípios, e desde então o recurso é utilizado. Assim, a identificação do votante ficou praticamente insuscetível a erros, e a expectativa é de que até 2026 todo o eleitorado brasileiro possa usufruir do recurso em suas seções.

Ainda foram produzidos mais três modelos, até a versão atual: UEs 2009, 2011 e 2013, este ainda utilizado. As alterações foram aperfeiçoamentos das funcionalidades da urna e melhor desempenho na coleta dos votos, disponibilizando o resultado cada vez mais rapidamente. O sistema operacional, o Windows CE, foi também substituído pelo Linux, software que permite maior adaptação às exigências do TSE.

As urnas, aliás, não surgiram do dia para a noite. O Código Eleitoral de 1932, o primeiro Código Eleitoral do país, previa o uso de “máquinas de votar”. 28 anos depois, Sócrates Ricardo Puntel elaborou a urna mecânica, mas a invenção ainda era inviável para ser utilizada em escala nacional e não avançou. Os primeiros indícios de tecnologia nas eleições foram em 1985, com o cadastramento único de mais de 70 milhões de eleitores brasileiros, informatizando dados e facilitando a identificação.

A cidade de Brusque, no estado de Santa Catarina, foi precursora na digitalização dos votos. O juiz Carlos Prudêncio utilizou os recém-chegados computadores em 1989 para a contagem de votos do primeiro turno da eleição presidencial, e a velocidade do resultado permitiu que a cidade fosse a primeira do Brasil a contabilizar os votos. Na contagem manual e oficial, que demorou mais, todos os números bateram.

 

A urna no resto do mundo e a polêmica

 

Jornal do Comércio noticia a aprovação do voto eletrônico
[Imagem: Reprodução/Arquivo Pessoal]
O Brasil é modelo no mundo no quesito sistema eletrônico de votação. Pelo menos 15 países levaram representantes ao TSE para conhecer o funcionamento do processo eleitoral brasileiro, entre os quais se incluem as potências Estados Unidos, Coréia do Sul, Japão e Alemanha. Além disso, vizinhos como Argentina, Equador e Paraguai já realizaram eleições com urnas eletrônicas emprestadas pelo Brasil.

Atualmente, de acordo com o Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea), 46 nações em todo o mundo utilizam o sistema eletrônico de votação, em grande ou pequena escala. O modelo brasileiro, porém, é único e não foi confeccionado a partir de influência de algum desses países.

 

Rodrigo Coimbra destaca as singularidades do nosso modelo: “O projeto da urna eletrônica conta com elementos de hardware e software que garantem que a urna eletrônica só executa o software da Justiça Eleitoral e que o software feito pelo TSE só funciona no nosso equipamento. Essa arquitetura é chamada de T-DRE e foi publicada em artigo científico internacional no ano de 2010. Trata-se de tecnologia desenvolvida pela Justiça Eleitoral em conjunto com a comunidade científica brasileira”.

[Imagem: Reprodução/Rodrigo Coimbra]
Na Índia, país no qual acontecem as maiores eleições do planeta, o sistema eleitoral era quase idêntico ao brasileiro até 2011. Desde então, eles passaram a utilizar juntamente o voto impresso auditável, sem qualquer intervenção humana: o eleitor vê a cédula através de um visor, que logo depois é depositada em uma urna. A mudança constou em todo o território apenas em 2019, oito anos depois do primeiro teste. Na Venezuela, o processo é semelhante, mas o eleitor deve depositar a cédula gerada em uma urna manualmente.

 

Voto eletrônico na Venezuela [Imagem: Divulgação/CNE]

De acordo com
levantamento da Folha, a maioria dos países que realizam o processo eleitoral com urnas eletrônicas adotam as máquinas de primeira geração, ou seja, que imprimem um comprovante do voto, como os indianos e os venezuelanos. Argentina, Bélgica e República do Congo usam essas urnas, mas não computam os votos eletronicamente. Nesses países, o eleitor recebe uma cédula que deve ser depositada em uma urna e a contagem dos votos é manual.

A segunda geração do aparelho, ainda segundo o levantamento, é presente e dominante apenas em Butão, Bangladesh e Brasil. Até 2020, a Namíbia também utilizava urnas eletrônicas sem impressão de comprovantes, mas após um questionamento na Justiça local o país africano voltou a adotar o voto impresso. Estados Unidos, Rússia e França também possuem urnas como essas, mas que não atingem nem 10% de seus respectivos eleitorados.

[Imagem: Reprodução/Waldenyr Caldas]
O professor e mestre em Sociologia, Waldenyr Caldas, expôs sua visão acerca da implantação de um comprovante de voto impresso nas urnas brasileiras: “Quando saímos da urna após termos votado, já recebemos um comprovante de que votamos. Mais do que isso, é começar a burocratizar o voto e abrir mais opções para os oportunistas perdedores. Pessoalmente, não vejo nenhuma necessidade de burocratizar o chamado sufrágio universal”.

Além disso, Waldenyr admitiu estranheza na motivação de grandes potências democráticas do planeta ainda optarem pela votação impressa. Ele acredita que é uma questão de tempo para que o sistema de eletrônico de votação semelhante ao brasileiro seja disseminado, e credencia isso aos recorrentes elogios de outros países ao aparelho elaborado pelo TSE.

A deputada Bia Kicis (PSL-DF) lidera o debate na Câmara desde março acerca da inserção desse comprovante impresso do voto já nas eleições de 2022, em 100% das urnas eletrônicas. Ela é aliada direta do presidente Jair Bolsonaro, que frequentemente se posiciona contra o atual processo eleitoral brasileiro e é a favor da proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui a alteração nas urnas.

 

[Imagem: Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados]

Pela complexidade do processo de reformulação de 100% das urnas eletrônicas para 2022, assim como previa a PEC,
a matéria não avançou no plenário por 229 votos favoráveis contra 218 contrários eram necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis e foi arquivada. Contudo, o discurso ganhou mais força do que nunca e uma mudança no processo eleitoral brasileiro será insistentemente debatida nos próximos anos.

Para Waldenyr, a implantação da urna de segunda geração no Brasil pode ser um problema: “Não é mal, mas me parece desnecessário. A burocracia bem aplicada, bem organizada é indispensável, é excelente, organiza muito bem a vida das pessoas. Mas o excesso de burocracia no decorrer do tempo, torna-se um instrumento de poder e, por decorrência, de dominação; isso não é bom. Aliás é o que há de pior, entre outras coisas porque estimula o autoritarismo administrativo”.

Desde a inserção das urnas eletrônicas no Brasil, em 1996, a impressão do voto é motivo de discussão. No ano de 2002, como já citado, a tentativa do voto impresso auditável foi falha. Em 2009 e 2015, propostas similares à última PEC, elaborada por Bia Kicis, avançaram no Congresso Nacional, mas foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e não entraram em vigor.

 

O novo modelo da urna para as eleições de 2022

Na última segunda-feira, 13 de dezembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, apresentou o novo modelo de urna eletrônica que será utilizado nas próximas eleições, previstas para os dias 2 e 30 (segundo turno) de outubro de 2022. As urnas Modelo UE2020, de acordo com o TSE, são mais modernas e seguras e dispõem de novos recursos de acessibilidade.

 

Urna modelo UE2020 [Imagem: Divulgação/TSE]

Em relação ao modelo anterior, de 2015, o processador é 18 vezes mais rápido, a bateria possui melhor desempenho, a entrada USB permite agora maior flexibilidade na locomoção dos dados da urna, o aparelho usado pelo mesário é totalmente digital, sem teclados, e a identificação do eleitor será feita de forma mais rápida, evitando eventuais filas. 

Além disso, intérpretes de libras aparecerão nas urnas eletrônicas e os nomes de suplentes e vices passarão a ser entoados pela máquina, de forma a gerar maior acessibilidade para deficientes auditivos e visuais na hora do voto. Essa é a 12ª vez que a urna eletrônica troca seu modelo no Brasil, e o intervalo de cinco anos é o maior entre alteração de modelos.

Na apresentação do modelo, em Manaus (AM), o ministro Barroso frisou que os ataques proferidos por Jair Bolsonaro ao atual sistema de votação brasileiro “é um tema superado” e afirmou que quaisquer vulnerabilidades detectadas serão aperfeiçoadas e levadas à público na próxima Comissão de Transparência, em maio. O presidente defende a participação das Forças Armadas na comissão.

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