Por Catarina Bacci (cbmedeiros@usp.br) e Matheus Ribeiro (matheus2004sa@usp.br)
A estreia do futebol brasileiro no panteão dos hexacampeões aconteceu no início deste ano. Durante a segunda quinzena de fevereiro, foi disputada a Copa do Mundo de Futebol de Areia, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A seleção brasileira, que teve campanhas sem destaque nas últimas edições do torneio, estava determinada a acabar com o jejum de títulos que amargava desde 2017.
Alocada no grupo D, acompanhada por Omã, Portugal e México, a Amarelinha começou sua campanha nas areias do Oriente Médio. Em três partidas acirradas e cheias de emoção, o Brasil se consagrou vitorioso em todos os embates, o que garantiu sua classificação como primeiro colocado.
Em seu primeiro compromisso na fase eliminatória, nas quartas de final –– fase em que o Brasil foi eliminado nas últimas edições ––, a Canarinho venceu o Japão por 8 a 4 e espantou o “fantasma da queda precoce”. Na semifinal, houve um confronto definido no detalhe contra o Irã: após ver seus adversários abrirem uma vantagem de dois gols, a Seleção virou o jogo restando somente 41 segundos para o fim.
A decisão do torneio foi disputada contra a Itália e, assim como nas outras partidas, não faltou intensidade aos torcedores. Os italianos iniciaram com a vantagem, mas contando com o talento de Rodrigo, eleito melhor jogador do mundo no início do ano, o Brasil empatou, virou e manteve a superioridade no restante do jogo. Assim, com o placar final de 6 a 4, a seleção brasileira garantiu seu sexto título mundial, com 100% de aproveitamento.
Além do Brasil, apenas três outras seleções são campeãs do torneio: Portugal, Rússia e França [Reprodução/X: @fifaworldcup_pt]
Dentro dos salões, o Brasil também conquistou um grande destaque. Na Copa do Mundo de Futsal, disputada no Uzbequistão entre setembro e outubro de 2024, a Seleção conquistou o “hexa” invicto em mais uma modalidade futebolística. Isso, após 12 anos sem alcançar uma final na competição, período que disputaram duas edições, o maior jejum na história da equipe.
Desta vez no grupo B, acompanhado de Cuba, Croácia e Tailândia, o Brasil se consagrou com três vitórias novamente e avançou às eliminatórias. Porém, ao contrário do que aconteceu na areia, os brasileiros não viram dificuldades em seus adversários e cravaram placares elásticos contra todos: respectivamente, 10 a 0, 8 a 1 e 9 a 1.
Nas oitavas de final, contra a Costa Rica, a vantagem brasileira se manteve, desta vez com uma diferença menor: “apenas” 5 a 0. Nas quartas, contra o Marrocos, o jogo foi marcado por um nervosismo inicial do Brasil, que logo retomou o controle e sacramentou uma vitória de 3 a 1. A “vida fácil” da Amarelinha se encerrou na semifinal, quando enfrentou uma das sensações desta edição: a Ucrânia. Em uma partida sofrida, os brasileiros conseguiram segurar a pressão ucraniana e garantiram a vaga na final com um 3 a 2.
De volta à final da competição após 12 anos, o Brasil se deparou com sua maior rival, a Argentina, que estava em sua terceira decisão seguida. Em outro jogo intenso, marcado pelas inúmeras defesas de Willian Dorn, eleito melhor goleiro do mundo pela revista Futsal Planet, o Brasil adquiriu vantagem no placar e administrou a partida para segurar as ofensivas dos “hermanos”. Com o confronto finalizado em 2 a 1, a seleção brasileira de futsal conquistou seu sexto título mundial.
O artilheiro da competição foi Marcel, com dez gols marcados [Reprodução/X: @CBF_Futsal]
Trajetória brasileira
O histórico brasileiro nessas modalidades está diretamente relacionado às suas fundações. Há registros que mostram que a origem do beach soccer ocorreu na orla da praia de Copacabana, ainda na década de 1930, como uma forma de lazer. Com o passar do tempo, torneios entre moradores de diferentes bairros começaram a ser organizados, o que foi o suficiente para chamar a atenção de atletas de campo.
A partir da década de 1990, surgiram as primeiras competições oficiais de beach soccer, consolidando a prática como uma modalidade profissional. Em 1995, o primeiro campeonato mundial de seleções foi realizado e sediado no Brasil, sua terra de fundação, sendo essa a nação vitoriosa.
Desde então, o Brasil conquistou 14 títulos mundiais em outras ocasiões, se definiu como a principal potência internacional, maior vencedor do esporte e eternizou craques como Benjamin, Mão, Júnior Negão, Neném, Betinho e até o Maestro Júnior que, além de ídolo do Flamengo pelo futebol de campo, foi um dos precursores do esporte.
Apesar dos 15 títulos, apenas seis fazem parte da contagem oficial da Fifa. Isso porque foi a partir de 2005 que o torneio começou a ser organizado pela federação [Reprodução/Instagram: @nenem7_]
O futsal, por sua vez, possui uma história mais longa. Não há um consenso de como surgiu, mas existe uma versão que indica que sua origem se deu em São Paulo. De acordo com esse registro, o futebol de salão começou a ser praticado quando, por volta dos anos 1940, membros da Associação Cristã de Moços resolveram jogar sua “pelada” em quadras de basquete e hóquei, por conta da dificuldade de achar um campo disponível.
Com o pontapé inicial dado, a modalidade começou a se desenvolver internacionalmente, com federações e equipes sendo formadas ao redor do mundo. Em 1982, foi realizado o primeiro torneio mundial da categoria, em que, assim como no de futebol de areia, o Brasil foi campeão. Assim, iniciou-se outra trajetória de soberania brasileira, com oito conquistas globais ao todo e a imortalização de craques como Falcão, Pito, Ricardinho, Vinícius Catão e Rodrigo Capita.
Assim como no futebol de areia, apenas seis dos oito títulos são considerados oficiais. A organização do mundial passou a ser de responsabilidade da Fifa em 1989 [Reprodução/X: @FIFAcom]
Em entrevista à Jornalismo Júnior, Lavoisier Freire, ex-jogador de futsal e atual Gerente de Seleções de Futsal da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), aponta algumas das particularidades que o esporte desenvolveu ao longo dos anos: “O jogo ficou cada vez mais físico, técnico e aprimorado taticamente, mais centrado na coletividade ao invés da individualidade”. O ex-goleiro Fernando Careca, que já jogou pelo Corinthians e pela Europa, acredita que essas mudanças fizeram a modalidade perder sua essência.
“A gente perdeu o principal ativo do esporte: o drible”
Fernando Careca
O cenário atual e a visibilidade
Com audiência recorde na televisão aberta e mais de sete milhões de visualizações na transmissão do canal CazéTV, a final da Copa do Mundo de Futsal trouxe esperanças para amantes da modalidade. O influenciador Gabriel “Billy” Fernandes, que cobre partidas clássicas do futsal para o canal da LNF, acredita que esse seja um indício de que o esporte esteja no seu “melhor momento”. Para ele, a conquista justamente em um período de impopularidade da seleção masculina de campo pode ajudar a afastar o estigma de que o jogo de salão seja “só uma muleta do futebol”. O influenciador acredita que o “futsal é visto como formador de atletas, mas apenas para eles jogarem no campo”.
“Quando eu entrei, não existia futsal na CBF. Nós éramos uma bactéria em um organismo vivo, onde a gente poderia ser repelido ou absorvido”
Lavoisier Freire
Lavoisier acredita que o seu trabalho pioneiro de renovação e transição do futebol de salão na CBF alcançou seus objetivos para o ano de 2024: “A prova é o título [mundial]”. Além do hexacampeonato na seleção principal masculina, o esporte brasileiro viu vitórias das equipes femininas, do nível sub-20 e em outras categorias.
O ex-jogador, que foi campeão da Liga Nacional de Futsal (LNF) em 2000 com o Vasco, também destacou como a presença de “times de camisa” — aqueles vindos do futebol de campo para competir em outros esportes, segundo Freire — em campeonatos da modalidade de salão poderia ajudar a “alavancar o futsal, nacional e internacionalmente”. Na LNF 2024, apenas o Corinthians faz parte da lista.
Victor Duarte, repórter e membro da comunicação do Magnus Futsal, vê prós e contras na vinda desses times. Ele considera um investimento barato e que dá muito retorno para os clubes em comparação às equipes de futebol, porque outros esportes demandam menos custos para manter e podem gerar mais lucro, além de levarem a torcida do campo para o ginásio. No entanto, essa vinda também preocupa Victor, já que “o público não é o do futsal”, e suas torcidas organizadas têm histórico de conflitos que as estruturas dos ginásios não estão preparadas para comportar. Pela proximidade com a quadra, os torcedores rivais e os jogadores, a violência poderia ser um risco: “Não quero isso para a minha modalidade”, completa.
O horizonte do salão e da areia nos Jogos Olímpicos
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) anunciou proposta de incluir o futsal e o futebol de areia nos Jogos Olímpicos após anos sem mobilização favorável de sua parte. A entidade responsável pela decisão final é o Comitê Olímpico Internacional (COI), que reduziu o limite máximo de atletas nos Jogos — fator que pode ser impeditivo para adicionar ainda mais competidores e técnicos com novas modalidades.
Publicação da Fifa criticada por divulgar o futsal com ídolos do campo, e não do salão, com legenda caracterizando o esporte como “o que ajudou a desenvolver as maiores estrelas do futebol” [Reprodução/X: @FIFAWorldCup]
Apesar de a decisão da Fifa ser favorável às modalidades, os fãs e os envolvidos no mundo do futsal têm suas críticas à Federação. Dentre elas, a postura de desrespeito da entidade, presenciada por Billy no local e relatada a ele pela equipe, conforme contou para a Jornalismo Júnior. Após a final da Copa do Mundo de Futsal, a seleção brasileira retornou ao seu hotel à meia-noite, mas sem tempo de comemorar: teriam que sair para o aeroporto às três horas da manhã. Antes da partida acontecer, a Fifa reservou as passagens de volta de todos os jogadores para a manhã seguinte à final, e colocou os times brasileiro e argentino no mesmo hotel e voo de volta — indiferente à reputação de rivalidade entre as equipes.
Para Victor Duarte, o principal passo em direção à efetivação do futsal e do futebol de areia nas Olimpíadas é o trabalho em conjunto entre as diversas organizações a nível nacional e mundial. “Não depende só [da Fifa], mas do COI, das Confederações. Depende de todos remarem para o mesmo lado”. Lavoisier defendeu o mesmo ponto, pedindo por envolvimento de ídolos e do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que removeu o futsal dos Jogos da Juventude, quando deveria ter sido “o primeiro a levantar a bandeira [da modalidade]”. O ex-goleiro também reforçou a necessidade da ação: “Não é só ir nas mídias e falar, tem que ter esse contato. A gente está fazendo esse movimento com as pessoas. Se vai todo mundo em um bloco só, fica mais fácil”.