*Capa: Imagem: Gilberto Marques/Fotos Públicas
No domingo do dia 29 de novembro, o povo de São Paulo foi às urnas novamente para eleger o novo prefeito da cidade, que ocupará o cargo de 2021 até 2024. Com um discurso moderado e uma campanha tradicional, o candidato Bruno Covas (PSDB) foi reeleito.
Guilherme Boulos (PSOL) foi o concorrente de Covas no segundo turno. Boulos optou por uma campanha mais inovadora, com presença ativa nas redes sociais, forte apelo aos jovens e foco na periferia.
Enquanto Covas representa a manutenção do PSDB em São Paulo e a vitória da política tradicional, Boulos surge como um nome forte do campo da esquerda, que busca um novo representante.
Além das questões envolvendo os dois candidatos, as eleições municipais de São Paulo foram marcadas pela grande abstenção, influências da pandemia e novas perspectivas de representatividade.
A abstenção e o desinteresse na política
No segundo turno das eleições municipais, a abstenção bateu recordes: cerca de 30,8% dos eleitores não apareceram para votar, índice mais alto desde 1996.
Para Barbara Regina Lopes, mestra e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), a pandemia do coronavírus não foi o principal fator influente na alta das abstenções. “A política crescentemente tem se tornado elemento de insatisfação para cidadãos”, explica, o que causa um desinteresse nas eleições. Além disso, “o eleitor não se sente muito representado por nenhum candidato”, opina.
Porém, é claro que o isolamento social também contribuiu para o não comparecimento às urnas. Poucas semanas antes das eleições 2020, médicos já alertavam sobre o aumento dos casos de Covid-19 na cidade de São Paulo, o que era negado pelo governo. Segundo Bruno Covas, o aumento nas internações não refletiam a evolução da doença na cidade, porque os hospitais estavam recebendo muita gente de fora da capital paulista.
Mesmo assim, apenas um dia após a reeleição do tucano, o governador João Doria, também do PSDB, endureceu a quarentena em todo o estado, voltando para a fase amarela da flexibilização.
Representatividade com ressalvas
Outro aspecto que chama atenção é a questão da diversidade e representatividade, que aumentou, ainda que de forma lenta, como no caso das mulheres. Em relação a 2016, houve um aumento de 18% de mulheres eleitas vereadoras, entretanto a representatividade feminina ainda é baixa e corresponde a apenas 24% das cadeiras para 2021. De acordo com Barbara, “na Câmara Municipal de São Paulo houve menos renovação, mas houve mais diversidade. Os homens brancos continuam sendo maioria, mas aumentou o número de pretos e mulheres. Dos dez candidatos mais votados, dois são pessoas transexuais”.
As cotas racial e de gênero representam um fator importante para o aumento da representatividade. A novidade das candidaturas coletivas (como no caso da Bancada Feminista e do Coletivo Quilombo Periférico, ambos do PSOL) acabou sendo um grande diferencial, já que há maior participação de grupos com mais diversidade entre seus integrantes. “São mudanças pequenas, mas é a retomada do caminho dessas pautas identitárias”, completa Barbara.
Os desafios de 2021
A próxima gestão de Covas não será fácil. Gerenciar os efeitos da pandemia, relativos tanto à saúde pública quanto à retomada da economia e às aulas, são os desafios mais imediatos.
No campo da saúde, além da contenção do coronavírus, o prefeito também terá que lidar com a demanda pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Como em 2020 o foco ficou no tratamento da Covid-19, “exames, consultas, cirurgias eletivas, foram todas paralisadas há oito meses. Então essa demanda está crescendo cada vez mais e pressionando o sistema público de saúde”, explica Barbara.
A crise econômica também será um problema. A Fazenda paulistana estima que o estado de São Paulo deve fechar 2020 com uma queda de 10% na arrecadação da receita. “Falamos então de uma São Paulo que vai ter menos orçamento e menos reserva no ano que vem”, conta a cientista política explicando que “caiu a arrecadação porque muitos impostos estão ligados ao consumo, à circulação da economia”, o que foi parcialmente impossibilitado com as medidas de isolamento social.
A pandemia escancarou também as desigualdades presentes na educação, e Covas terá que correr atrás do prejuízo. Questões como o aumento da quantidade de vagas nas creches, a volta às aulas e de que forma se lidará com a defasagem na educação que houve em 2020 devem ser prioridades na agenda do prefeito.
Todos os problemas ligados à pandemia acabam deixando de lado outro assunto de grande relevância: a revisão do Plano Diretor, que deve ocorrer em 2021. O Plano visa orientar a ocupação da cidade e resolver problemas de mobilidade urbana e déficit habitacional, por exemplo. Para ilustrar o problema da carência de moradia, Barbara pontua que, em 2019, 24 mil pessoas moravam nas ruas, na cidade de São Paulo. “Isso é antes da pandemia, imagine agora”.
As propostas de governo de Covas não citavam especificamente o Plano Diretor, apesar de perpassarem temas que o compreendem. Barbara frisa, porém, que Covas recebeu muitas doações de empreiteiras e imobiliárias. “Aparentemente há um conflito de interesses aí”, comenta.
As eleições 2020 na cidade de São Paulo demonstram como é cada vez mais clara a importância das campanhas digitais e das redes sociais no processo eleitoral. Além disso, mostram como padrões eleitorais antigos estão sendo recuperados. No geral, os candidatos mais conhecidos, experientes, moderados e com avaliação relativamente positiva venceram.
Os resultados indicam a retomada de uma política mais tradicional em detrimento do dirscurso bolsonarista inflamado, que elegeu o presidente em 2018, como mostra Barbara: “O discurso homofóbico, machista, anti-ciência e anti-sistema de 2018 não deu certo. Todos os candidatos que se basearam nesse discurso perderam as eleições municipais”.